14/10/16

O subsidio de natal dos funcionários públicos

Fala-se em passar a pagar metade do subsidio de Natal dos funcionários públicos em novembro em vez de repartido pelo ano inteiro.

Eu há anos escrevi algo sobre isso:
Pela lógica, os empregadores deveriam adorar a instituição dos subsídios de férias e Natal - afinal, se em vez de pagarem 1.166,67 euros todos os meses, pagarem só 1.000 euros por mês, e mais 1.000 euros em duas ocasiões especiais (em Junho e Novembro, p.ex.), dá para, ao longo do ano, ir pondo de lado o dinheiro para os subsídios, investi-lo em aplicações, e quando chega finalmente a altura de pagar os subsídios, já se embolsou alguns juros. Pela razão oposta, os trabalhadores deveriam detestar esses subsidios - se em vez de receberem 1.000 euros pelas férias, e mais 1.000 pelo Natal, recebessem mais 166,67 euros todos os meses, daria para investirem esse dinheiro, e quando chegasse a altura já teriam mais do que os 1.000 euros de subsidio que recebem.
Diga-se que, quer pessoalmente quer nos comentários da internet, já ouvi muita gente zangada com essa medida, porque o seu ordenado mensal vai descer - se for um sentimento generalizado, quer dizer que as pessoas já estão a agir mais racionalmente do que quando escrevi esse post (em que a seguir dizia "no mundo real, as preferências de empresas e trabalhadores sobre isso parecem ser exactamente o oposto da lógica."). Diga-se que nem é preciso o meu cenário do investir o dinheiro para ser melhor recebé-lo em janeiro do que em novembro - para quem tem despesas que tem que pagar já, é melhor receber o dinheiro todos os meses do que receber tudo por atacado em novembro; e para quem não tem despesas urgentes, tanto faz a altura do ano em que o recebem - logo no agregado é sempre preferível começar loga a receber o dinheiro a partir de janeiro.

Não seria melhor transpor para a função pública a regra em vigor nos privados, e passar a ser à escolha? O argumento de ser tecnicamente difícil não vale, porque se pode ser feito nos privados (terem regras de pagamento do subsídio de Natal diferentes para trabalhadores diferentes), também pode ser feito no Estado.

2 comentários:

Paulo Batista disse...

Economicamente e no curto prazo é racional a ideia de diluir os subsídios. Na prática, o problema é a ideia de que os subsídios passem definitivamente a ser olhados como parte da remuneração ordinária. Desta forma, a negociação salarial passa a ser bem mais fácil para o empregador e bem mais difícil para o trabalhador: este último passa a ser obrigado a transformar em "mensalidade", despesas anuais não regulares (como férias, início de ano letivo, comemorações natalícias...). Pelo caminho lá se vai a percepção de um direito e da necessidade de o empregador reconhecer e contribuir para os momentos de vida do empregado, ajudando-o em situações excepcionais. Ou seja, a ideia dos subsídios tem também o seu quê pedagógico de "responsabilidade social".
Ps: sou bolseiro de investigação e muitas vezes vejo pessoas a comparar o subsídio mensal com a sua remuneração mensal, esquecendo sistematicamente os subsídios de férias, natal e alimentação, o que reforça a ideia de que algumas pessoas distinguem muito bem ambos os elementos, facto que é importante para a livre contratação.

João Vasco disse...

Há um ponto de vista compatível com ambas as respostas dos funcionários públicos: a prospect theory do Kahneman.
Em particular a "aversão à perda", ou seja imagina que tens uma curva de utilidade equivalente relativa à distribuição do rendimento ao longo do ano. Imagina que para as pessoas seria quase indiferente receber o rendimento em 12 partes uniformes (A) ou em 14 com 12 uniformes e outras duas de 6 em 6 meses (B).
Essas duas hipóteses são quase indiferentes "a priori" mas a partir do momento em que elas se materializam (ou seja: a partir do momento em que alguém se encontra numa delas) a possibilidade materializada passa a ser preferível face à alternativa.
Assim, quando as pessoas estavam em B queixavam-se da mudança para A, e agora que estão em A queixam-se da mudança para B.

Mas há uma explicação ainda muito mais simples que esta: não são as mesmas pessoas. Ou seja, se 50% das pessoas preferem A e 50% preferem B, quando mudas de A para B ou de B para A não vais ouvir 50% críticas e 50% elogios. Vais ouvir 45% críticas e 2% elogios.
Por alguma razão as manifestações "a favor" do governo são um indício de um regime algo autoritário. Tipicamente as pessoas que concordam com uma medida do governo são bem menos "vocais" do que as que discordam.