18/09/13

João Viegas: "Sobre uma querela teológica a propósito de ecologia política"


O nosso amigo João Viegas, que há pouco tempo, invocando a sua agenda sobrecarregada (que não outras razões), declinou o convite formal do Vias no sentido de integrar a sua tripulação, talvez brevemente esteja disposto a reconsiderar a nossa proposta. É, pelo menos, o que sugere este segundo  texto, que nos envia dois ou três dias depois de publicar aqui o seu primeiro post. Mas, para já, passemos-lhe a palavra sobre a questão ecológica, e consideremos a sua intervenção sobre o debate que sobre o tema prossegue entre nós.

Acompanhei com interesse a recente troca de posts sobre ecologia política aqui no Vias de Facto e julgo ver neste debate uma excelente oportunidade de lembrar as sábias palavras do Miguel Serras Pereira num post recente : “A palavra justa e a atenção à palavra, bem como, já agora, uma certa "paciência do conceito", são uma condição da democracia e uma via necessária, ainda que não suficiente, da democratização.

Com efeito, julgo poder adiantar que 94,7 % (sensivelmente) das questões debatidas derivam de estarmos a falar de conceitos mal definidos. A começar pelos conceitos de “ecologia” e de “pensamento ecológico”, que Ricardo Noronha identifica com “uma concepção do mundo assente na centralidade da interacção entre os seres humanos e o meio ambiente”. Isto é um bocado como se disséssemos que o marxismo se pode definir como “uma concepção do mundo assente na centralidade da interacção entre os seres humanos e os meios de produção”. Ou seja, não é totalmente inexacto, mas não adianta muita coisa e julgo que não permite de maneira nenhuma resolver a dificuldade.

No fundo, as críticas dirigidas aos ecologistas centram-se numa visão caricatural e um pouco injusta : eles são acusados de sacralizar a “Natureza” e de, com isso, perfilharem, mais ou menos conscientemente, teses reacionárias. Isso parece-me injusto porque a preocupação do respeito da Natureza (muito haveria a dizer sobre esse conceito de um ponto de vista filosófico) não tem nada de intrinscemanete incompatível com as ideias de progresso, ou de progresso social, ou de libertação progressiva do homem em relação às suas condições de existência. A Natureza ocupa no pensamento ecológico um lugar sensivelmente idêntico ao da Realidade no pensamento marxista. Num caso como no outro, estamos perante preocupações que respondem a esta velha frase de Séneca, uma das minhas preferidas : “non potest artifex mutare materiam”.

O que me parece é que, nessa discussão, que no fundo não passa de uma querela de prioridades, deixamos de ver em que é que as duas filosofias se assemelham. Ora aí é que está o essencial, pelo menos a meu ver. A ecologia política, tal e qual como o marxismo, nasce de uma análise crítica de uma forma de alienação, e do projecto político de nos libertarmos dela. Enquanto o marxismo critica a alienação económica dos trabalhadores no sistema capitalista, a ecologia política critica a alienação dos mesmos trabalhadores na sociedade tecnológica. Acontece mesmo que a esmagadora maioria dos ecologistas, que vêm da esquerda, criticam a sociedade tecnológica na medida em que ela reforça ainda mais a alienação dos trabalhadores nas sociedades capitalistas...

Portanto incompatibilidade radical não me parece que haja. Antes pelo contrário, o que vejo é uma profunda convergência.

Dito isto, tem realmente sentido o debate sobre as prioridades ? Será razoável esperar que os problemas ecológicos se venham a resolver automaticamente numa sociedade que tenha sabido solucionar de forma justa o antagonismo de classes ? Talvez... Mas convenhamos que se não fosse a ecologia política, é pouco provável que nos tivéssemos libertado (um pouco) dos excessos contraproducentes da cilização do reino automóvel... E, já agora, convenhamos também que, em nome da luta contra o capitalismo, se cometeram excessos que conduziram a formas bastante preocupantes de alienação, ecológica e não só.

Resta o mais convincente dos argumentos que li contra a ecologia política : há iluminados e mesmo loucos perigosos que se reclamam da ecologia política... Seja. Não os há também que se reclamam do marxismo ?

Abraços a todos

João Viegas

14 comentários:

Libertário disse...

Eu só acrescentaria que se o que a esquerda marxista, ou autónoma, tem a dizer sobre ecologia é que foi dito por João Bernardo, e algumas outras pessoas no Vias de Facto, estamos falados.

Destas pessoas não virá nenhum contributo significativo para uma análise crítica realmente radical, menos ainda para uma para uma mudança profunda das sociedades,pois nem sequer têm ainda consciência dos problemas mais sérios, ao lado das questões reconhecidas da exploração e dominação, com que nos deparamos em resultado da evolução deste modelo capitalista-industrial-consumista que se tornou hegemónico em termos mundiais.

Ricardo Noronha disse...

Caro João, permita-me que discorde substancialmente do que escreveu. Sinto que os argumentos que formam o quadrado em defesa da «ecologia» procuram sistematicamente fugir às objecções críticas que lhes são colocadas, com afirmações do género «não é bem assim». Mas eu insisto que é bem assim e não encontro nada nos seus argumentos que aponte em sentido contrário. Não há aqui qualquer mal-entendido.
Quando você afirma que «Isto é um bocado como se disséssemos que o marxismo se pode definir como “uma concepção do mundo assente na centralidade da interacção entre os seres humanos e os meios de produção"» está apenas a acrescentar confusão à confusão transportando o debate para outro sítio. Não sei sinceramente o que seja o «marxismo», uma vez que nele tudo coube e parece caber nos últimos 150 anos, incluindo, claro está, essa formulação canhestra retirada de um manual de economia política. Mas sei que Marx escreveu um livro - que por sinal não era pequeno - e o sub-intitulou «Crítica da economia política».
Se a minha definição de ecologia não o satisfaz, convido-o a apresentar uma alternativa que nos possa situar a todos neste debate. Lendo e relendo o seu texto, vejo-me incapaz de a encontrar.

joão viegas disse...

Caro Ricardo,

Julgo que os elementos essenciais para definir a ecologia política se encontram no 4° parágrafo do meu texto. Mas não me importo nada de procurar ser mais preciso. Aliás, seria profundamente contraditório não aceder a esse pedido. Cá vai.

Em meu entender, podemos definir a ecologia política como um movimento (ou um conjunto de movimentos) que considera que as nossas sociedades tecnocráticas modernas nos arrastam para uma utilização aberrante dos recursos naturais, sem correspondência com necessidades sociais claramente identificadas, de uma forma incomportável a médio e longo prazo, e incompatível com uma repartição equitativa dos ditos recursos, não apenas entre todos os cidadãos vivos do planeta, mas também entre gerações presentes e futuras. A partir desse diagnóstico, a ecologia política procura obter que as nossas políticas económicas, sociais, urbanísticas, etc., integrem como objectivo uma repartição justa e sustentável, a longo prazo, dos recursos naturais (que são limitados).

Espero que isso ajude...

Abraços

Niet disse...

Oh. carissimo Libertário, não confunda as coisas, sff. A dita " Esquerda " marxista- e muito menos a nacional, não tem nada a ver( nem saber, nem projectar...), com a Autonomia, o Conselhismo e a Auto-Gestão.Apesar da extrema qualidade do trabalho teórico de João Bernardo, que se afere também na sua prática politica de valor considerável no terreno das lutas de classe, torna-se muito dificil perceber por que é que não se sintoniza com os princípios da autonomia e da critica à vulgata marxista mumificada corrente à volta do Mundo... Congratulo-me pelo facto, nas suas presentes intervenções, de o Libertário ter a coragem de ousar criticar o marxismo histórico como responsável pelo Goulag, a reificação soberba e acutilante do capitalismo turbo e o tempo do desprezo( A. Honneth) que nos querem impingir. Um abraço. Niet

Pedro Viana disse...

Caro Ricardo,

O João Viegas tem obviamente toda a razão. Não deixa de ser revelador que todos os que têm contra-argumentado relativamente ao texto original do João Bernardo, e posts subsequentes, aceitem que sim, se essa definição de ecologismo fosse correcta então tinham razão. Essa discussão está encerrada. O que me parece que falta aqui é um reconhecimento da vossa parte que também temos direito a definir o ecologismo como achamos mais adequado, e responder aos nossos comentários nesse pressuposto. Ou só discutes segundo os teus próprios termos? Se assim for, não me parece uma forma muito igualitária de participar numa discussão. Quando afirmas que não encontras uma definição de Ecologia ou ecologismo, tens a que o João Viegas apresentou no comentário, como tens definições semelhantes que apresentei nos comentários ao post do JVA sobre o texto do João Bernardo. Definições tiradas de dicionários (Priberam/Porto Editora) e enciclopédias (Wikipedia/Britannica) online. Também são parte da conspiração que quer esconder o carácter extremista e alucinado do ecologismo? Lembro que em particular a Wikipedia é construída em modo colaborativo. Daqui não se pode concluir que esteja "correcta", mas antes que reflecte a percepção colectiva acerca dum dado tema. Ou seja, neste caso em particular, a Wikipedia até pode não definir "correctamente" ecologismo (enviromentalism), mas muito provavelmente reflecte o que a maior parte das pessoas, e dos ecologistas em particular, percepciona como ecologismo. Que é o que me parece mais importante, quando se discute quão co-optáveis essas pessoas são por organizações políticas de cariz fascista.

Deixo aqui de novo a definição da Wikipedia:

Environmentalism is a broad philosophy, ideology and social movement regarding concerns for environmental conservation and improvement of the health of the environment (…). Environmentalism advocates the preservation, restoration and/or improvement of the natural environment, and may be referred to as a movement to control pollution or protect plant and animal diversity. (…) At its crux, environmentalism is an attempt to balance relations between humans and the various natural systems on which they depend in such a way that all the components are accorded a proper degree of sustainability.

Que tal conversarmos com base nesta definição?

Um abraço,

Pedro

Libertário disse...

Do que falamos quando falamos de ecologia?



Neste debate no Vias de Facto reconheço que se vão acumulando algumas confusões, ao lado da retórica manipuladora que desencadeou o debate.
Não vale a pena procurar definições nos dicionários embora concorde com Pedro Viana. Todos sabemos que no conceito «ecologia» se misturam aspectos da ciência natural com aspectos teóricos, factos e estratégias nascidas de um movimento social que chamamos de «ecologista» e/ou «ambientalista» mesmo que não se tratem absolutamente de sinónimos…

O que é certo é que a partir dos anos 60, como um incremento nos anos 70, desenvolveram-se nos países capitalistas avançados, no contexto de uma certa contracultura, grupos pioneiros que a partir da análise das consequências da industrialização, urbanização, consumismo, poluição, degradação do meio ambiente, construção de centrais nucleares geraram verdadeiros movimentos sociais, e posteriormente organizações políticas, designadas de ecologistas e ambientalistas, os mais conhecidos dos quais são os Partidos Verdes. Paralelamente na mesma época um conjunto de pensadores como Jacques Ellul, Paul Goodman, Michel Bosquet/André Gorz, Murray Bookchin desenvolveram uma crítica da sociedade capitalista-industrial-consumista que coincidia em grande parte com a dos militantes ecologistas, e com uma tradição libertária, reforçando os argumentos contra as consequências contemporâneas do capitalismo na destruição do meio ambiente e degradação das relações dos seres humanos com o seu entorno natural. Estes pensadores contribuíram para o que se pode designar de ecologia política e ecologia social, este último conceito formulado por Bookchin.

É óbvio que este debate ecologista-ambientalista se foi impondo até pela degradação real e visível de muitos aspectos das condições de vida das pessoas nos países capitalistas avançados o que acelerou também a discussão académico e político sobre os temas em questão. Cientistas, biólogos, agrónomos, urbanistas desenvolveram todo um conjunto de argumentos sobre os processos industriais, a energia nuclear, a poluição, problemas atmosféricos, degradação de recursos naturais, desflorestação, mudanças climáticas etc., etc.
No ecologismo tudo isto se misturou, e mistura, somando-se uma diversidade de opiniões, correntes e tendências, como ocorre em todos os movimentos sociais, ou de opinião, não monolíticos nem autoritários. No passado vimos este tipo de diversidade, contradições e polémicas num outro movimento, o socialista...

Passadas que são já muitas décadas sobre os primórdios do ecologismo não podemos ignorar tudo isto e dedicar-nos a caricaturar teorias e práticas, manipulando factos e opiniões, e considerar que este meio século foi irrelevante e que os ecologistas não trouxeram nada de novo, nem de relevante, ao debate de ideias e à reflexão sobre o modo de produção capitalista e suas consequências profundas na forma como vivemos e poderemos viver no futuro. Até porque entretanto na América Latina, África e na Ásia apareceram pensadores e movimentos de cariz ecologista particularmente interessantes.

Para alguns dos caricaturistas do Vias de Facto o Homem, entidade mítica, tudo poderá resolver optimisticamente no futuro, principalmente após a REVOLUÇÃO, a RAZÂO e o PROGRESSO se encarregarão disso, até lá nem vale a pena debater as questões da poluição, destruição da natureza, do uso descontrolado das tecnologias, da indústria agro-alimentar, dos transgénicos, das mudanças climáticas, da proliferação das megalópoles etc.
Quanto aos ecologistas, são uns pobres diabos que nem sabem que partilham as ideias dos nazis, uns idiotas primários, opinião que Marx já tinha dos camponeses, que desejam voltar à Idade da Pedra.

Miguel Serras Pereira disse...

Caros,
talvez seja inútil de momento continuarmos a partir cada um da sua definição, e seja mais proveitoso, independentemente do mérito da que cada um de nós propõe, tentarmos pôr-nos de acordo sobre a existência de problemas ambientais que, numa perspectiva anti-hierárquica de autonomia democrática (da qual todos nos reivindicamos, embora nem sempre com a mesma terminologia), a nossa reflexão e a nossa acção políticas não podem ignorar, uma vez que fazem parte das condições quotidianas da existência comum em cuja transformação estamos empenhados. Postas as coisas nestes termos e a menos que neguemos a existência de quaisquer questões "ambientais" ou "ecológicas", seremos sem dúvida mais capazes de ver como intervir nesse terreno e quais os antagonismos sociais e políticos que nele, como noutros, se confrontam. E, apesar de tudo, creio que todos os que, até ao momento, têm participado neste debate, estarão do mesmo lado, no fundamental. Convém não o perdermos de vista quando discutimos. Era só isto que, uma vez mais, queria tentar dizer.

Abraços

miguel(sp)

Ricardo Noronha disse...

Não sei se o João tem ou não «obviamente razão», nem me parece que a questão aqui seja a de que uns tenham e outros não. Acho que esta definição de ecologia se ajusta perfeitamente às críticas levantadas pelo João Bernardo. Ela corresponde a uma leitura das relações socias em função de um conjunto de abstracções («as nossas sociedades tecnocráticas modernas») que nada nos dizem sobre as efectivas diferenças de poder existente no capitalismo. Recorrem a formulações moralistas para diabolizar aquilo que abdicam de compreender(«uma utilização aberrante dos recursos naturais»). Quando se referem a «necessidades sociais claramente identificadas» tendem frequentemente a resumi-las a um entendimento miserabilista (possivelmente não será o caso aqui, mas uma definição de quais são ou não essas necessidades é quase sempre problemática). A definição do que é ou não comportável a médio e longo prazo também não é menos problemática, desde logo se não nos referirmos concretamente ao que temos em mente: a produção em massa? as metrópoles? o consumo de carne?

Pedro Viana, o teu esforço é louvável, mas padece do mesmo problema: o que seria uma relação equilibrada com a natureza e quem define os graus de sustentabilidade que isso pressupõe?

Miguel Serras Pereira disse...

Ricardo,
duas ou três notas à margem dos teus comentários ao comentário do Pedro.
1. A "tecnocracia", a justificação da supremacia dos gestores e suas equipas "técnicas", é justamente uma das armadilhas em que a questão ecológica ou ambiental meta-politicamente formulada se arrisca a cair.
2. A utilização de categorias morais - ou, se preferes, valorativas - só é condenável se substituir a análise crítica, mas constitui um seu acompanhamento inevitável, tanto no ponto de partida como de chegada. A obra de Marx, por exemplo, está cheia de juízos morais, e não são estes que revelam nem o seu vigor nem as suas fraquezas.
3. A questão das necessidades, teremos de a retomar com mais tempo. Para lá de um nível elementar (mínimo de categorias, temperatura ambiente, água, etc.), ele mesmo social e historicamente modulado, as necessidades humanas são criações e "valorações" culturais, ainda que nem sempre explícitas. Suponho que estarás de acordo com isto. Mas disto mesmo decorrere que a politização das questões que levantam, obrigando-nos a ir além delas, é inevitável. E aqui é todo o problema da formação ou "criação" social dos indivíduos que se nos depara: há necessidades, ou modulações das necessidades biológicas e das pulsões psíquicas primárias, que permitem e potenciam a autonomia, instituem no indivíduo uma dimensão, decerto que não inata nem "natural", de autonomia; há respostas a essas necessidades e modulações suas que pressupõem a perpetuação da dependência e da subordinação às hierarquias de classe. Avançando talvez demasiado rapidamente e parta concluir por agora, o que quero dizer é que se não podemos deduzir opções políticas das necessidades, a política da autonomia não pode esquivar o problema da sua (delas, necessidades) produção social. inseparável da "produção" da própria sociedade.

Abraço

miguel (sp)

Pedro Viana disse...

Ricardo, quando afirmo que o João tem obviamente razão, refiro-me à sua afirmação de que "94,7 % (sensivelmente) das questões debatidas derivam de estarmos a falar de conceitos mal definidos".

Sinceramente, não percebo a tua crítica à definição de ecologismo apresentada pelo João Viegas. Uma definição não se critica perguntando porque é que aquilo se pretende definir não é outra coisa. Antes de mais, como antes afirmei e está claro na definição da Wikipedia, na (minha) definição de ecologismo não há qualquer leitura associada das relações sociais. O que não é nada de espantar, pois o ecologismo tem as suas raízes na ecologia, que é uma sub-área científica da biologia cujo objecto de estudo são as interacções entre múltiplos organismos. Foram cientistas, biólogos, como Rachel Carson (autora de Silent Spring) que ao denunciarem a degradação dos ecosistemas que estudavam, puseram em marcha o actual movimento ecologista. Por isto mesmo, é muito estranho ouvir-te afirmar que os ecologistas "recorrem a formulações moralistas para diabolizar aquilo que abdicam de compreender". Mais do que possivelmente qualquer outra ideologia, o ecologismo assenta no conhecimento (grau de degradação dos ecosistemas) adquirido por via do método científico. Portanto, isto quer dizer que a tua crítica de que o ecologismo nada a tem a dizer "sobre as efectivas diferenças de poder existente no capitalismo" é totalmente verdadeira. Mas faz sentido criticar uma dada definição de ecologismo perguntando porque não é socialismo?…
Aceito perfeitamente a crítica de que o ecologismo é uma ideologia limitada no seu âmbito, na sua explicação da realidade onde estamos inseridos. De tal modo limitada, que é compatível com qualquer outra ideologia política, desde o anarquismo ao fascismo. Isso nunca esteve em questão nos meus comentários, pelo contrário foi sempre o meu argumento central. O meu problema sempre foi com a afirmação de que o ecologismo inevitavelmente leva, mais tarde ou mais cedo, os seus apoiantes, ou uma grande maioria destes, a tomarem posições que se poderiam considerar como fascistas, em particular devido a uma pretensa similitude de teses entre ecologismo e fascismo.
Quando perguntas: "o que seria uma relação equilibrada com a natureza e quem define os graus de sustentabilidade que isso pressupõe?"
A minha resposta é simples: a maioria, depois de ouvidos todos os argumentos de quem os queira apresentar, tal como deve ser numa Democracia. E muitos outros ecologistas dirão o mesmo. É claro que haverá quem se ache de tal modo afectado por uma decisão contrária à sua opinião, que enverede pela resistência activa a essa decisão. Mas a resistência perante o que julga ser a opressão da maioria é um direito inalienável do indivíduo. Depois haverá quem seja ecologista e nem reconheça legitimidade ao processo democrático, e cuja resposta à tua pergunta seja: nós, e não nos interessa de todo qual é a opinião da maioria - nós decidimos e o resto obedece (que é uma definição simples do credo fascista).

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
julgo compreender onde queres chegar, mas creio que pões a questão em termos que não ajudam.
Se a ecologia é uma ciência, os movimentos ecologistas (ou ditos "ecológicos") não são equipas de investigadores científicos, mas agentes políticos. E, a partir do momento em que as questões são politicamente abordadas, os movimentos que o fazem não podem ser neutros em termos sociais e políticos. É verdade que os problemas ambientais e dos recursos (que são elásticos, mas, apesar de tudo, limitados, e não necessariamente extensíveis a gosto por via tecnológica em tempo útil…) podem ser abordados a partir de perspectivas diferentes e, não raro, antagónicas, mas, precisamente tendo em conta as perspectivas explícitas ou implícitas que assume, um movimento que se mobiliza e age em função de problemas ecológicos pode e deve ser sempre avaliado politicamente, e, declare-o ou não, nunca é politicamente neutro - ou equidistante da democracia e do fascismo, do igualitarismo e da hierarquia, da autogestão e da burocracia. Por exemplo, os Verdes alemães são um movimento ambíguo, uma formação de compromisso entre aspirações potencialmente democráticas e autogestionárias e interesses tecnocráticos que aspiram à hegemonia e/ou à penetração no interior da oligarquia governante. Mas não são um movimento politicamente neutro.
Quanto ao resto, a minha posição neste debate, já a enunciei o suficiente, e creio que, de momento, não vale a pena reiterá-la.

Abraço para ti

miguel(sp)

joão viegas disse...

Creio que o Ricardo está a desconversar.

O Miguel e o Pedro já responderam em grande parte às críticas sobre a definição. Noto que a maior parte delas poderia facilmente aplicar-se a uma definição do marxismo, incluindo a acusação de “formulações moralistas” sobre a qual haveria muito que dizer (quando é que a esquerda vai começar a aceitar que ela é “moralista”, como qualquer ideologia política que se preze ?).

Mas o que me preocupa sobretudo é que as críticas passam ao lado daquilo que procurei dizer. A definição que propus, tal como a proposta pelo Pedro Viana, são definições nas quais penso que a grande maioria dos movimentos que se reclamam da ecologia política se revêem. Ora bem, nada há nelas que indique que esses movimentos são necessáriamente reacionários, ou radicalmente avessos ao progresso social, ou incompatíveis com a luta por uma repartição mais justa da riqueza.

A não ser, claro, que se repute, por princípio, avesso ao progresso e reacionário, qualquer movimento que não siga escrupulosamente a cartilha (marxista ou outra) e a ordem de prioridades pelas quais o Ricardo Noronha e o João Bernardo acham que nos devemos pautar. Mas esta posição, com o devido respeito, assemelha-se bastante a uma forma de sectarismo...

Quanto ao resto, eu não sou militante ecologista, nem adiro a tudo o que os ecologistas defendem, e não pretendo ter a razão toda. Sou assim, contento-me com pouco...

Abraços a todos

Pedro Viana disse...

Caro Miguel,

Concordo com tudo o que escreves. Mas acho que interpretaste mal a minha referência à ecologia como ciência. Mencionei esse aspecto em resposta à afirmação do Ricardo de que os ecologistas não pretendem compreender o objecto do seu interesse - o impacto da intervenção humana nos ecosistemas, baseando as suas posições e propostas na pura crença. Claro que, a partir do momento em que um ecologista faz uma proposta, ou emite opiniões sobre a sociedade humana, torna-se num agente político. E não há agentes políticos neutros. Seria um contrasenso. Agora, o simples facto de ser ecologista não nos permite à partida adivinhar se essas propostas ou opiniões se aproximarão mais duma ideologia política como o anarquismo, ou o fascismo. E é isso que tenho vindo a defender.

Um abraço,

Pedro

Ricardo Noronha disse...

Suponho que seja inteiramente conveniente pretender que as palavras têm o sentido que mais nos agrada conferir-lhes. O pressuposto que « o ecologismo assenta no conhecimento (grau de degradação dos ecosistemas) adquirido por via do método científico» parece combinar-se mal com a conclusão de que quem define os graus de sustentabilidade necessários a uma relação equilibrada com a natureza é a maioria. O método científico não costuma funcionar por apuramentos de maiorias. Afinal em que ficamos?

Quanto à cartilha e ao sectarismo, João Viegas, pois... O que mais falta nos faz em momentos e contextos como o nosso são precisamente as formulações que nada formulam e as posições carregadas de ambiguidade. E por isso mesmo, nada como encontrar «definições nas quais a grande maioria dos movimentos que se reclamam da ecologia política se revêem». E porque não encontrar uma definição de liberalismo na qual a grande maioria dos movimentos que se reivindicam do liveralismo se revêem?