14/06/19

"Centralismo democrático" versus "federação de grupos de afinidade"

Este texto no Center for a Stateless Society evidencia algo que já tinha pensado há uns tempos - na prática o modelo leninista/trotskista do "centralismo democrático" não é muito diferente (pelo menos para pequenas organizações; para partidos que tenham representação institucional é coisa é diferente) do que o modelo libertário de uma organização difusa por grupos de afinidade sem disciplina imposta, com grupos que muitas vezes se formam para tarefas especificas para se dissolverem logo depois. Sim, em teoria parece quase o oposto, com a minoria a ser obrigada cumprir as decisões da maioria e a fazer o que o "coletivo" mandar fazer - mas como frequentemente os grupos marxistas-leninistas e trotskistas passam a vida em cisões, reagrupamentos e novas cisões, o resultado é quase o mesmo: a maioria (na melhor das hipóteses) decide uma coisa, e a minoria pode cumprir a disciplina organizacional e obedecer, ou pode não a cumprir e criar um novo grupo, que talvez se reunifique com a organização-mãe se o motivo da divergência desaparecer. A grande diferença real que vejo entre isto e o modelo mais libertário de organização é que o modelo "centralista democrático" tem mais potencial para as pessoas se zangarem umas com as outras durante o processo.
The policy of democratic centralism has always been a somewhat ridiculous choice for a party that was out of power. How, after all, was the party supposed to enforce its decisions on its members? An activist group in modern America can’t actually use any form of direct coercion to enforce its decisions. The only real sort of leverage available is for the group to dissociate from an individual — i.e., kicking them out of the party. So in reality, vanguardist organizations end up acting just like anarchist ones.

By this, I mean that these parties must effectively operate by consensus, and must effectively use freedom of (dis)association as their only discipline. By consensus, I mean that the parties cannot compel their members to do anything they really do not want to do — if they would rather quit the party than obey the party, they are always free to do so. On a daily basis, this can take an almost insurrectionary form — the party members will simply decline to volunteer for things that disinterest them, or just not show up to meetings they find pointless and boring. The DSA experiences this, often enough — some local chapters have many members in theory, but so few in practice that they have trouble making quorum!

However, abandoning a party isn’t always a slow process. Sometimes, members do so en masse and form a new group. The internet era makes this problem worse, too: what previously might have been a local split can now easily spread.

Ultimately, these party leaders are left with only the recourse of withholding funds, though there are usually minimal funds to withhold in the first place. But even this is less effective: the internet era makes soliciting donations quick and easy.

1 comentários:

João Vasco disse...

Não concordo muito com a análise que partilhas, nem com a tua própria. Há uma diferença absolutamente fundamental para além daquilo que assinalas sobre existir mais potencial para aversão pessoal entre as pessoas que cindem num movimento baseado no centralismo democrático, e é a razão pela qual muitas destas organizações estão dispostas a pagar esse preço.
A razão é que, mesmo que formalmente não existam formas de "impor" a adesão ao que a maioria escolha, existe um conjunto de valores partilhados de acordo com os quais isso resulta em maior eficácia operacional. Assim, cada uma das pessoas que pertence a este grupo considera imoral cindir a menos que a razão seja realmente muito forte (e pode ser relativamente ridícula a frequência com que situações deste género acontecem) e isso quer dizer que, enquanto a cisão não existe várias pessoas vão sentir alguma obrigação moral de colaborar com um plano no qual não concordam de uma maneira que não fariam no esquema "federação de grupos de afinidade".
O resultado final é radicalmente diferente e isso topa-se a milhas na actuação de uns e outros grupos, na mentalidade de quem lá faz parte, na relação entre as pessoas, tudo.
Eu sei que a tese do texto é que esse "enquanto a cisão não existe" não deve demorar muito com a quantidade de fusões e cisões. Mas por muito frequentes que sejam a comparar com aquilo que os próprios consideram que deveriam ser, são muito raras a comparar com a quantidade de decisões e acções que qualquer destes grupos leva a cabo. Eu diria que tens pelo menos umas 100 decisões em média antes que exista uma cisão e ao longo de cada uma dessas decisões e acções todo o processo foi radicalmente da "federação de grupos de afinidade".

Eu pessoalmente sinto-me melhor no esquema "federação de grupos de afinidade" mas não podemos fingir que a capacidade operacional não tende a ser, na prática, mais reduzida...