Isto é uma conversa já um bocado atrasada, sobre a eventual saída do euro (ver os artigos de Luís Aguiar-Conraria, os vários de Rui Tavares, de Carlos Carvalhas e de José Gusmão, entre outros), mas de qualquer maneira vou também dizer qualquer coisa.
Para começar, seria conveniente distinguir entre dois tipos de defesa da saída do euro: os que acham que sair do euro é intrinsecamente bom (porque permite ganhar competitividade, ou controlar a politica monetária, ou lá o que for), e os que são simplesmente a favor de uma reestruturação unilateral da dívida, e acham que tal levará a termos que sair do euro (pelo nosso pé ou expulsos, como ia acontecendo à Grécia em 2015) - pondo de outra maneira, a saída do euro pode ser vista como uma coisa boa em sim mesma, ou como uma coisa em si má mas que é o preço a pagar pela reestruturação da dívida.
Um exemplo de que como esta distinção é importante é a questão de se a saída do euro vai ou não originar um aumento do serviço da dívida, e das implicações jurídicas associadas (se a dívida continuava em euros, se passava para escudos, etc.) - no cenário de saída na sequência de uma reestruturação unilateral, essa questão não faz qualquer sentido, parece-me.
O LA-C escreve "Se, na verdade, bastassem as emissões serem feitas em Direito português para podermos alterar unilateralmente os termos dessas mesmas emissões, então há um método muito mais simples para atingir o objectivo: basta reduzir o valor a reembolsar previsto. Ou seja, em vez de se mudar a alínea que diz que os títulos de dívida estão denominados em Euros, altera-se a alínea que diz qual o valor de reembolso." - mas e se isso tivesse como resposta que o BCE deixasse de fornecer notas de euro aos bancos portugueses, provocando (até por profecia auto-cumprida) uma corrida aos bancos, ficando estes sem poder garantir os seus depósitos?
Neste contexto, de uma saída como resultado (não desejado mas assumido) de uma reestruturação unilateral, acho que também não é muito relevante a questão da saída aumentar ou não a "competitividade"; ou melhor, se a saída piorar a competitividade, é mau, mas não é problemático se simplesmente não a melhorar (só a seria se a saída do euro fosse justificada com argumento de aumentar a competitividade).
Mas, por outro lado, se a saída do euro não for vista como um fim em si mesmo mas apenas como um mal necessário imposto pela reestruturação da dívida, acho que isso significa que se devia, não só preparar a saída do euro, mas também estudar a possibilidade de tentar permanecer no euro mesmo contra a vontade do BCE (uma espécie de cenário Montenegro) - aliás, as duas preparações nem são contraditórios (medidas que são apresentadas pelos partidários da saída do euro como necessárias para preparar essa saída - como constituir reservas de divisas para aguentar o valor do novo escudo - também contribuiriam para ajudar a manter um uso unilateral do euro.
Algumas medidas que poderiam ser tomadas para o país se manter unilateralmente no euro:
Congelamento quase total dos levantamentos bancários, só se podendo efetuar pagamentos por multibanco ou transferência.
Isto é mais radical que na Grécia - na Grécia podia-se levantar 120 euros por semana; o que estou a sugerir é que, tirando um pequeno montante inicial, depois não se pudesse levantar mais nada. Paradoxalmente, acho que isso seria menos desestabilizador - na Grécia, os 120 euros por semana levavam a que as pessoas estivessem sempre a levantar dinheiros, que os bancos estivessem com os cofres mais vazios de dia para dia, e que houvesse um clima constante de "vão aguentar mais um dia ou, com os bancos vazios, vão ceder?". Pelo contrário, uma decisão do tipo "a partir de agora, já não se levanta mais dinheiro nenhum" acabaria por levar a uma situação mais estável e menos incerta (e, nesse cenário, era maior o incentivo à economia se adaptar a funcionar com pouco dinheiro líquido - consta que no ponto alto da crise grega, muitos estabelecimentos comerciais recusavam-se a aceitar pagamentos por cartão "multibanco"; mas e se tal fosse mesmo quase a única alternativa , e sem isso não tivessem clientes?)
Reservas bancárias a 100%
Isto provavelmente não seria possível implementar do pé para a mão, mas num sistema em que o dinheiro dos depósitos à ordem tivesse que estar mesmo no banco (como se fosse dinheiro guardado num cofre), e os depósitos a prazo só pudessem ser mesmo levantados no fim do prazo (como se fossem puras aplicações financeiras), o BCE não poderia "fechar" os bancos recusando-lhes crédito (mas não estou seguro que isto não tivesse mais desvantagens que vantagens).
Além disso, há outras coisas que frequentemente são apresentadas como negativas, mas até poderiam ser úteis neste cenário:
- A integração cada vez maior dos bancos portugueses em grupos bancários transnacionais. Isto é visto como mau por muita gente ("Já não controlamos os sectores chave da nossa economia!" - fará uma grande diferença se quem controla a economia vive no Estoril com dinheiro guardado no Liechenstein ou se vive em Paris com dinheiro guardado no Luxemburgo?), mas penso que tornaria mais difícil o BCE cortar a torneira à economia portuguesa (alguém escrevia em tempos que a razão porque as cidades norte-americanas que vão à falência não são expulsas do dólar é porque os bancos norte-americanos são nacionais, não são "de cidade", logo o município pode falir sem isso levar os bancos locais à falência)
- Nos primeiros meses do governo Syriza na Grécia houve uma enorme saída de capitais para o estrangeiro. Retrospetivamente, tem sido dito (p.ex., pelo Francisco Louçã) que foi um erro não ter imposto controles para impedir essa saída de capitais; mas eu continuo na minha - o azar do gregos foi não ter havido suficiente fuga de capitais: se o dinheiro tivesse sido quase todo levantado/transferido enquanto o BCE emprestava aos bancos gregos, o corte do financiamento teria sido muito menos problemático; afinal, se já não houvesse depósitos nos bancos gregos, que mal vinha ao mundo se os bancos gregos não tivessem dinheiro líquido. Neste momento não sei se um novo confronto entre a Grécia e "as instituições" não teria um resultado diferente, já que não me admirava se já quase não houvesse depósitos nos bancos gregos. Mas no caso português penso que este ponto não é relevante, já que suponho que não haja cá nenhuma fuga de capitais.
Finalmente, pelo que sei, há uma grande diferença entre Portugal e a Grécia: os portugueses usam muito, e acho que mesmo muito, o Multibanco (ou, para ser mais exato, o Multibanco e o Visa Electron, a que toda a gente chama simplesmente "multibanco", tal como as lâminas de barbear são gillettes e os veículos todo-o-terreno são jeeps), o que tornaria mais fácil viver com os levantamentos congelados.
Atenção, não se entenda este post como uma defesa da opção "default permanecendo no euro" (isto é, aquela opção que eu passei grande parte da crise grega a defender), mas ainda não estou convencido que (apesar do que ocorreu na Grécia em 2015) seja uma estratégia a descartar totalmente.
30/06/17
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1 comentários:
Talvez não seja uma conversa atrasada. Talvez mesmo seja uma premonição.
Sobre Macron: " ...The ambitions are grandiose. His coming to power is “the beginning of a French renaissance and I hope a European one as well,” he said in the interview, with Le Figaro and other European newspapers. “A renaissance that will permit the rethinking of great national, European and international equilibriums.”..."
A uma grandiosa França com um Euro/Marco ?. Sem o seu Novo-Franco ?. "Impossible" !!!.
E Portugal ?. O novo-escudo "peg"ará para que lado?.
Marco, Franco, ou "as usual" para a Libra esterlina/US Dolar ?.
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