13/07/18

"Colaboradores do Estado"

Expressão usada ontem por António Lobo Xavier (suponho que para ser referir aos trabalhadores do Estado).

2 comentários:

joão viegas disse...

Ola Miguel Madeira,

Uma velha e interessante questão : os agentes do Estado são trabalhadores subordinados no sentido classico do termo, que alugam a sua força de trabalho a uma entidade patronal como outra qualquer, ou são descendentes dos titulares de cargos publicos, investidos de missões legais e regulamentares, ou seja, acima de tudo, servidores da lei ?

Uma tendência recente, em sintonia com a ideia cada vez mais aceite (mas altamente discutivel) de que muitos serviços publicos ganhariam em ser desempenhados em regime concorrencial, equipara os "servidores publicos" aos trabalhadores do privado (cf. em Portugal, o "contrato de trabalho de funções publicas"). No limite, esta tendência justificaria que eles fossem completamente submetidos ao direito do trabalho comum, e não a um regime de direito publico. Logo, deveriam ser considerados como "trabalhadores", como dizes.

No entanto, os funcionarios não foram considerados desta forma no inicio, nem durante muito tempo. A propria remuneração não era considerada como um "salario", mas como um auxilio destinado a permitir-lhes viver à altura da sua importância social (a expressão francesa é deliciosa : "pour qu'ils puissent tenir leur rang"). Numa larga medida, a distinção continua a fazer sentido. A ética não é a mesma, as condicionantes da remuneração não são as mesmas (o Estado não faz lucros), a função tem caracteristicas proprias que não existem para os trabalhadores privados, o proprio estatuto social não é o mesmo (por exemplo, o facto de se praticar um crime contra um funcionario é por vezes circunstância agravante). Isto, não que o funcionario faça parte de uma casta acima dos outros (é certo que existe a tentação de ver as coisas desta forma, como na China antiga, e esta tentação é talvez a caracteristica mais genuina dos fascismos, mas trata-se de um erro, em principio o funcionario esta ao serviço de todos e da igualdade, à qual também se encontra submetido) - mas simplesmente porque ele representa a força publica ao serviço do interesse de todos. Eis, muito provavelmente, a razão pela qual o Lobo Xavier, conscientemente ou inconscientemente, se referiu a "colaboradores" e não a "trabalhadores".

Por detras desta questão juridica, existe um problema politico importante e bastante actual : qual deve ser o regime juridico dos serviços publicos, e a questão de saber se deve ser igual ao de outra actividade (privada) qualquer, ou se merece, em razão da sua submissão ao interesse publico, reger-se por normas derrogatorias do direito comum.

Um abraço

Miguel Madeira disse...

« Eis, muito provavelmente, a razão pela qual o Lobo Xavier, conscientemente ou inconscientemente, se referiu a "colaboradores" e não a "trabalhadores".»

Talvez, mas eu suspeitei mais que fosse a tendência genérica para chamar "colaboradores" aos "trabalhadores".