No entanto, não me espantaria que no mundo real o maior problema com o teletrabalho fosse o oposto (e uma das causas de haver tão pouca gente nesse regime?) - os patrões desconfiarem dele, mesmo em situações que tal até pudesse ser mais vantajoso para eles em termos de maiores lucros e menos despesas.
Para começar, vou fazer um desvio por um tema que à primeira vista parece só remotamente relacionado - o clássico de Michael Kalecki, Political Aspects of Full Employment [pdf], onde o autor sugere que o patronato tende a ser contra políticas de pleno emprego, mesmo que tal leve a maiores lucros, já que o pleno emprego reduz a sua dominação social sobre os trabalhadores, que ficam com menos medo de ser despedidos:
We have considered the political reasons for the opposition to the policy of creating employment by government spending. But even if this opposition were overcome—as it may well be under the pressure of the masses—the maintenance of full employment would cause social and political changes which would give a new impetus to the opposition of the business leaders. Indeed, under a regime of permanent full employment, the 'sack' would cease to play its role as a disciplinary measure. The social position of the boss would be undermined, and the self-assurance and class-consciousness of the working class would grow. Strikes for wage increases and improvements in conditions of work would create political tension. It is true that profits would be higher under a regime of full employment than they are on the average under laissez-faire; and even the rise in wage rates resulting from the stronger bargaining power of the workers is less likely to reduce profits than to increase prices, and thus adversely affects only the rentier interests. But 'discipline in the factories' and 'political stability' are more appreciated than profits by business leaders. Their class instinct tells them that lasting full employment is unsound from their point of view, and that unemployment is an integral part of the 'normal' capitalist system.Será que o mesmo raciocinio não poderá ser aplicado ao teletrabalho? Isto é, se os patrões (ou pelo menos parte deles) valorizarem mais o poder (a "disciplina nas fábricas") do que propriamente o dinheiro, terão alguma relutância em deixar os seus empregados trabalhar a partir de casa (onde ele não sabe bem o que eles estão fazendo nem como), mesmo que isso até possa parecer mais lucrativo; e se formos para as chefias intermédias, suspeito que a relutância ainda será maior - afinal, quase por definição pessoas que gostam de controlar outras (talvez uma combinação de "extroversão" e "conscienciosidade" no modelo dos big five?) tendem a estar sobre-representadas nas chefias intermédias (já que esses pessoas sentem-se mais motivadas para assumirem esses cargos), logo tenderão a desconfiar de quem peça para trabalhar a partir de casa.
Aliás, nos comentários ao seu post, JRA refere que em tempos esteve envolvido numa negociação laboral em que a administração da empresa se opôs ao alargamento do teletrabalho (os trabalhadores também se opuseram, mas num sistema - o que provavelmente significaria uma sociedade diferente - em que o teletrabalho fosse verdadeiramente opcional, não me parece que se verificassem as razões que ele apresenta para os trabalhadores se oporem: das duas uma, ou apenas uma minoria quereria teletrabalhar, e nesse caso quem não quisesse continuaria a ter muita gente no escritório para interagir, e se calhar até é de esperar - ou não? - que fossem os mais chatos que preferissem ficar em casa; ou a maioria preferiria teletrabalhar e aí... a maioria preferiria teletrabalhar).
Ainda a respeito disto - um artigo de há quase 15 anos de Chris Dillow, Capitalism and Presenteism (o link para os "two fantastic papers" já não funciona, mas creio que são estes: What Do Bosses Do? The origins and functions of hierarchy in capitalist production, Part I e Part II).
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