A divulgação de um Relatório elaborado pelo LNEC sobre as condições de segurança estrutural da Ponte 25 de Abril, ocupou rapidamente o espaço mediático que durante (dois?) dias esteve totalmente submergido pela descoberta da relação entre a famosa "estrutura" do Benfica/SAD e o Sistema de Justiça. O caso envolvendo o clube da Luz não ameaçará os alicerces da democracia - mantem-se intocada a separação - ficticia, é verdade, mas uma separação para todos os efeitos formalmente necessários - entre o poder executivo, legislativo e judicial. Podemos, no limite, afirmar com alívio: ainda bem que o Benfica/SAD não é um orgão de soberania.
Corrupção na sociedade portuguesa é um lugar comum e são clássicos e rotineiros os mecanismos de desvalorização pública da sua importância. À esquerda e à direita. Estamos sempre no domínio dos comportamentos desviantes, nunca é nada de sistémico. Estamos sempre no domínio da moral e nunca no puro campo da política. O caso do Benfica e o tratamento mediático que merece é disso reflexo. A corrupção como modo de actuação não tinha outro propósito, sobretudo desportivos ou financeiros, era apenas uma tara, um desvio de alguém que, por culpas próprias, um excesso de paixão, uma cegueira afectiva, não seguiu os melhores caminhos. Estaremos no domínio da moral e completamente fora do domínio da política. [Amém.]
Já a ponte 25 de Abril, com a divulgação do Relatório do LNEC, mostra-nos como a democracia evoluiu e como a forma de governar é hoje muito diferente daquela que era comum ... nas democracias. [O Relatório e um dossier dedicado ao tema integram a edição em papel da Visão. Online a informação é escassa, como pode constatar aqui]
Muitos de nós ainda achamos que quem manda no Governo é o primeiro-ministro, seja ele qual for. Teimamos em achar que ao elegermos o primeiro-ministro estamos a escolher quem vai liderar o Governo. Este episódio, como outros milhares com menor importância, mas socialmente relevantes, porque se relacionam com a vida do dia a dia dos Josés e das Marias, que somos todos nós, mostram que quem manda no Governo é o ministro das Finanças, seja ele qual for. Neste caso é Mário Centeno.
Se pensarmos melhor naquilo que aconteceu não encontraremos nenhum motivo para espanto. O que nos pode espantar é a nossa capacidade para fingirmos. Fingirmos que não percebemos que as coisas mudaram e que a "arrumação institucional" que mantemos é apenas uma desfocada fachada. Depois do período fordista, com a ascensão do neoliberalismo e a implosão da social-democracia, as empresas e os negócios ganharam um total ascendente sobre a polítca. Os Governos cederam o lugar ao Mercado. A dimensão económica da gestão anulou a sua dimensão política.
O Governo tem um conjunto de áreas de intervenção que lhe permite gerir todo o país. Cada ministro gere uma área. O primeiro-ministro coordena todos os ministros e decide em último caso, porque não sendo o Governo uma empresa, compete-lhe colocar o interesse público acima dos interesses particulares ou de grupo. Compete-lhe valorizar a dimensão política da governação.
No actual sistema nada funciona assim. O ministro das finanças tem a última palavra em qualquer processo em discussão dentro do Governo. Deste Governo ou de qualquer outro, desde que submetido a estas regras. Pode o ministro das Obras Públicas, ou do Planeamento ou, não havendo ministro, o secretário de estado com a tutela, receber que Relatório for, elaborado pelos mais qualificados técnicos, a apontar para uma qualquer intervenção urgente num qualquer equipamento público, que se o ministro das finanças estiver com as "contas fora do ponto", o melhor é esperar sentado.
As Finanças não validaram a urgência das obras na Ponte 25 de Abril. Não porque tenham um Relatório alternativo que conteste as análises efectuadas pelo Laboratório e as conclusões por ele tiradas, mas porque não quer gastar esse dinheiro imediatamente. Antes de Dezembro pelas razões conhecidas e depois de Dezembro pelas mesmas razões, aplicadas agora a Dezembro de 2018: controlo do défice. No Governo, e em particular no ministério das finanças, não existem dúvidas sobre a relação que existe entre o Poder e o Saber. Mesmo que o primeiro-ministro ache que o País só avança com uma grande aposta no conhecimento e não se canse de o afirmar.
As obras, segundo o LNEC, caso não sejam feitas podem, a prazo, determinar o colapso da ponte. Obras urgentes. Há seis meses que o secretário de estado espera - sentado - pela aprovação das Finanças. A divulgação do Relatório pela Visão irá fazer aquilo que a organização e o funcionamento do Governo não permitiu: as obras vão avançar rapidamente, e ainda bem. O conhecimento quer do LNEC, quer do ISQ, traduzido em Relatórios vale o que vale. Muito pouco se o poder decidir nada fazer. Depois de ter sido tornado público, pela imprensa, ou por outros meios, esse saber torna-se rapidamente em Poder.
Mário Centeno é hoje o membro mais poderoso do Governo, reforçado pelo cargo que ocupa em Bruxelas. O membro mais poderoso ainda que em partime, já que não goza ainda do dom da ubiquidade. Compreender e analisar Centeno, e a sua actuação política, é também o único critério válido para analisarmos se o actual Governo se afastou ou não da matriz neoliberal e austeritária a que nos tinhamos submetido na última década.
O Relatório da Ponte 25 de ABRIL é mais uma oportunidade para perceber como é que podemos melhorar a "gestão corrente" da democracia. Não será a última.
08/03/18
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5 comentários:
Tudo certo, e de acordo.
Resta tocar no ponto central da coisa - ser o Estado a pagar estas obras e não a Lusoponte...
Embora seja um comentário tardio ele não perde a oportunidade. Aliás toca num equívoco central que alimentou a dado passo a discussão: a questão central é a segurança de um importante equipamento público e das dezenas de milhares de utilizadores diários. Segurança que depende de decisões do Estado, através do Governo. Quem paga, como e quanto, é importante, mas é outra questão. Secundária, embora importante. Admitindo que seria a Lusoponte a pagar quem tem o indelegável dever de determinar "o quando e o como" das intervenções é o Estado com base nos Relatórios de quem sabe: o LNEC. Não há nesta questão nenhum busilis, meu caro.... Busilis.
Compreendo e está correcto.
Mas não me parece secundário relativamente ao título do post (paralelo, talvez). E por isso mesmo, penso que a questão merecia pelo menos um parágrafo...
Não pondo evidentemente em causa a questão - obviamente prioritária - da segurança, parece-me um factor que importa ter em conta numa análise estrutural de um modo de governar, até porque, fosse esse modo de governar um que zelasse pelo interesse público, o contrato de concessão seria diferente - permitindo que o Ministro ou Secretário de Estado responsável apenas ordenasse à concessionária Lusoponte a realização das obras em tempo útil, deixando assim a questão de estar subordinada ao mandante das finanças públicas.
Um último comentário. Questões desta natureza nunca devem estar sob responsabilidade directa do concessionário. A discussão sobre se devem ser concessionados equipamentos desta natureza é outro debate e não o abordei no post. Quem deve fazer as obras deve ser o Estado com base em estudos realizados por laboratórios oficiais com competência reconhecida. O LNEC cumpre com esses critério com distinção. Fazer as obras significa que quer os Estudos de Avaliação, quer os Projectos de Execução, quer o lançamento do(s) concursos(s) para a realização das empreitadas, quer a Fiscalização dos Trabalhos, são uma tarefa do Estado, não delegável no concessionário. Estas questões podem ser um custo do concessionário mas não podem ser um seu problema de gestão directa. Indirectamente será afectado pela realização das obras mas isso deverá estar salvaguardado no contrato de concessão.
A questão do reforço estrutural da ponte coloca-se no quadro do contrato de concessão existente e, caso o Estado esteja a ser penalizado deve efectuar a sua revisão/revogação.
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