Em Junho do ano passado o actual Presidente de Angola, João Lourenço, denunciou um facto que qualquer cidadão medianamente informado poderia concluir por si só: a dívida pública angolana financiara o enriquecimento de uma elite repleta de ávidos ladrões. Demos conta dessa denúncia e estabelecemos a inevitável comparação com aquilo que se passou em Portugal.
A relação entre a cleptocracia angolana - com enorme destaque para a relação entre o univrso "empresarial" de Isabel dos Santos - e a classe dominante em Portugal é uma relação sólida, antiga e profunda. A engenheira, conhecedora que é da actividade da avicultura, mostrou sempre ter perfeita consciência que Portugal seria a sua poedeira ideal. E assim foi espalhando os seus ovos da Galp ao BPI, da NOS à Efacec, sem parar. Recorde-se que essa relação inclui o seu poderoso marido, Sindika Dokolo, que escolheu o Porto para estabelecer a fundação com o seu nome, tendo adquirido para esse fim a Casa Manuel Oliveira - projectada por Souto Moura e recusada pelo cineasta - facto apontado como exemplo do reforço da relação entre o Porto e Luanda. Não podemos esquecer que o BPN - uma organização de malfeitores composta por parte da superestrutura financeira e empresarial da sociedade portuguesa - foi "comprado" pela Engª Isabel dos Santos, por uns míseros 40 milhões de euros, enquanto os portugueses contribuíram com 5 mil milhões dos seus salários não recebidos, das suas reformas não recebidas, para tapar o corrupto desfalque aí concretizado. Comprado pelo BIC mais tarde rebaptizado EuroBic e gerido pelo ex-ministro das Finanças de Portugal, Teixeira dos Santos.
Chegados à denúncia do Luanda Leaks pelo consórcio internacional de jornalistas, ICJ, essa relação e os seus protagonistas emergem com nitidez aos nossos olhos.
A nossa elite - os tais que não prestam aos olhos do actual Secretário Geral da ONU - não é capaz de gerir o País e retirar Portugal do subdesenvovlvimento crónico em que se encontra mergulhado há décadas. Isso é um facto constatável por todos nós. No entanto, tem um apurado sentido de oportunidade e de negócio. Sentido tão desenvolvido quanto a total falta de escrúpulos e de ética que os caracteriza. Da mesma forma que são incapazes de trazer uma réstia de esperança ao povo português - cujo empobrecimento é a contrapartida para o seu colossal enriquecimento pessoal ou de grupo - aceitaram com a maior naturalidade a gatunagem que a abarrotar com o produto do saque feito aos milhões de angolanos remetidos à pobreza, à miséria e à morte, aqui vieram com eles comerciar. Abastecidos com o seu dinheiro a escorrer o sangue dos angolanos, como denunciou então o jornalista Rafael Marques. Aceitando com enorme satisfação assumirem um papel simétrico daquele que tinham tido durante o período colonial. Essa nova relação colonialista que Isabel dos Santos - mas não só - conferiu aos seus negócios com Portugal não escapou ao escrutínio da imprensa estrangeira, como aqui referimos.
O escândalo rebentou. O saque aos recursos do Estado angolano atingiu dimensões assustadoras. A divulgação feita pelo Expresso e pela SIC Noticias é acompanhada pelos grandes orgãos de informação internacional. Como é o caso deste vídeo do Le Monde que mostra a relação entre Luanda/Isabel dos Santos e Portugal. Ou deste outro trabalho divulgado pelo The Guardian.
Em Portugal não haverá consequências. É o costume. É necessário aguentar a pé firme, fingir que não foi nada connosco e escolher os novos parceiros em novos negócios que assegurem o costume: enriquecimento rápido de um pequeno grupo, de preferência os mesmos.
O que se passou em Angola é a uma outra escala o que se tem passado em Portugal. A extremamente desigual distribuição do rendimento disponível condena os portugueses na sua maioria à pobreza ao longo da sua vida. Em Angola as empresas públicas foram usadas para assegurar a transferência do património dos angolanos para os bolsos dos ladrões que constituíam a chamada elite. Em Portugal é a necessidade de desviar recursos - numa dinâmica imparável, em que os buracos se sucedem consecutivamente - para evitar males sistémicos, a corrupção constante e nunca combatida - a menos que com ineficazes medidas de "papel" - que justifica a condenação à pobreza de largas camadas da população. São os mesmos protagonistas, afinal.
PS - Ana Gomes tem sido uma das raras, senão a única, pessoas que fazem desta denúncia um dever de todos os dias. Merece o nosso apoio e aplauso.
20/01/20
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