17/10/16

A minha educação religiosa


Por mais atenuantes que eu consiga encontrar para os excessos cometidos em nome do laicismo, eles incomodam-me, não apenas porque desvirtuam completamente o próprio conceito de laicismo, mas porque soam quase sempre como apelos desesperados a uma cruzada contraproducente. Vamos lá ver uma coisa. Apesar de eu me assumir hoje como um espírito livre, tive uma educação religiosa e considero que ela me foi altamente benéfica. Porque não assumi-lo ? É certo que me afastei irremediavelmente do dogma e que, à distância, julgo ridículas a maioria das crenças, os ritos, o formalismo, etc. Estou ciente também dos perigos do fanatismo. Contudo, sinto confusamente que as minhas categorias morais mais enraizadas tiraram algum nutrimento da minha doutrinação e por isso não a renego. O mais importante, a meu ver, foi ela ter-me sido ministrada com abertura de espírito, com dignidade, com respeito, com tolerância. Neste aspecto, sou forçado a homenagear os meus pais, agradecendo-lhes o terem sabido proceder com tacto, inteligência e clarividência. Ainda me lembro perfeitamente do dia – teria eu uns treze ou quatorze anos – em que a minha mãe foi ter comigo para me dizer o seguinte. “Meu filho, já estás na idade de formar os teus próprios juízos e de saber que é absolutamente essencial pensar pela tua própria cabeça. Leste o Manifesto. Sabes a Internacional. Fizeste peregrinações ao forte de Peniche e ao muro dos federados no cemitério do père Lachaise. Fizeste, conforme te pedi, um resumo argumentado de Materialismo dialéctico e materialismo histórico que dá para compreender que te movimentas com à vontade na teoria e que sabes medir as suas incidências práticas. Com isto, o teu pai e eu damos por cumprida a nossa tarefa de educação e de transmissão. Agora é com a tua consciência. Tens acima de tudo de saber reger-te por aquilo em que acreditas genuinamente. Se abandonares a nossa fé, fá-lo-ás de maneira responsável e, ao menos, com conhecimento daquilo que repudias. Está pois cumprida a nossa missão”.

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