14/12/19

Sobre as eleições britânicas

Atendendo aos resultados foi efetivamente mais uma derrota dos Trabalhistas que uma vitória dos Conservadores; há quem diga que foi uma rejeição do "radicalismo" de Corbyn - faz sentido: o Labour perdeu cerca de 2 milhões e meio de votos face a 2017 porque muito eleitores que até simpatizavam com o centrista que na altura liderava o partido assustaram-se com o radical Corbyn.

Claro que a hipótese do "radicalismo" não faz grande sentido, pelo que parece-me que a razão mais provável para a queda eleitoral dos trabalhistas seja o Brexit (ok, houve também as falsas acusações de anti-semitismo, mas interrogo-me se isso terá influenciado alguém além dos que já estavam previamente convencidos).

Diga-se que quando começaram a sair resultados a minha primeira impressão foi de que as quedas da votação do Labour eram acompanhadas sobretudo por subidas do Brexit Party (claro que o BRX subiria sempre, porque é um novo partido, mas em grande parte desses circulos não tinha havido candidato do UKIP em 2017); veja-se uma das primeiras vitórias conservadoras anunciadas, Blyth Valley:


E a maior parte dos lugares perdidos pelos trabalhistas no nordeste de Inglaterra (uma das regiões onde houve maior perca de deputados) seguiram esse padrão - cerca de metade dos votos perdidos foram para o Brexit Party; e quase todos os círculos perdidos foram círculos que votaram "Leave" no referendo.

É verdade que no conjunto do Reino Unido isso não se verificou, e o principal beneficiário com a descida dos trabalhistas foram os liberais-democratas (e o "aumento" de 2 pontos do Brexit Party ainda é menor do que parece, porque o UKIP desceu 1,8 pontos, pelo que o partido-liderado-pelo-Nigel-Farage teve só mais duas décimas de ponto percentual - mas convém notar que não concorreu em muitos círculos):


Mas no contexto de um sistema eleitoral maioritário, o que foi relevante foi a transferência de votos para o Brexit Party (e para os conservadores, claro) - a transferência para os liberais-democratas parece ter ocorrido sobretudo em circulos que não mudaram de partido.

Muita gente está a dizer que foi um erro os trabalhistas terem, nestes últimos meses, colocado-se de forma praticamente aberta do lado do remain, propondo a realização de um segundo referendo - mas suspeito que se se tivessem posto de forma decisiva ao lado do brexit (e, sobretudo, do brexit conduzido por Boris Johnson) teriam há mesma tido grandes perdas, só que noutros sítios (claro que o sistema eleitoral FPTP tem peculiaridades - se os bastiões tradicionais dos trabalhistas, e agora pró-brexit ,no norte de Inglaterra tiverem sido ganhos em 2017 com uma margem eleitoral mais estreita do que os novos bastiões trabalhistas pró-remain na zonas da "elite metropolitana", isso quer dizer que foi mais grave ter perdido votos nos primeiros do que seria ter perdido nos segundos; aliás, como se viu acima, os trabalhistas perderem com certeza mais votos para os liberais-democratas, mas esse perde de votos pouco impacto teve no resultado em termos de deputados, devido à geografia eleitoral).

Já agora, ocorre-me que nalguns círculos talvez tenha sido bom para os conservadores que o Brexit Party tenha concorrido: se calhar houve eleitores que passaram dos trabalhistas para o BRX  (permitindo que esses círculos passassem para os conservadores) mas que teriam votado trabalhista se a única alternativa fosse o partido dos "posh boys" e da Thatcher.

Mais uns pontos:

N'O Observador, Miguel Pinheiro escreve que "Os opositores do Brexit queriam, portanto, um segundo referendo — e foi isso mesmo que tiveram esta quinta-feira"; na verdade, na quinta-feira passada, se fosse um referendo, teria sido uma DERROTA do Brexit (ou pelo menos do "Brexit realmente existente") - liberais-democratas, verdes, independentistas escoceses e regionalistas galeses (todos defensores do hard remain) mais os trabalhistas (opostos ao Brexit de Boris Johnson e defensores de um segundo referendo) tiveram 50,7% dos votos - claro que não se pode extrapolar totalmente de uma eleição legislativa para um referendo, já que a posição sobre o Brexit não terá sido o único assunto (terá havido remainers a votar conservador e brexiters a votar trabalhista, p.ex.), mas foi neste terreno que o Miguel Pinheiro se decidiu colocar (já agora, se, p.ex.. os liberais democratas tivessem ganho as eleições e cancelado o brexit, sem sequer fazer um novo referendo, como deram a entender, será que a eleição também contaria como um segundo referendo?).

Finalmente, como não poderia deixar de ser, apareceram uns sondagenfóbicos a dizer que "as sondagens voltaram a falhar"; mas que falha houve aqui nas sondagens??? O resultado foi mais ou menos o previsto pela maior parte das sondagens, nomeadamente as mais recentes, mais ponto percentual, menos ponto percentual:

Eu dá-me a ideia que para certas pessoas dizer que as sondagens falharam já é uma parte tão integral da sua rotina diária, como ir tomar o café da manhã, que têm a compulsão de dizer isso, mesmo quando elas acertam.

3 comentários:

José Guinote disse...

Olá Miguel, não percebo essa tua tese de que as perdas do Labour foram essencialmente para o Brexit Party. Em primeiro lugar o Brexit Party nos círculos em que os Conservadores tinham hipótese de ganhar ao Labour optaram por desistir não fazendo campanha. Tendo o Labour perdido cerca de 50 deputados e o Brexit Party tido um resultado confrangedor onde é que se estabelece essa relação. Na Red Wall houve claramente transferência directa de votos Labour para votos Torres com os deputados trabalhistas a serem substituidos por deputados conservadores.Aliás o verdadeiro partido do Brexit foram os Tories.

Miguel Madeira disse...

"Olá Miguel, não percebo essa tua tese de que as perdas do Labour foram essencialmente para o Brexit Party"

A minha tese é um bocado mais rebuscada - é de que, nos sitios onde houve perdas de deputados, grande parte da perda de votos foi para o Brexit Party.

José Guinote disse...

Talvez eu não perceba por ser mesmo rebuscada essa tese. O Brexit Party teve apenas 2% dos votos - 642303 votos. Não elegeu nenhum deputado e a grande transferência de votos, sobretudo na Red Wall, fez-se directamente do Labour para os Tories. Há em determinados sectores da população uma transferência directa entre Labour e Lib Dem, muito relevante. Há casos notáveis como o de Workington no coração da Red Wall em que a troca foi directa entre Conservadores e trabalhistas. Em 2017 o Labour teve 51,1 e os conservadores 41,7. O UKip teve 3,7%. Nestas eleições os Conservadores tiveram 49,3, o Labour teve 39,2 e o Brexit Party teve apenas 4.2. Podemos também recorrer a Sedgefield, a circunscrição pela qual era eleito o Tony Blair, em que o Labour cai de 53,4% para 36,2% e os Tories passam de 38,8 para 47,2%. O Brexit Party teve aqui 8,5% enquanto o UKIP tinha tido 4,2.