12/04/17

Eleições Presidenciais em França: a situação à esquerda

Nas duas últimas semanas a situação das candidaturas presidenciais situadas à esquerda alterou-se em termos relativos. Jean Luc Mélenchon, o candidato da França Insubmissa, aparece destacado como o candidato de esquerda mais votado nas sondagens, fazendo o percurso inverso do socialista Benoit Hamon.
Mélenchon parece neste momento ter algumas hipóteses de disputar a segunda volta. O eleitorado socialista parece estar dividido e a escoar-se para Macron e para Mélenchon, deixando Benoit Hamon numa posição insustentável.
O cenário inverteu-se e são agora os apoiantes de Mélenchon a suscitar o apoio de Hamon. Com um resultado semelhante ao que  o socialista tinha obtido quando da  tentativa de suscitar a unidade.

Alexis Corbière, le porte-parole de Jean-Luc Mélenchon, a dit ce matin sur LCI : "Benoît [Hamon], ne sois pas un obstacle à cette volonté populaire qui monte", sous-entendant que le candidat socialiste devrait se retirer de l'élection présidentielle en faveur de Jean-Luc Mélenchon. Une phrase qui n'a pas plu à Jean-Christophe Cambadélis qui a répondu sur Twitter : "Fallait y penser avant ! Quand Benoît Hamon a tendu la main et que vous avez fermé la porte. L'unité ça se construit !"

Caso a unidade entre estes dois candidatos fosse possível a esquerda teria um candidato na segunda volta e, na opção Mélenchon, todos os estudos indicam que derrotaria Le Pen. Mas, reconheça-se apesar de Hamon estar a ser penalizado por ser do sector mais à esquerda dos socialistas há um conjunto muito grande de diferenças que o separam de Mélenchon. Desde logo a posição face à Europa. Ter um candidato vencedor e uma unidade que não se traduza num acordo politico capaz de mobilizar os franceses nãio adinataria nada. Veja-se o que resultou da mobilização que permitiu eleger o inqualificável Hollande.
Mas não vai ser assim, provavelmente, e será o favorito de Schauble, o flexível Macron, a disputar a Presidência com a senhora Le Pen. E será ele o próximo inquilino do Eliseu, dando mais quatro anos para engrossar a corrente que suporta a extrema-direita francesa e ajudando a manter a Europa no caminho do abismo.

12 comentários:

joão viegas disse...

Meu caro José Guinote,

As dificuldades que enfrenta o Benoît Hamon são lamentaveis e demonstram a falência da esquerda responsavel e reformista com a qual, pessoalmente, me identifico. O facto de ele ter sido abandonado por grande parte dos membros do PS mostra que estes não acreditam minimamente nos valores da esquerda, que ele representa, nem nos da democracia, que levou à sua eleição nas primarias.

Neste momento Hamon poderia fazer uma coisa simples e meritoria : desistir dizendo que não tem condições para vencer e que, da mesma forma que ele teria aceite a desistência de Mélenchon se tivesse bem posicionado, é coerente dar a este ultimo a possibilidade de vencer, pese embora ele defenda algumas ideias com as quais não me identifico ou que considero irresponsaveis, mas ao menos reclama-se claramente dos valores da esquerda.

Em vez disso, muitas pessoas de sensibilidade de esquerda vão votar de forma "realista" e pretensamente "responsavel" no Macron, que tem um programa de capitulação pura e simples diante da doxa libeal de direita, que reza que se combate o desemprego baixando os salarios e que se incrementa a flexi-segurança dos trabalhadores abrogando as regras arcaicas que proibem coisas tão naturais como a escravidão e o assalto despudorado ao trabalho. Em suma, uma forma de "capitalismo de rosto humano".

Tempos ingratos para quem é de esquerda, ou seja para quem acredita genuinamente que a redistribuição e a justiça social são os pilares mais seguros e mais eficazes para um desenvolvimento harmonioso e economicamente são. Para quem acredita que o principal problema economico consiste no lento declinio dos mecanismos fiscais e sociais de redistribuição em beneficio de uma logica de assistêncialismo hipocrita que pede ao pobre e ao desfavorecido para suportar completamente os custos das esmolas que lhe são concedidas, dedução feita dos custos de construção das prisões em que apodrece quem ousa levantar a voz contra este escândalo, e que o principal problema politico e social neste momento consiste em ir ao fim da logica de integração dando-lhe uma consistência politica e democratica, em vez de se contentar com uma Europa do capital. De T. Picketty a D. Méda, a maioria das cabeças pensantes da esquerda apoiam o Hamon, em vão...

Sempre fui um palido reformista, provavelmente mais à direita do que a maior parte dos colaboradores deste blogue, mas desta feita, acho que haveria uma certa justiça na ruina do PS francês provocada por uma desistência de Hamon. Ah, e para usar uma palavra muito na moda, embora tantas vezes desvirtuada, seria também bastante "moral".

Um abraço forte.

joão viegas disse...

"se estivesse" desculpem outras provaveis gralhas que isto foi escrito à pressa.

José Guinote disse...

Meu caro João Viegas, respondendo também à pressa, devo manifestar o meu contentamento pelo comentário. Eu também sou um reformista que não me identifico com muitas das ideias de Mélenchon e que caso pudesse faria campanha e votaria em Benoit Hamon. Julgo no entanto que são os reformistas os únicos radicais que subsistem na politica europeia. Os radicais do tempo eterno para as mudanças perfeitas e definitivas são o espelho e o ponto de equilibrio do neoliberalismo dominante. Julgo mesmo que um programa entre o que defende o socialista e o que é proposto pelo Mélenchon é onde se encontra o futuro da esquerda europeia, que não se conforma com a situação actual e que valoriza o factor tempo na politica.
Este meu segundo post ia na direcção que tu defendes. Hamon deveria numa atitude ética e moral de defesa do interesse da maioria dos franceses desistir, apelando ao voto no candidato da esquerda insubmissa. Deu um passo nesse sentido afirmando de forma clara que numa segunda volta apelaria ao voto no seu ex-camarada. Por outro lado o sector mais à esquerda do PS tem manifestado igual disponibilidade. Essa opção por parte de Hamon iria conduzir Mélenchon à segunda volta e obrigá-lo-ia a negociar um programa de governo antes das eleições, cenário que caso fosse recusado - o objectivo claríssimo de Mélenchon de implodir o PS francês está sempre presente na sua actuação política - iria responsabilizá-lo pela vitória de Le Pen.
O PS francês merece tudo o que de mal lhe possa acontecer, mas como afirmei no post anterior, apenas a cegueira politica pode justificar que todos os que elegeram Hollande, e se sentiram justamente traídos, vão agora voltar as costas a um candidato que representa a maior viragem à esquerda do PS Francês nas últimas décadas.
De facto como dizes as grandes cabeças estão do lado do socialista. mas lá como cá saber não é poder. Entre a direita mais tenebrosa e a esquerda mais radical o saber é apenas instrumental. Ou confirma as "nossas teses" ou não serve para nada.
Um grande abraço.

Miguel Serras Pereira disse...

Caros, quero crer que um de vocês escreveu o post e o outro o comentou ainda sem conhecimento do ponto 62 do programa de Mélenchon, estipulando a adesão de França à Aliança Bolivariana. Cf. http://www.huffingtonpost.fr/2017/04/13/cest-quoi-cette-alliance-bolivarienne-qui-met-si-mal-a-laise_a_22038161/?utm_hp_ref=fr-homepage

Abraço para os dois

miguel(sp)

José Guinote disse...

Meu caro Miguel, excelente reparo. Eu não simpatizo por aí além com o homem por causa, em grande parte, das suas ideias mais "chavistas", digamos assim. Sobretudo pela forma como defendia aspectos negros do malogrado socialismo XXI, se era assim que se designava o projecto politico de Chavez.
Acho deplorável a sua atitude de querer a França fora da Europa,quando podia, recorrendo ao peso politico da França, liderar uma reconquista das instituições europeias para a democracia e a solidariedade entre países e regiões. Acho que ele é no essencial um nacionalista. E, como sabes, não gosto nada disso.
Um grande abraço.

José Guinote disse...

Em conclusão do comentário anterior: recomendar o voto na personagem e defender a desistência de Hamon talvez seja pecar por excesso.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro camarada Guinote,
Tens razão: em termos esquemáticos, apostar no restabelecimento relativo ou absoluto do Estado-nação em vez de em movimentos de democratização efectiva da Europa (e não só) é uma aberração, quer se pinte de esquerda, quer de direita, quer de nem-nem.

Abraço

miguel(sp)

joão viegas disse...

Ola aos dois,

Também não vou à bola com o Mélenchon e o ponto mencionado pelo Miguel SP (que de facto não tinha presente) não deve ser o unico problematico no programa dele. Dito isto, 3 reparos muito hesitantes :

1/ Sendo um aprendiz caudilho megalomano e com posições dificilmente aceitaveis, Mélenchon não é, nem o PC português, nem um estalinista empedernido. E' um dissidente do PS que, ha largos anos, considerou que era impossivel, internamente, fazer com que o PS descolasse do centrão e da capitulação ao liberalismo. Os dissabores do Hamon, que fez a mesma constatação uns anos a seguir, dão uma certa razão à postura do primeiro.

2/ Não fui ver tudo e é possivel que algo me escape, mas a postura de Mélenchon não é fechada, nem sequer a nivel europeu. O que ele diz não é "façamos com que a França saia da Europa", mas antes, "façamos com que as forças de esquerda da Europa dêem um murro na mesa para obter que se volte a agendar a harmonização fiscal e social". Portanto não se me afigura certo que ele seja incapaz de fazer concessões, por exemplo a um Hamon com quem teria de qualquer forma de se etender para governar em caso de vitoria.

3/ O absurdo da situação é que o Mélenchon ganhou, não apenas a guerra das sondagens, mas também a batalha em torno das primarias, e isso por falta total de coluna vertebral dos socialistas. Quando ele dizia que as primarias eram uma armadilha que os seus inventores estavam prestes a deitar fora logo que ela deixasse de lhes ser util, tinha obviamente razão, ou pelo menos assim o demonstram muitos elefantes do PS, e nomeadamente a sua linha direitista. Ora bem, hoje o que esta em causa é haver, ou não, alguém que represente os valores de esquerda à segunda volta. Se o Hamon estivesse bem posicionado, estariamos todos aos gritos contra o Mélenchon e pedir-lhe para desistir. A mesma logica poderia levar a dar o braço a torcer quando a posição é simétricamente inversa... Digo eu, com muitas hesitações...

4/ Mas que a situação é péssima e que apresenta graves riscos de enterrar a esquerda, francesa e talvez também europeia, por varios anos, isso é inegavel. Eu francamente, se tivesse o direito de voto (que não tenho), não juro que votaria Mélenchon à primeira volta (votaria provavelmente Hamon se ele se mantivesse, ainda que tivesse projecções a 5 %). E julgo que haver uma alternativa Mélenchon Le Pen é o pior que se pode imaginar. Mas acredito que se o Mélenchon fôr à segunda volta, então a Le Pen não passa, e é alias mais uma das razões da minha hestitação.

Abraços aos dois

Miguel Serras Pereira disse...

Caros José e João,
um link para áurea notícia, um pouco mais clara, sobre o mesmo tema: http://tempsreel.nouvelobs.com/presidentielle-2017/20170413.OBS7986/melenchon-veut-adherer-a-l-alliance-bolivarienne-mais-qu-est-ce-que-c-est.html

Eu bem sei — e nisso insisti muitas vezes neste blogue — que é urgente encontrar alternativas que democratizem a direcção e o funcionamento da UE. Mas isso não quer dizer que todas as alternativas sejam boas, ou que pense seja o que for é melhor do que isto, na base da ideia de que pior não é possível. Para bons entendedores…

Abraços

miguel(sp)

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Fui ver https://www.blogger.com/comment.g?blogID=2525053614363345408&postID=2123162588428157483&bpli=1 De facto o homem tem saidas perigosas, o que pelos vistos preocupa até os seus proprios apoiantes mais proximos.

Abraço

Libertário disse...

A melhor piada do ano no Vias de Facto:

«São os reformistas os únicos radicais que subsistem na politica europeia...»

Jose Guinote disse..

Ah! Ah! Ah!

Niet disse...

A ironia de Libertário näo vence, pois é equivoca e ambivalente,irrelevante e contaminada por uma " ignorância radical ", como Ernesto Laclau ou Stavarakis nos indicam prolongando os termos célebres dos paradoxos de Bertrand Russell.Niet