08/07/13

Gato escondido com o rabo de fora

A popularidade na actual esquerda de termos, convertidos noutras tantas palavras de ordem, como "relançamento da economia", "criação de emprego", "crescimento", etc., e coroados por uma celebração idolátrica do trabalho, é reveladora do modo como essa esquerda perdeu toda a capacidade de formular qualquer alternativa de democratização quer à actual divisão política do trabalho, quer à divisão do trabalho político que a acompanha. Assim, deixando de contestar a natureza hierárquica e classista profunda da economia governante, tanto ao nível da repartição dos rendimentos e da organização quotidiana da produção, como ao nível da direcção geral desta, da definição das suas orientações e do seu sentido, a actual esquerda limita o seu projecto à ambição de desempenhar uma melhor gestão da mesma empresa e renuncia por completo ou opõe-se no essencial a qualquer política verosímil de democratização radical das relações de poder e do exercício político deste capaz de afirmar e aplicar em formas consistentes de acção política os princípios de liberdade e de igualdade que a legitimariam e distinguiriam, conferindo-lhe razão de ser. E, quando procura, através dos grandiloquentes termos rituais da "revolução" e do "anticapitalismo", esconder as suas concepções e práticas hierárquicas de gestão económica e governo político, a sua insistência irreprimível no "direito ao trabalho", assemelha-a ao proverbial gato escondido com o rabo de fora. Vai sendo tempo de o sabermos ver.

1 comentários:

João Valente Aguiar disse...

«a actual esquerda limita o seu projecto à ambição de desempenhar uma melhor gestão da mesma empresa e renuncia por completo ou opõe-se no essencial a qualquer política verosímil de democratização radical das relações de poder e do exercício político»

Totalmente de acordo. Contudo, só uma observação que em nada belisca o trecho referido mas o complementa. A esquerda nem sequer saberia gerir as empresas, fossem elas privatizadas ou estatais. Nesse cenário, para além de toda a estrutura de relações políticas e económicas se manter, ainda tínhamos de apanhar com um capitalismo ainda pior do que o actual.

Os panegíricos da esquerda nacionalista fariam bem em ler o que a própria documentação soviética afirmava ao tempo sobre as incapacidades da sua economia em incrementar a produtividade do trabalho ao nível do que se registava no restante mundo capitalista. Ou seja, os Planos Quinquenais não se distinguem da estrutura capitalista comum mas ainda têm dois lados ainda mais nocivos. Por um lado, tiveram enormes problemas no incremento da produtividade e na modernização económica. Uma coisa é aumentar a produção global de aço, outra é criar produtos de qualidade tanto ao nível da criação de melhor maquinaria como ao nível de bens de consumo. Por outro lado, os resultados económicos só foram possíveis à custa da exploração sobre-humana de milhões de prisioneiros políticos e de delito comum. Portanto, ao lado de mecanismos da mais-valia absoluta cresceram mecanismos escravistas.

Ora, em que é que a esmagadora maioria da esquerda de hoje se distingue disto? Infelizmente em quase nada.

Abraço!
João