Trata-se de uma história subterrânea, arredada para as notas de rodapé e
feita por protagonistas anónimos, que nos fala de tempos e lugares
diferentes, ligados por um fio vermelho que vai dos operários
conserveiros de Setúbal em 1911 aos trabalhadores rurais alentejanos em
1962, dos trabalhadores da TAP reprimidos pelo COPCON em 1974 aos
manifestantes que enfrentaram a polícia nas ruas do Porto em 1982. Feita
de problemas, acontecimentos, sujeitos e representações que desafiam
uma imagem pacificada do passado e nos confrontam com outro século XX
português, ela desloca o seu olhar das peripécias dos governantes para
as experiências e motivações dos governados, destacando as situações em
que a violência foi evidente e em que a sua natureza de acontecimento
histórico se apresentou incontornável e decisiva. Torna-se então
possível pensar o funcionamento quotidiano de normas, comportamentos e
relações sociais à luz dos procedimentos disciplinares e dos
dispositivos de controlo que têm o aparelho repressivo do Estado como
derradeiro suporte, questionando termos como «autoridade»,
«legitimidade», «proporcionalidade» ou «operacionalidade». Pensar a
repressão não apenas (ou não tanto) naquilo que ela tem de excepcional e
de excessivo – no sangue que faz correr, na dor que provoca, no
encarceramento, deportação ou morte em que redunda –, mas antes na sua
prática institucionalizada, na sua natureza de monopólio legítimo da
violência, nos efeitos que produz ao nível dos comportamentos, na
distinção que estabelece entre o que é permitido e o que é interdito,
implica deslocá-la da margem para o centro e fazer dela um ângulo de
observação privilegiado. A história dos subalternos é uma história de
violência.
13/10/14
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