Têm alguns espíritos ávidos de inovação, ainda que no fundo
sinceramente afeiçoados aos princípios conservadores, sustentado que o
sistema da Sebenta (como na sua jovial linguagem lhe chama a mocidade
estudiosa) é antiquado. Eu considero, porém, a Sebenta como a
mais admirável disciplina para os espíritos moços. O estudante,
habituando-se, durante cinco anos, a decorar todas as noites, palavra
por palavra, parágrafos que há quarenta anos permanecem imutáveis, sem
os criticar, sem os comentar, ganha o hábito salutar de aceitar sem
discussão e com obediência as ideias preconcebidas, os princípios
adoptados, os dogmas provados, as instituições reconhecidas. Perde a
funesta tendência – que tanto mal produz – de querer indagar a razão das
coisas, examinar a verdade dos factos; perde, enfim, o hábito
deplorável de exercer o livre-exame, que não serve senão para ir fazer
um processo científico a venerandas instituições, que são a base da
sociedade. O livre-exame é o princípio da revolução. A ordem o que é? – A
aceitação das ideias adoptadas. Se se acostuma a mocidade a não receber
nenhuma ideia dos seus mestres sem verificar se é exacta, corre-se o
perigo de a ver, mais tarde, não aceitar nenhuma instituição do seu país
sem se certificar se é justa. Teríamos então o espírito da revolução,
que termina pelas catástrofes sociais!
Hoje, destruído o regime absoluto, temos a feliz certeza de que a
Carta liberal é justa, é sábia, é útil, é sã. Que necessidade há de a
examinar, discutir, verificar, criticar, comparar, pôr em dúvida? O
hábito de decorar a Sebenta produz mais tarde o hábito de aceitar a Carta. A Sebenta é a pedra angular da Carta! O Bacharel é o gérmen do.Constitucional.
Eça de Queiroz, O Conde de Abralho
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