Leitor assíduo e comentador ocasional que sou do blogue Politeia e de JM Correia Pinto, sinto-me sempre um pouco desconcertado pelo que me parece ser o seu argumentário anti-federalista — tanto mais que me sinto próximo de alguns dos motivos mais fortes das suas reflexões políticas de âmbito mais geral, podendo aqui destacar, apenas a título de exemplo, o post que o meu presente interlocutor recentemente publicou sobre As Limitações da Democracia Representativa.
Assim, acabo de ler mais um post seu, cheio de observações justas e perspicazes, mas que, na parte final, tenta justificar a prioridade quase exclusiva do "quadro nacional" nos termos seguintes:
É por isso que não faz qualquer sentido criticar a União Europeia e os seus líderes, como alguns tanto gostam de fazer, por não terem uma política para a Europa ou por a sua liderança ser fraca. De facto, nunca como hoje a Europa, a tal Europa a cuja pseudo-união pertencemos, teve uma política tão determinada, tão obstinada como a que actualmente está sendo posta em prática por todo o continente. E nunca a Europa, a tal Europa que existe desde 1958, teve uma liderança tão forte como a que hoje está sendo exercida. Uma liderança em que a vontade de um só país, acolitada pelos habituais aliados e pela fraqueza de aliados de ocasião, se impõe sem restrições a todos os países, salvo porventura a Inglaterra cuja secular sabedoria sempre soube pô-la sempre a coberto de qualquer tipo de hegemonia continental.
Portanto, a conclusão parece cada vez mais óbvia: somente no quadro nacional será possível romper com esta dominação, propondo-se, quem o fizer, arrostar com as consequências imediatas, que não serão fáceis de suportar, de um acto pioneiro que acabará por ser recompensado tempos mais tarde.
Ora bem, se tivéssemos de renunciar à federação democrática e/ou à democratização federalista das instituições e governo (económico e político) da UE pelo facto de essas instituições serem oligárquicas, autoritárias, pseudo-democráticas, etc., teríamos, então, de renunciar também ao "quadro nacional" como campo de batalha pela ruptura com a dominação. Com efeito, não se compreende que razão se oporia, na mesma ordem de ideias, a que escrevèssemos:
"É por isso que não faz qualquer sentido criticar Portugal e os seus líderes, como alguns tanto gostam de fazer, por não terem uma política para Portugal ou por a sua liderança ser fraca. De facto, nunca como hoje Portugal, o tal Portugal a cuja pseudo-unidade nacional pertencemos, teve uma política tão determinada, tão obstinada como a que actualmente está sendo posta em prática por todo o país. E nunca Portugal, o tal Portugal que existe desde 1143 [????], teve uma liderança tão forte como a que hoje está sendo exercida. Uma liderança em que a vontade de um só governo, acolitada pelos habituais aliados e pela fraqueza de aliados de ocasião, se impõe sem restrições a todos os territórios regionais, salvo porventura a Madeira cuja secular sabedoria sempre soube pô-la sempre a coberto de qualquer tipo de hegemonia continental.
"Portanto, a conclusão parece cada vez mais óbvia: somente no quadro regional será possível romper com esta dominação, propondo-se, quem o fizer, arrostar com as consequências imediatas, que não serão fáceis de suportar, de um acto pioneiro que acabará por ser recompensado tempos mais tarde".
Suspeito que, logicamente, o passo seguinte seria, mediante uma ou duas estações intermédias, descer do "quadro regional" à célula familiar, até, por fim, concluirmos com Stirner que o único verdadeiro terreno de luta seria o individual, com exclusão ou subordinação de todos os demais. Pois, porque não?
22/02/12
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9 comentários:
Meu Caro Serras Pereira
Conhece alguma Revolução fora do quadro nacional? Seguramente não conhece. Desistir da mudança revolucionária no quadro nacional é perpetuar a dominação oligárquica no quadro europeu (não só oligárquica, mas também estrangeira, já que nem todas as oligarquias estão no mesmo nível de poder – há as dominantes e as dominadas). Por isso a extrapolação que fez das minhas palavras não tem obviamente qualquer sentido.
Não peça a ninguém para aguentar esta Europa em nome de uma hipotética, incerta e quase impossível luta no plano federal. Pode crer que o imperialismo agradece, por mais cândidas que sejam as suas intenções
As revoluções europeias de 1848? Ou as 1989? Ou as revoluções indochinesas dos anos 60/70 (mesmo que depois vietnamitas e cambojanos se tenham zangado)? Ou até mesmo a Revolução Russa de 1917 (que se não tivesse aberto "frentes na retaguarda" na Alemanha, na Hungria, etc., teria provavelmente sido derrotado pela intervenção estrangeira)? Ou a combinação de revoluções e reformas profundas que ocorreram nos principados italianos levando à unificação (este último exemplo à primeira vista parece uma revolução dentro no "quadro nacional" até nos lembrarmos que o quadro nacional italiano só passou a existir depois disso). Ou, alargando um pouco o conceito de revolução, os vários golpes de estado pan-árabes que foram ocorrendo em sequência no Médio Oriente nos anos 50/60 (na Síria e no Iraque chegou a haver golpes coordenados em 1963)
Poderá se argumentar que muitos dos meus exemplos não são "revoluções fora do quadro nacional", mas sim várias "revoluções dentro do quadro nacional" ocorrendo ao mesmo tempo em países próximos, mas a partir do momento em que umas influenciaram as outras e por vezes chegaram a ter mesmo cooperação operacional objectiva (p.ex., uma revolução triunfar porque os aliados do governo que iam mandar tropas não o poderem fazer por terem que reprimir a sua própria revolução), não é mais ou menos isso uma revolução internacional?
Caro JM Correia Pinto,
vamos lá por partes, ainda que brevemente.
1. O meu post adopta, como é óbvio, uma perspectiva de redução ao absurdo das razões que V. apresenta. Não mais do que isso. Ou só com um grão de sal a mais.
2. Considero muito pertinentes as questões que o Miguel Madeira adianta.
3. Tentei uma formulação diferente e mais argumentada do que a redução ao absurdo do meu presente post em vários outros escritos - por vezes em diálogo explícito consigo - que tenho publicado aqui no Vias. Um dos últimos é precisamente o que se chama "Sobre a reactivação do quadro nacional e a resistência à ofensiva da oligarquia europeia em vias de 'reichização' acelerada" (cf. http://viasfacto.blogspot.com/2012/02/sobre-reactivacao-do-quadro-nacional-e.html), no qual se pode ler: "Pode ser o governo alemão quem lidera politicamente o processo, mas a ofensiva contra os direitos e liberdades, a aposta na precarização e no crescimento das desigualdades, etc., etc., é de toda a grande oligarquia europeia. E o problema é que a esta será bastante mais fácil adoptar a "táctica do salame" e enfrentar, uma a uma, uma de cada vez, as resistências que se isolem no seu quadro nacional, do que neutralizar a emergência de uma rede europeia democrática, que contra-ataque simultânea e continuadamente em várias frentes. Isto não quer dizer, sem dúvida, que nós aqui, os gregos ali, os outros acolá, nos diversos países e regiões, não ajam também por conta própria. Quer dizer, sim, que, enquanto, no conjunto da zona euro e da UE, a cada nova medida antipopular da grande oligarquia europeia, não começar a opor-se não só a luta dos seus destinatários nacionais imediatos, mas a de movimentos de cidadãos em toda a Europa, que se insurjam em Portugal ou em França, em Espanha ou na Bélgica, na Irlanda ou na própria Alemanha, contra o que se passa, por exemplo, na Grécia — a grande oligarquia europeia, com o governo do Reich alemão no comando, explorará as divisões nacionais para reinar. É o que tem feito e o que vai continuar a fazer, se a deixarem. E não vejo nada melhor, nem como defesa nem como contra-ataque, do que a afirmação instituinte de uma cidadania europeia activa e solidária, capaz de impor as rupturas institucionais profundas que V. [JM Correia Pinto] tão bem tem mostrado serem condições de uma democratização efectiva".
4. Por fim, argumentar que, porque não se conhecem revoluções fora do quadro nacional, só o quadro nacional pode ser revolucionário (e deixando aqui de parte as objecções do Miguel Madeira), é o mesmo que dizer que, em matéria de rupturas sociais e políticas revolucionárias, estamos condenados ao conservadorismo mais extremo.
Mas onde estavam os sovietes antes de terem sido inventados em 1905? E a Comuna de 1871, crê V. que antes de ser já o era? Não terá sido justamente a incapacidade por parte dos movimentos radicais de outros países de acompanharem e entrarem em acção mais decididamente em defesa da Revolução Espanhola um factor de enfraquecimento fatal ao campo republicano?
Acresce que, como V. bem sabe, o "quadro nacional" não existiu sempre - nem sempre da mesma maneira - além de ter sido justificadamente considerado desde os alvores do socialismo como um obstáculo ao desenvolvimento da consciência igualitária e anticlassista.
Não será o regresso ao passado - a uma sua imagem mais ou menos mítica - que nos permitirá fazer o caminho das rupturas radicais cuja necessidade V. aponta noutros escritos e reflexões. Ou, como se diz popularmente, não será para a frente que é o caminho?
Abraço cordial e calorosos parabéns pelo aniversário da Politeia (cf. http://politeiablogspotcom.blogspot.com/2012/02/politeia-iv-aniversario.html)
msp
O que eu venho insistentemente dizendo é que alguém tem de romper o cerco. Está fora de causa a importância da solidariedade internacionalista como a História tão eloquentemente o demonstra. E embora as grandes rupturas tenham de ter um contexto que ultrapasse o quadro nacional, elas acabam sempre por acontecer de dentro para fora e não de fora para dentro.
É assim que está a acontecer com os árabes; foi assim que aconteceu em 1989; foi também assim que aconteceu em 1917; e foi assim que aconteceu com aluta anti-colonial, apesar de esta ter sido - por razões que agora não interessa dissecar - uma ruptura em que o peso do "contexto internacional" foi de facto superior ao nacional. Mas sem a iniciativa deste, aliás ocorrida em tempos diferentes, consosnte os países, nada se teria conseguido.
No caso actual a grande diferença entre a nossas posições parece ser esta: se para fazer a Europa for necessário começar por destruir esta Europa, eu digo sim, qualquer que depois venha a ser o tempo necessário para a reconstruir. Enquanto o Serras Pereira parece preferir mantê-la na esperança (lírica, digo eu) de a poder modificar sem a destruir.
M. Madeira,a sua tese bate certo na interactividade das influências e modelos das tentativas revolucionárias de 1793,1848 e 1917.E que se prolongaram nos periodos mais altos de luta social e política no séc.XX.Na urgência, este passo de Proudhon- mas a "Revolução Permanente ", do Trotski- também merece nota e amplia a referência estratégica pela agilidade e subtileza dialéctica da sua argumentação. " Nunca se é traído que não seja pelos seus. Em 1848, como em 1793, aqueles que travaram a revolução foram aqueles mesmos que a representavam. O nosso republicanismo continua a não ser mais, tal como o velho jacobinismo, que um humor burguês, sem princípio e sem plano, que quer e não quer, que resmoneia sempre, suspeita, mas que nem por isso é menos logrado; que não vê por toda a parte, fora da panelinha, senão facciosos e anarquistas; que esquadrinhando nos arquivos da policia, só sabe nele descobrir as fraquezas, verdadeiras ou supostas, dos patriotas; (...) Não temos aí, mais uma vez, Robespierre, o falador sem iniciativa, descobrindo em Danton demasiada virilidade, reprovando as audácias generosas de que se sente incapaz, abstendo-se em 10 de Agosto( como Gambetta e companhia até 4 de Setembro), não aprovando nem desaprovando as matanças de Setembro( tal como estes mesmos cidadãos em relação à proclamação da República pelo povo de Paris)". Salut! Niet
Resposta breve ao JM Correia Pinto (em complemento do que diz o Miguel Madeira) :
"Conhece alguma Revolução fora do quadro nacional? "
Conheço todas.
O que entendemos hoje por "quadro nacional" alias, nada mais é do que a perversão da figura encontrada pelos revolucionarios franceses para emancipar o povo das correntes em que o mantinham outrora : as da sua ordem, das suas corporações, das suas regiões, dos seus feudos com os seus respectivos "senhores". Também em 1789 era defensavel que isso da "Nação" era utopico e que a Justiça obtem-se unicamente prestando vassalagem, da mesma forma que o Pão se deve pedir exclusivamente a Nosso Senhor.
Se reparar, a primeira coisa que fez a nova "nação" revolucionaria, foi ir libertar as outras na Europa.
A seguir, a ideia perverteu-se, com os resultados que sabemos, mas repare que todas as revoluções de esquerda se reclamaram do internacionalismo.
Portanto o seu argumento parece-me poder ser devolvido ao contrario : espere tudo da nação, que o capital agradece. Os exemplos historicos são infindaveis...
Não quero com isso dizer que não devamos debater sériamente a sua preocupação de fundo : a Europa so tem sentido se as forças de esquerda se souberem organizar a esse nivel (tal como as forças do capital souberam muito bem fazê-lo).
Queria apenas dizer que a sua objecção é uma forma contraproducente de abrir uma polémica teologica e estéril.
O povo português (a economia portuguesa) não beneficiaram com a integração Europeia ? Teriamos hoje o salario minimo nacional que temos sem a integração europeia ? Nada menos certo (mas ja sei o que v. vai responder : teriamos o salario minimo vigente nas Ilhas Afortunadas. Ok.)
Do que se trata não é de voltar atras, mas de garantir que o poder popular possa exprimir-se e continuar a lutar, respondendo no plano em que as decisões se tomam, que ja não é (neste continente) o nacional, e muito dificilmente voltara a sê-lo.
E quem diz representação popular, diz, como é obvio, representação de todos os povos da Europa, o Grego e o Português também...
Os sindicatos ja deram algumas (timidas) provas de que era possivel. Dariam mais com certeza se a esquerda não caisse sistematicamente na cilada do nacionalismo.
Se alguma coisa esta perfeitamente demonstrada na historia das revoluções e das reacções de 1789 até hoje, julgo que é esta, e não o que v. diz.
Saudações democraticas
"se para fazer a Europa for necessário começar por destruir esta Europa, eu digo sim, qualquer que depois venha a ser o tempo necessário para a reconstruir. Enquanto o Serras Pereira parece preferir mantê-la na esperança (lírica, digo eu) de a poder modificar sem a destruir" - escreve V., JM Correia Pinto.
Ora bem, se o processo de democratização, com as rupturas radicais que representa, acabar por fazer explodir a actual UE, assim seja. O que não quer dizer, porém,
1.que esse processo tenha como primeiro passo e objectivo necessário a destruição da UE (que seja por aí que devamos começar…);
2. que um eventual processo de explosão da UE na sequência do processo de luta - transnacional - referido conduza necessariamente à recomposição dos "velhos" Estados-nação europeus;
3. ou que, leve ou não à ruptura do euro, etc., a luta a travar pelos objectivos que JM Correia Pinto e eu partilhamos não deva organizar-se em termos que, tanto quanto possível, actualizem, encarnem, ponham em acto, formas de federação democráticas, que antecipem, a cada passo, o seguinte.
Assim, a diferença entre nós parece estar antes no facto de JM Correia Pinto privilegiar a resistência no quadro nacional à UE e a destruição desta como entidade política, ao passo que eu penso que a aposta a fazer é na europeização/internacionalização dos conflitos e processos de luta que surjam em cada região ("nacional" ou não) da UE. Além de todas as razões que tenho apresentado noutras alturas, parece-me que, sem essa extensão para além do quadro nacional, a resistência e a contra-ofensiva perante as oligarquias - que, pelo seu lado, se anteciparam em matéria de "internacionalização" - verão dificultadas até ao impossível as suas tarefas.
msp
Salve meu caro Niet,
Ou muito me engano, ou v. foi à exposição sobre as classes populares no Paris do século XIX (Carnavalet). Uma das tristes vitorias do espirito reaccionario é ter conseguido acreditar o mito da Idade de Ouro Republicana (em França, mais tarde em Portugal, etc.).
A realidade é muito diferente. O burguês não esperou pela imigração africano-asiatica para achar que o operario cheirava mal, nem a pretensa ordem nacional era feita de harmonia. A famigerada "unidade nacional" da época nunca impediu o passaporte operario (antepassado directo do que se impõe hoje aos ciganos e nomadas), nem o controlo policial, etc.
No fundo, a reacção sempre ansiou por manter o trabalhador quietinho no lugar que lhe foi atribuido por deus e sempre fugiu como do diabo de tudo o que podia pôr em causa as fronteiras : as regionais, as nacionais e as outras.
E a esquerda nunca alcançou resultados significativos que não passassem pela organização das suas forças para além dessas fronteiras.
Fronteiras ha muitas, e mesmo as da Europa comunitaria têm que se lhes diga. La iremos também um dia, seguramente...
No pais do "orgulhosamente sos", deviamos ser os primeiros a estar de sobre-aviso nesta matéria.
Salut !
João Viegas, caríssimo. Nós andamos a tentar discutir a força e a fraqueza do Liberalismo político e económico na Europa. Processo de mais de um século e que suportou duas Guerras Mundiais. No pós II-Guerra, uma alteração estrutural fulcral teve lugar:o " projecto " liberal e imperialo-capitalista passou sob comando dos USA; e o " socialismo " burocrático e autoritário do Pacto de Varsóvia,passou a ser dirigido e manipulado pela URSS. " Tanto sob a forma burguesa como a burocrática
, o capitalismo criou à escala do Mundo as premissas objectivas da revolução proletária. Acumulando as riquezas, desenvolvendo as forças produtivas, racionalizando e organizando a produção até aos limites que lhe são impostos pela própria natureza do regime de exploração, criando e desenvolvendo o proletariado, a quem ensinou ao mesmo tempo o manejamento dos meios de produção e das armas, assim como despertou nele a raiva da miséria e da escravatura, o capitalismo moderno esgotou o seu papel histórico.Não pode ir mais longe. Criou os gestores, a internacionalização da economia, a racionalização e a planificação, que tornam possiveis a direcção consciente da economia e a livre fruição da vida social. Mas esta direcção consciente é incapaz de a realizar por si-próprio, porque se baseia na exploração, na opressão e na alienação da imensa maioria da humanidade ", Castoriadis,Socialisme ou Barbarie, n° 1, Mars 1949. O meu caro " obrigou-me " a reler Bakounine/Proudhon e Trotski... Castoriadis enquadra superiormente também a proto-revolução Liberal de 1848, cuja figura do chanceler prussiano Bismarck faz ainda hoje correr muita tinta nas redacções dos jornais e magazines pariseenses. Salut! Niet
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