20/09/18

Porque será mais fácil a um governo de direita sair do euro

Ultimamente tem se vindo aos poucos a falar de uma possível crise orçamental ou da dívida italiana (via).

Se essa crise ocorrer (e é provável - o programa da coligação extrema-direita/extremo-centro que governa Itália inclui baixar os impostos e aumentar as prestações sociais, o que possivelmente poderá levar a um conflito com a Comissão Europeia ou o Eurogrupo, a uma redução dos ratings, etc.), suspeito que Itália mais facilmente poderá jogar a cartada "sair do euro e/ou lançar uma moeda própria" do que a Grécia ou Portugal.

A minha ideia - sobretudo imediatamente, quem ganha e quem perde se um país sair do euro e passar a usar uma moeda desvalorizada (ou se permanecer nele, mas passar a pagar aos funcionários públicos com uma moeda desvalorizada)?

- Ganha que tem vencimentos facilmente atualizáveis (em que pode subir o valor nominal para compensar a desvalorização da moeda)e perde quem tem vencimentos nominais fixos; ou seja, assim perderá mais serão as pessoas que vivem de receber juros de títulos ou depósitos (cujo rendimento é fixo), depois os assalariados (cujo vencimento só é atualizado de vez em quando), enquanto os empresários e trabalhadores por conta própria (que em principio podem subir os seus preços a qualquer momento) serão os mais beneficiados.

- Ganha que produz sobretudo bens transacionáveis (isto é, bens que são comercializados no mercado internacional), cuja competitividade aumenta com a desvalorização (e cujo preço, de qualquer maneira, é mais afetado pelos preços internacionais), e perde que produz bens não-transacionáveis (e que vai ter que pagar mais caro quando quiserem comprar bens transacionáveis). Assim, eu diria que quem trabalha na agricultura, industria extrativa ou transformadora e no desenvolvimento de alta tecnologia ganhará, e quem trabalha na construção civil e em grande parte do comércio e serviços perderá.

- Os trabalhadores do sector público serão prejudicados face aos do sector privado, já que os primeiros vão passar a receber na nova moeda, enquanto é possível que no sector privado se continue, formal ou informalmente, a usar o euro (assim, assumindo que a nova moeda desvaloriza, os rendimentos dos funcionários públicos desvalorizarão face aos dos privados).

Ou seja, dá-me a ideia que um país trocar o euro por uma moeda mais fraca iria, à partida, beneficiar mais (ou prejudicar menos) os empresários e o sector privado e menos os assalariados e os funcionários públicos; por outras palavras, mais o eleitorado da direita que o da esquerda; assim, a Liga italiana terá mais margem de manobra para, se for enconstada à parede pela UE, abandonar o euro (as empresas exportadoras do Norte de Itália - que suponho, entre empresários e trabalhadores, sejam a sua clientela eleitoral - até agradecerão) do que o Syriza grego.

Já agora, fará também algum sentido que em Portugal o PCP seja o mais anti-euro dos partidos da geringonça (face ao pré-euro PS e ao até há pouco tempo oscilante BE) - já que suspeito que o PCP tem uma maior base social entre os trabalhadores dos sectores transaccionáveis, enquanto o BE e o PS serão partidos mais dos trabalhadores dos serviços (pode-se contrapor que no Algarve - a região onde tradicionalmente tanto o PS como o BE têm a sua maior implantação eleitoral - grande parte do comércio e serviços é transacionável, devido ao turismo, mas duvido que a nível global isso afete muito).

5 comentários:

Euromania disse...

- O euro já se provou que não é uma moeda viável para Países de diferentes economias (demasiado diferentes)
- Faz algum sentido que a Noruega tenha a mesma moeda que a Moldávia e Bielorússia ? Nao. Faz algum sentido portanto que Portugal e Grécia tenham a mesma moeda que a 3 ou 4 economia do mundo ? Não.
- O euro tirou aos países qualquer controlo que tenham sobre a sua política monetária e é óbvio que a nossa política financeira e económica é também decidida noutras latitudes.
- Como Vítor Bento disse somos hoje uma cobaia da Zona Euro. Um País pequeno, sem impacto onde podem testar as suas políticas monetárias sem grandes contrariedades.
- No final da crise do Euro, chegámos a ver mais de 360 mil portugueses (muitos qualificados) emigrarem segundo o INE.


Deixo uma pergunta :

França e Alemanha, ou a Espanha e Itália têm diferentes taxas no mercado de obrigações. Porquê? Se estão todos na zona euro ? porquê se todos têm a mesma moeda ? porquê se têm todas a mesma política monetária ? porquê se têm o mesmo banco central europeu ?

Os mercados prevêm que um país saia mais facilmente do euro que outro em 5 anos ou 10 Anos e que portanto passem a pagar a esse dívida mais tarde em marcos ou francos ou...

Agora há algum importante é que a UE propositadamente não critou nenhum tratado que permita a um País sair do Euro. Há várias alternativas, mas uma saída limpa e simples do Euro não é possível.


O Escudo sobreviveu a duas guerras mundiais, a uma ditadura, à grande depressão, a n eventos catastróficos do século XX e nenhum país que não aderiu ao euro (Rep Checa, Dinamarca, Suécia, etc..) passou por uma crise como nós passámos recentemente e que nos deixou completamente "ligados à maquina."


O PCP e CDS no final do século XX eram contra o euro e com razão. Aliás o que eles exigiram foi no mínimo um referendo para perceber o que o povo queria - sim porque o euro impacta todos os cidadãos ao contrário da eutanásia.
Nós é que ficámos vidrados com as promessas de políticas de ter o mesmo nível de vida dos alemães e de nunca mais termos de passar por uma crise.

Entretanto passámos de 50% da dívida do nosso PIB para quase 130%. Agora já meteram o medo na cabeça das pessoas...ou temos euro ou o País deixa de desaparecer...

Miguel Madeira disse...

"França e Alemanha, ou a Espanha e Itália têm diferentes taxas no mercado de obrigações. Porquê? Se estão todos na zona euro ? porquê se todos têm a mesma moeda ? porquê se têm todas a mesma política monetária ? porquê se têm o mesmo banco central europeu ?"

Mesmo no tempo do escudo, as obrigações de várias empresas (que usavam todas escudos) também variavam na sua taxa de juro (ou, dando um exemplo extremo, diferentes individuos, que usam todos o euro, pagam taxas de juro diferente quando pedem empréstimos ao banco); e não fui ver mas aposto que as taxas de juro dos titulos de dívida dos vários municípios e estados dos EUA também variam - isto é, não há nenhuma ligação lógica entre várias entidades usarem a mesma moeda e a taxa de juro da dívida respetiva ser a mesma; supostamente a taxa de juro reflete o risco de falência, e não é por dois estados (ou duas pessoas) usarem a mesma moeda que têm o mesmo risco de falirem.

Agora, reconheço que haveria uma razão para se esperar que estados com a mesma moeda tivessem juros similares - há uma certa expetativa que os bancos centrais funcionem como emprestadores [esta palavra não existe, pois não?] de último recurso aos estados, portanto se todos os estados se pudessem financiar junto do banco central, faria um certo sentido que a sua dívida tivesse mais ou menos a mesma taxa de juro; mas o problema aqui é que o BCE tem uma relação muito ambígua com a função de "emprestador" de último recurso aos estados: pelos tratados, o BCE não pode financiar os estados (uma das implicações disso foi os funcionários do Banco de Portugal não terem sido sujeitos aos cortes nos ordenados da função pública dos anos da troika, já que se considerou que isso seria o BP a financiar o estado), mas na prática tem andado a financiá-los pelo método de re-comprar a sua dívida (isto é, os bancos privados emprestam aos estados e depois o BCE compra as dívidas aos bancos privados), mas isso está tudo preso por arames, e a qualquer momento um governador do BCE pode decidir deixar de comprar dívidas (ou deixar de comprar dívidas do país X ou Z).

Euromania disse...

Muito obrigado pela resposta e ainda para mais por poder ter uma conversa interessante sobre um assunto que diz respeito a todos os portugueses e é crucial para o futuro, a longo prazo, do nosso País.

1. Sim mas Estados, são distintos de empresas. Empresas a falir há aos milhares Estados já não. Sobre os EUA não me pronuncio, porque desconheço a realidade desse país no que a cada munícipio diz respeito. Se tropeçar nessa informação não hesite em informar-me por favor.

2. A palavra emprestadora existe, mas eu também reparei agora que cometi alguns erros. Mas enfim podemos dizer uma entidade credora ;)
Sim, faria realmente bastante sentido que por exemplo a França e a Alemanha tivessem taxas de juros semelhantes, certo?

Outra questao que não coloquei foi porque aquando da definição da estratégia da criação do Euro se optou pela continuação do Banco de França, Banco da Alemanha, Banco de Portugal, etc ? Certamente eles previram a possibilidade de alguém sair, ou de ser expulso do Euro e é fundamental que portanto continue a haver mesmo assim um Banco central para cada País.


3. Sim, verdade. O BCE não pode financiar estados, mas foi graças à compra de dívida - portanto ajuda financeira - que tentaram resolver o problema da crise do Euro. E para provar que tem totalmente razão quando diz:

" qualquer momento um governador do BCE pode decidir deixar de comprar dívidas (ou deixar de comprar dívidas do país X ou Z)."

Eu informo que a partir de Dezembro está já previsto o BCE acabar o programa QE (Quantitative easing)
Até agora tem andado a comprar dívida pública e privada em montantes mensais de 30 mil milhões de euros e para os últimos 3 meses será de 15 mil milhões de euros.

4. Em relaçao ao BP é como dá jeito. o BP é uma instituição pública e até o seu Governador é proposto pelo Ministro das Finanças e depois nomeado pelo Conselho de Ministros, mas para cortar salários já não podia ser... Faz-me lembrar do que o Varoufakis disse - é uma história que vale apena contar - sobre o Fundo Helénico de Estabilidade Financeira.


Basicamente o Fundo Helénico é uma sucursal do Fundo Europeu de Estabilização Financeira cujo objectivo é recapitalizar os bancos. O dinheiro do fundo provem dos contribuientes, no entanto Varoufakis como Ministro das Finanças na altura não tinha poder nenhum sobre nomear o seu CEO, ou como o Fundo fazia transações com os bancos gregos. Portanto o povo que o tinha eleito tinha zero controlado sobre como o seu dinheiro era usado por esse fundo.

A dada altura descobriu porém que tinha um poder -> Definir o salário dos seus empregadores. Então verificou que num país onde havia pessoas a ganharem 520€ ali alguns chegavam a ganhar 18000€.
Decidido a exercer esse seu poder, verificou a média a que tinham descido os salários e pensões durante a austeridade e decidiu aplicar o mesmo nos salários desses funcionários, ou seja uma diminuição de 40%. (mesmo assim seriam cerca de 11000€)


Resumido e concluindo em pouco tempo recebeu uma carta da Troika a revogar a decisão do Ministro das Finanças. A troika exige a Portugal e Grécia de baixar os salários baixos e pensões baixas, cortar a todo o custo esses ordenados, no entanto do Fundo Helénico e Banco de Portugal já não se pode tocar pois são sagrados! ;-)

ps: Mais uma vez obrigado pela conversa

Miguel Madeira disse...

"Outra questao que não coloquei foi porque aquando da definição da estratégia da criação do Euro se optou pela continuação do Banco de França, Banco da Alemanha, Banco de Portugal, etc ? Certamente eles previram a possibilidade de alguém sair, ou de ser expulso do Euro e é fundamental que portanto continue a haver mesmo assim um Banco central para cada País."

Há tempos li um artigo de uma economista inglesa que dizia que o euro funciona mais como um conjunto de moedas nacionais com um cambio de 1:1 entre eles de que como uma verdadeira moeda única (p.ex., penso que quando uma empresa portuguesa compra algo a uma empresa francesa, a transferência do dinheiro continua a ser feita por intermédio do Banco de Portugal e do Banco de França, tal e qual como seria se continuassem a existir o escudo e o franco e fosse preciso transformar uma moeda na outra)

Miguel Madeira disse...

http://www.coppolacomment.com/2015/06/mario-draghi-and-holy-grail.html