31/01/14

José Manuel Pureza vs. Alexis Tsipras: um breve exercício comparativo

José Manuel Pureza escreve: "Equívoco seria fingir unidade entre quem acha que este é o tempo de desobedecer a uma Europa que só serve para nos punir e quem acha que mais esvaziamento das autonomias dos Estados é a solução", sugerindo que a "desobediência" aos governantes da Europa e às suas políticas tem como alternativa o reforço das soberanias nacionais e o reforços dos Estados-naçãõ.

Ora, é curioso ver que enquanto uma vozes prestigiada — e que, não há muito tempo ainda, já ouvimos mais inspirada — do BE parecem fazer do anti-europeísmo e da aposta numa desagregação da UE cada vez mais próxima da que o PCP e o KKE preconizam, a formação grega Syriza, que é correntemente apresentada como uma espécie de versão helénica do BE, extrai da necessidade de combater a austeridade e o autoritarismo reinantes, conclusões bastante mais convincentes, que, independentemente das críticas que, sob outros aspectos, devamos fazer da insuficiência da "hipótese democrática" do grupo,  são ao mesmo tempo mais audaciosas e mais realistas, e que, recentemente ainda, Tsipras formulava como se segue:


Queremos a reorientação democrática e progressista da União Europeia. O fim do neoliberalismo, da austeridade e das chamadas sociedades europeias dos dois terços, onde 1/3 da sociedade se comporta como se não houvesse crise económica e 2/3 sofrem todos os dias, mais e mais. A Esquerda Europeia tem a visão política e a coragem de construir um consenso social mais amplo em torno do objetivo programático de reconstruir a Europa numa base democrática, social e ecológica.

Este é o contexto político da minha candidatura à Presidência da Comissão Europeia pelo Partido da Esquerda Europeia. Ele explica porque não se trata apenas de mais uma candidatura. Trata-se, em vez disso, de um mandato pela esperança e a mudança na Europa. É um toque a reunir pelo fim da austeridade, pela salvaguarda da democracia e para trabalhar pelo crescimento. É um apelo a todos os cidadãos democratas e sensíveis, independentemente da sua ideologia e afiliação partidária. Porque à medida em que a recessão, a estagnação económica ou o crescimento anémico e sem criação de empregos submerge a Europa inteira, a austeridade também submerge as pessoas tanto do Sul quanto do Norte. Assim, a reação à austeridade transcende o estado-nação e alinha as forças sociais a nível europeu. A austeridade atinge o povo trabalhador independentemente do local de moradia. Por esta razão, precisamos de integrar a indispensável aliança antimemorandos do Sul num amplo movimento europeu anti-austeridade.



11 comentários:

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Ainda so vou na primeira linha e posso ja afirmar que o que me parece "equivoco", ou estupido mesmo, não tenhamos medo das palavras, é acreditar que é possivel ter uma discussão aberta e construtiva com quem coloca os termos da alternativa desta maneira perfeitamente redutora, parcial e infantil.

E' que não ha paciência. Debate precisa-se, urgentemente. Mas para haver debate, têm de existir pessoas minimamente interessadas em debater, o que implica fazer um esforço, por pequeno que seja, para tentar compreender o ponto de vista do outro.

Abraços democraticos

PS : Sei que o Pureza é uma prima dona do BE, mas isso so me parece agravar a situação

Anónimo disse...

Oh, grande J.Viegas! O meu caro, que vive em Paris, por certo sabe que, as primas donas, tornaram-se um fenómeno larvar e insustentável da politica profissional na Europa- mesmo no leque da Esquerda da Esquerda! Assistimos agora ao descalabro dos Verdes na França e na Alemanha, dois grandes " partidos-coligação ",que alimentaram as maiores esperanças para o futuro da Europa. O caso Mélenchon- com " saques " falhados junto do eleitorado dos Verdes e do PCF- é também reveladore sintomático. O Pureza parece-me ser um " intelectual " muito cauteloso e com regras...Salut! Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,

o mais confrangedor de tudo isto no que se refere a José Manuel Pureza. é a impressão que este dá de ter capitulado perante o que parece ter-se tornado a corrente dominante e/ou a nova ortodoxia do BE. Há bem pouco tempo, com efeto, o mesmi JMP ainda escrevia afirmando aa "natureza incindivelmente europeia da política da crise e das alternativas a ela", e a necessidade de "[a]rticular a contestação em escala europeia contra a fragmentação nacional das políticas de empobrecimento", em resposta à "estratégia de confinamento nacional das crises e das políticas oficiais" (Cf. http://viasfacto.blogspot.pt/2012/11/jose-manuel-pureza-sobre-uma-outra.html).
Marginalmente, também se poderia observar a este propósito que o crime nem sempre compensa, ainda que, caso fosse compensador para os seus autores, não deixasse de ser crime, degradando as condições da existência comum. Mas, no caso vertente, enquanto o BE corre os risco de perder a sua razão de ser em benefício do PCP e, de algum modo, cometer um suicídio político assistido por este segundo partido, vemos que o Syriza se confirma como principal partido da oposição na Grécia, reduzindo a forças cada vez menos credíveis quer o PASOK, quer o KKE…

Abraço

miguel(sp)

joão viegas disse...

Caro Niet,

Retiro sem dificuldade a qualificação de prima donna dada ao Pureza, que não conheço e que admito seja uma pessoa interessante.

Se o é, como acredito que seja, mais lamentavel ainda se torna a bacorada citada pelo Miguel...

Abraços parisienses

José Manuel Pureza disse...

Caro Miguel Serras Pereira

Nas condições políticas concretas em que vivemos, com a transformação da UE numa instância disciplinar e punitiva das suas periferias internas e com uma relação de forças totalmente adversa à inversão dessa tendência, a "natureza incindivelmente europeia da política da crise e das alternativas a ela" exige que saibamos combinar a teimosia de tudo fazer para, em escala europeia, combater este estado de coisas, com um investimento redobrado no resgate da democracia onde ele é mais possível e necessário - e esse é o espaço nacional. Europeísta que sou, estou profundamente convicto de que o esvaziamento das capacidades de decisão nacional nas periferias só facilita esta desconstrução europeia conduzida pelo rolo compressor disciplinar e punitivo de fé neo-liberal.
Estou convencido de que Alexis Tsipras concordará comigo. Porque o sei porta-voz desta raiva e deste projeto.
Um abraço.

José Manuel Pureza disse...

Caro Miguel Serras Pereira,

Nas condições políticas concretas em que estamos, com a UE transformada numa máquina disciplinar e punitiva das suas periferias internas e com uma relação de forças totalmente adversa à necessária inversão dessa condição, eu acho que temos que saber combinar todas as iniciativas a que pudermos dar força em escala europeia (a candidatura de Tsipras à presidência da Comissão é um excelente exemplo disso) com tudo o que soubermos fazer para resgatar a democracia de onde ela está a ser subtraída pelo cânone disciplinar de Bruxelas e de Berlim, e isso traz para o centro os espaços nacionais. Europeísta que sou, é em nome da Europa - de uma Europa democrática e batalhadora por um contrato social amplo - que entendo que tudo o que contribua, neste momento, para esvaziar a autonomia mínima de decisão dos Estados nacionais é um favor que se faz ao rolo compressor punitivo que é hoje a UE concreta que temos.
Um abraço.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Manuel Pureza,

se, em suma, o que escreve significa que a integração política da UE deve ser acompanhada pelo reforço do controle dos cidadãos sobre as instâncias de decisão, plenamente de acordo. E plenamente de acordo, também, quanto à necessidade de nos opormos a qualquer "federalismo" que se faça restringindo ainda mais os direitos dos cidadãos, o seu controle sobre as instâncias governantes.
Mas sustentar que o reforço da soberania — ou "autonomia" — dos Estados-nação da UE pode ser uma via de democratização, ou sequer uma linha defensiva consequente, parece-me absurdo. E o argumento que invoca o reaccionarismo tacanho e, hélas, bem real dos actuais dirgentes e orientações da UE, afigura-se-me, não só tacticista, como cego à realidade do reaccionarismo não menos tacanho e bem real dos governos "memorandados" ou subalternos. (Acresce que em termos geoestratégicos ou globais qualquer enfraquecimento da Europa será, apesar de tudo, um obstáculo de monta às perspectivas imediatas e a prazo de mudar as relações de força presentes num sentido menos adverso à mundialização da democracia, se assim me posso exprimir. Mas não vou entrar agora na análise deste aspecto.)
Por fim, parece-me que Tsipras tira, pelo seu lado, conclusões um pouco diferentes — quando escreve, como citei: "(…) à medida em que a recessão, a estagnação económica ou o crescimento anémico e sem criação de empregos submerge a Europa inteira, a austeridade também submerge as pessoas tanto do Sul quanto do Norte. Assim, a reação à austeridade transcende o estado-nação e alinha as forças sociais a nível europeu. A austeridade atinge o povo trabalhador independentemente do local de moradia. Por esta razão, precisamos de integrar a indispensável aliança antimemorandos do Sul num amplo movimento europeu anti-austeridade".

Um abraço

msp

José Manuel Pureza disse...

Caro Miguel Serras Pereira

O primeiro parágrafo do seu último comentário faz-me usar com convicção uma frase que tem sido muito usada nos últimos dias: "É mais o que nos une que aquilo que nos separa".
Quanto ao mais, que é secundário, tem razão em afirmar que o "reaccionarismo (...) dos governos 'memorandados' ou subalternos" não é "menos tacanho e bem real" que o dos poderes europeus atuais. É verdade. Mas não só é mais plausível uma modificação da relação de forças em cada Estado 'memorandado' da periferia do que no conjunto do campo comunitário, como é realmente em escala nacional que o ataque à democracia está a ser arrasador (até pela simples razão de que em escala comunitária nunca houve institucionalidade democrática que possa agora ser alvo de ataque...).
É por isto que não vejo contradição entre europeismo de esquerda e luta pela autodeterminação. Ao contrário, acho que são duas maneiras de lutar pelo mesmo reforço da democracia completa.
Outro abraço. JMP

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Manuel Pureza,

teremos outras ocasiões de continuar a discutir, sobretudo se a roda do debate se alargar, como gostaria de poder esperar com mais verosimilhança no imediato…
Para já, limito-mr às seguintes observações esquemáticas:
1. Não vejo porque é que será "mais plausível uma modificação da relação de forças em cada Estado 'memorandado' da periferia do que no conjunto do campo comunitário". E alegar que na periferia a degradação das condições é maior não é um argumento válido.
2. Se entendermos a autodeterminação como a extensão do exercício do poder por parte da grande maioria dos cidadãos sobre o governo das suas condições colectovas de existência, tendo ao mesmo tempo presente que o "ataque (…) arrasador" à democracia tem uma lógica e uma condução claramente transnacionais, tudo leva a crer que, justamente, a conquista de meios de controle e de participação activa dos cidadãos nessa dimensão europeia, será a melhor via de transformar os efeitos locais ou nacionais da austeridade, bem como as relações de forças que os engendram.
3. Apostar simultaneamente no reforço das fronteiras e das prerrogativas di Estado-nação e, por exemplo, no reforço de um controle através do voto (insuficiente, claro — mas quem quer o mais, quer o menos…) das instituições governantes da UE, parece-me uma tentativa da quadratura do círculo, antecipadamente votada ao fracasso. E, de resto, não vejo como — excepto tornando ainda mais arrasador o ataque à democracia — será possível uma maior integração fiscal e orçamental da UE sem uma integração/federação política também mais avançada. Daí que a via a seguir, no combate à oligarquia e às raízes e organização do seu poder, não possa deixar de ser, tanto quanto vejo, a reivindicação de mais Europa para mais democracia, e mais democracia para mais Europa.

Um abraço

miguel(sp)

joão viegas disse...

Ola a todos,

Vejo que afinal a frase citada não traduz bem o estado de espirito do seu autor, o que me parece de saudar. Para quem se reclama da democracia efectiva e dos ideais igualitarios da esquerda, como penso ser o caso de todos por aqui, não é dificil compreender que tanto a questão da "Europa" como a questão do "Estado nacional" são meramente instrumentais.

Em teoria, posso imaginar situações em que a democracia e os objectivos da esquerda estariam objectivamente servidos pelas forças que pugnam pela emancipação dos Estados nacionais em relação a uma União hegemonica e opressora.

No entanto, na realidade, não vejo absolutamente nada que nos permita a afirmar que nos encontramos hoje numa dessas situações. A integração das economias europeias foi escolhida democraticamente e é hoje uma realidade ; como foram reais os beneficios que dai resultaram para todos os povos europeus, inclusivamente nos paises periféricos. O enquadramento politico da Europa, assumidamente incipiente, reclama-se muito claramente da democracia, e até (numa proporção mais pequena) da democracia social.

Querer voltar atras, ou inverter o processo a pretexto do respeito das regras democraticas nacionais afigura-se me como um duplo logro :

1. A independência nacional ja não corresponde a nenhuma realidade economica, nem consta que possa vir de novo a corresponder a uma realidade economica, a menos que estejamos preparados a suportar custos enormes - tão elevados que ninguém pode imaginar que eles sejam politicamente aceites pela grande maioria dos Portugueses.

2. O déficit democratico a nivel europeu existe e é uma realidade admitida por todos os responsaveis, de todos os quadrantes politicos, assim como a necessidade de o corrigir. Bloquear o processo a pretexto de proteger "independências nacionais" que, nos paises periféricos pelo menos, são completamente fantasmagoricas, apenas representa hoje, de um ponto de vista pratico, um obstaculo para o aprofundamento da democracia europeia. E' precisamente isto que querem aqueles que acham que a Europa economica esta muito bem como esta, mas que ninguém precisa de uma Europa politica verdadeiramente democratica (ou seja, a direita...).

Julgo que as citações do Tsipras mencionadas pelo Miguel mostram que ele integrou perfeitamente esta dificuldade.

Abraços democraticos

Unknown disse...

Tudo muito coerente com o que se tem praticado: tenham superavit para aí seus pronazis que nós somos umexemplo de boa gastança dodinheiro produzido pelos "outros". bast aver os 240 mil milhoes que a UE já introduziu em Portugal e o grande "progresso" conseguido. So para o Porto são tres autoestradas. e O grande progresso obtido com a excelente força de investigadores. Novas empresas com criação de emepregos de alto rendimento são muitas novas todos meses(na Alemanha claro). Por isso aqui estamos nós para gastar essas verbas.!!!!