24/07/18

"Intolerância e discriminação" contra os cristãos?

Há dias foi publicado [pdf] um relatório de casos de "intolerância e discriminação contra os cristãos na Europa" (via O Insurgente).

Há lá efetivamente montes de casos graves, como igreja atacadas e incendiadas, mas o relatório mistura e soma esses casos a outros "casos" (uma minoria no conjunto, é verdade, mas talvez potencialmente significativos  nalguns países) que noutro contexto levariam logo uma acusação de "snowflakes" (situações estilo “alguém disse mal da igreja católica” ou “católica praticante perde uma votação numa associação de estudantes”).

Exemplos: "Satirical Publication Deeply Insulted Catholic Church" (página 21), "Belgian Red Cross Branches Ordered to Remove Crucifixes" (página 23 - vai-se ler e foram "ordered" por um órgão dirigente da própria Cruz Vermelha), "Croatian Theatre Festival Included Play with Jesus Christ Rape Scene" (página 23), "Visitors at Estonian National Museum Invited to Kick Image of Virgin Mary" (página 23), "Paris Court Acquits Femen" (página 25), "German Newspaper: Orlando Shooter Could Just as Well Have Been Christian" (página 37), "News Article Used Pro-Life Rally Picture to Illustrate “Religious Extremism”" (página 40), "German Greens Created “Anti-Feminist” Wiki; Targeted Christian Public Figures" (página 40), "Lottery’s Advertisement Featured Model Posing as Crucified Jesus" (página 41), "Pro-Abortion Activist Dressed as Bishop; Handed out Abortion Pills at “Communion”" (página 42), "Catholic Pro-Life Student Union President Ousted" (página 42), "Italian Television Presenter Attacked Online for Wearing Rosary & Holy Medals" (página 43), "Rome Bus Stops the Target of Offensive Images" (página 44), "Columnist Calls Immigration Minister’s Crucifix Necklace a Symbol of Xenophobia" (página 45), "Polish Prosecutors Investigate Play for Offending Religious Sentiments" (página 45), "Mallorca Gay Men’s Chorus Dress as Nuns" (página 46),  "Media Campaign Targets Priest for Upholding Church Doctrine" (página 48), "Spanish Councilman Officiated Wedding Dressed as a Priest" (página 50 - apropriação cultural!), "Las Palmas Prosecutor Investigated Performance of Drag Queen as Christ" (página 51), "Muslims Encouraged to Marry Christians to Spread Islam in Spain" (página 51), "Journalist Called Bishop Sexist and Homophobic" (página 51), "Mongolia Magazine Puts “Transgender Jesus” on Cover" (pagina 52), "Ramadan Prayer in front of Virgin Mary Statue" (página 53), "The Arran Organization Lleida Launches Obscene Campaign Against Bishops" (página 54), "Bilbao: Fair Booth Depicts Jesus Christ as Cuts of Meat" (página 54), "Catalonian Separatists say Church is the Enemy" (página 55), "Television Presenter Calls Christian a “Homophobe”; Receives No Sanctions" (página 58), "Hindu UKIP Member Racially Harassed for Calling Britain a “Christian Country”" (página 60) ou "Church Leaders and Prime Minister Criticized National Trust" (página 61).

Sobretudo diria também que apresentar os casos "procurador investiga alguém por esse alguém ter ofendido a religião" (vejo pelo menos dois) como exemplos de intolerância e discriminação CONTRA os cristãos (presumivelmente intolerância e discriminação por parte da pessoa que está a ser investigada) é algo entre o bizarro e o risível.

Muitos outros (sobretudo em Espanha) casos de "intolerância e discriminação" resumem-se ao Estado deixar de promover o cristianismo ou o catolicismo. Exemplos: "Religion Classes in Belgium Replaced with Citizenship Classes" (página 21), "Court Gave Town Three Months to Remove Statue of Virgin Mary" (página 29), "French Civil Protection Federation Removed Cross from New Logo" (página 31), "Crosses Ordered Removed from District Court in Saarbrücken" (página 37), "Berlin’s Left-Wing Politicians Opposed Cross on City Palace" (página 40), "Humanist Association Urged Vote to Remove “God” from Constitution" (página 42), "Town Council to Remove Cross from Public Square" (página 47),"City Council to Vote on Removal of Religious Symbols from Public Spaces" (página 48), "Government of Rincon Prohibited Nativity Scene in Municipal Courtyard" (página 48), "Easter Poster Depicting Christ Removed from Government Office" (página 49), "School Prohibited Christmas Decorations with Religious Motifs" (pagina 49), "Work Begins to Remove Monumental Cross in Sant Carles de la Ràpita" (página 50), "Parliamentary Group Called for a Ban on Broadcasts of Mass on Public Television" (página 50), "Leftists in Seville Sought to Change the Coat of
Arms" (página 50), "Politicians of Ponferrada Demanded Removal of Holy Week Exhibition in School" (página 51), "Motion Filed for Catholic Church to Pay Property Tax" (página 51), "Secularist Associations Call for Removal of Virgin Mary from Police Medal" (página 55) ou "National Secular Society Proposes Removal of Bishops’ Bench from House of Lords" (página 61).

Há também um conjunto de casos que talvez sejam casos de intolerância ou discriminação, mas que também podem ser simplesmente delitos comuns, que tiveram como alvo instituições religiosas porque era o que estava à mão, como "Offertory Box Stolen from St. Stephan’s Cathedral" (página 20), "L’Abbaye d’Orval Robbed" (página 21), "Theft from Tabernacle in Tintigny" (página 21) ou "Thieves Steal Gold from Sacred Statue of Our Lady of Pilastrello" (página 43).

E sobretudo há uma certa ironia em ambos estes casos sejam considerados "intolerância e discriminação" contra os cristãos - "Order of Nuns Fined for Firing Lesbian Teacher" (página 42) e "Court: Employers May Prohibit Employees from Wearing Religious Symbols" (página 63); ou seja, num mundo sem "intolerância e discriminação" contra os cristãos, as instituições cristãs poderiam despedir pessoas por levarem vidas pessoais contrárias às normas cristãs, mas outros empregadores já teriam que aceitar que os empregados usassem símbolos cristãos durante o trabalho.

Já agora, isto faz-me lembrar uma coisa: por vezes aparecem correntes nas redes sociais dizendo "país A [p.ex., o Canadá] vai institucionalizar a sharia"; depois vai-se ver a lei que está em discussão e é algo proibindo a discriminação religiosa (nomeadamente contra muçulmanos); normalmente essas conversas parecem-me idiotas, mas se calhar começo a perceber melhor porque é que algumas pessoas acham que proibir a discriminação contra muçulmanos significa instituir a sharia: porque pelos vistos também haverá quem ache que não-discriminação contra os cristãos será ter-se um estado confessional cristão.

1 comentários:

joão viegas disse...

Pois, ha também disciminações contra milionarios, contra estrelas do futebol e contra vedetas de cinema...

Esta direita pavloviana, basica, sempre pronta a sair a campo em defesa das piores asneiras desde que sejam "conservadoras", agora convencida (com a eleição do Trampa) que chegou finalmente a hora dela, cansa. A unica atenuante que tem, infelizmente, é existirem reflexos simétricos à esquerda, caricaturas prontas a defender o indefensavel sem reflectir dois segundos.

A redução do debate politico à agit-prop nunca foi bom sinal.

Um abraço