16/06/17

Ganância extrema. Uma explicação simples.



O incêndio que terá morto cerca de 100 pessoas em Londres, tem uma explicação simples, sintetizável numa só palavra: desprezo.

Desprezo pela vida dos outros sobretudo se esses são os mais pobres. Desprezo que é directamente proporcional à ganância que anima os agentes cuja intervenção possibilita este tipo de tragédias.

O desinvestimento que os Conservadores promoveram na habitação, enquanto politica pública, e a sua aposta na gentrificação e na expulsão dos mais pobres para as periferias - aposta que os trabalhistas com Blair já tinham iniciado - levaram a que o desinvestimento neste sector fosse uma imagem de marca dos últimos anos.

Não foi por acaso que Corbyn apostou numa nova politica de habitação liderada pelo Estado. Não se tratava apenas de construir mais casas, trata-se de rever o conjunto de regulamentos e intervir na definição dos preços, limitando a ganância e impondo as boas prácticas. Penalizando quem actua desprezando a segurança dos cidadãos apenas com o objectivo de maximizar o lucro.

Se o incêndio que devastou a torre  - no essencial habitada por pessoas de baixos rendimentos, por imigrantes,  ou por estudantes universitários, alguns dos quais estrangeiros - foi tão destruidor isso deve-se a razões claramente imputáveis ao homem. Não se tratou de nenhum azar, nem de nenhuma catástrofe natural. No processo de edificação já se sabe que os azares são o que sobra depois de todos terem feito aquilo que é exigido e que o conhecimento técnico possibilita. E já desde Alberti que se sabe que esgotando as possibilidades que o conhecimento técnico nos permite sobra muito pouco para os azares.

Este acidente terrível foi, apenas e só, uma consequência de incúrias várias e de um equilibrio funesto,  em que de um lado se coloca o lucro que se pode obter e do outro a segurança das pessoas. Fazendo a balança pender assustadoramente para o lado do lucro.

Ou,  talvez até mais, consequência de o Estado, obrigado, até por vários relatórios, a preparar uma resposta técnico-politica que evitasse  a catástrofe que se anunciava, ter optado por nada fazer.

Os governos conservadores afastaram os municipios, e os técnicos mais qualificados, dos problemas da habitação,  delegando esse poder nas empresas, e nos negócios, e naqueles que na área técnica se posicionam habilmente nesta cadeia produtiva, que dispensa a capacidade técnica e o rigôr na actuação, considerando-as mesmo um empecilho. A escolha de uma solução de revestimento mais barata ainda que mais inflamável, e certamente mais bonita, passe a subjectividade do conceito, é feita neste contexto.

É por outro lado fruto de uma "evolução" em que a segurança das construções é colocada num patamar de irrelevância face a outros "atributos", Neste caso valorizou-se muito a eficiência energética - há financiamentos comunitários para melhorar este aspecto do comportamento dos edificios -  e o embelezamento geral do edificio. Intervenções que se articulam muito bem com um tipo de intervenção marcada pela negligência.

Gastaram-se onze milhões de euros a "reabilitar" o edificio. Reabilitar tem aqui um significado chocante, como acontece muitas vezes. . Foram onze milhões de euros que não impediram, antes terão ajudado, à morte de  mais de cem pessoas e que ajudaram a arruinar a vida de muitos mais.

Certamente não se investiu um chavo, nos aspectos mais importantes da engenharia, como a segurança estrutural, a resistência ao fogo dos materiais utilizados, e  sobretudo na avaliação de como as intervenções parcelares funcionavam se olhadas globalmente.
Caminhos de evacuação, sistemas de alarme, meios de primeira intervenção ao nível de cada piso, formas de intervenção exterior de combate ao incêndio, nada disso existia com a eficácia que era necessária. Não estavam minimamente acauteladas. Pese embora a resposta rápida dos bombeiros o avanço do fogo foi muito mais veloz. O edificio era ele próprio um imparável rastilho à espera da primeira ignição.

Razão tinha o deputado trabalhista, David Lammy, quando afirmou logo após o incêndio que estávamos perante um homícidio perpetuado pelas empresas e entidades envolvidas e que deveria haver consequências e gente responsável deveria ser presa, julgada e condenada. Talvez por isso o Labour quer que um conjunto de questões sejam discutidas.

As sociedades mais desiguais - e o Reino Unido é hoje a sociedade mais desigual da União Europeia - tratam assim os seus cidadãos. Aos poderosos dificilmente lhes acontecerá uma carnificina assim. Os mais pobres e os remediados nunca estão a salvo da avidez de muitos e da cumplice incúria do Estado.

ACTUALIZAÇÃO (17.06.2017- 11H)  -  A propósito dos efeitos da austeridade e da sua contribuição para este tipo de catástrofes o relato de quem trabalhou para a empresa que geria o parque habitacional no qual se inclui a Grenfell Tower.





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