10/10/18

A "normalização" do fascismo pela via eleitoral

A vitória de Balsonaro na primeira volta das eleições presidenciais no Brasil é, para dizer as coisas como elas são, a vitória de um candidato fascista numas eleições democráticas realizadas num país-continente que, até 1985, esteve sob o domínio de uma implacável ditadura militar.
Trinta anos depois da liberdade os Brasileiros, na sua maioria, parecem dispostos a apoiar um fascista, adepto confesso da ditadura e de personagens como Hitler.
Isto depois de em 2003 o PT ter chegado ao poder e Lula da Silva, o mais famoso operário metalúrgico, ter chegado à Presidência. Lula que viu Dilma Rousseff, uma antiga guerrilheira do tempo da ditadura militar, suceder-lhe na Presidência até ter sido destituída pela justiça militante que hoje domina o Brasil de braço dado com os militares.

Assistimos por estes tempos à ascensão do fascismo em várias regiões do mundo. Não através de golpes militares mas apenas e só através de vitórias eleitorais. Tal como Hitler, que chegou ao poder através das eleições, Orban, e agora Bolsonaro,  utilizaram  a via eleitoral para triunfar sobre os poderes decrépitos e corruptos que se especializaram em defraudar as expectativas da maioria da população.

A corrupção endémica, que o PT não apenas não combateu como até reforçou, não é um mal menor. É o caminho mais curto para a ascensão dos poderes ditatoriais. É um pretexto para que figuras menores, como Bolsonaro, ascendam ao poder, deixando as rédeas livres aos juízes - como Moro - e aos militares, que estão loucos por voltarem a dispor do poder e que aproveitam a degradação da democracia petista para violarem, no caso dos juízes, a separação dos poderes. O "povo" que vota Bolsonaro parece juntar sob o mesmo conjunto de interesses, aqueles que aspiram pelo regresso aos tempos em que os seus privilégios eram a lei e aqueles que se queixam - justamente - por o PT não ter promovido o fim da desigualdade extrema, que no Brasil é ainda mais chocante do que deste lado do Atlântico. O que torna ainda mais terrível a opção de voto que estes últimos fizeram, já que parece terem escolhido o caminho mais curto para regressarem ao passado tenebroso.

A via eleitoral tem um potencial enorme para todos os fascistas deste mundo. As políticas da responsabilidade social e da confiança, que não são mais do que políticas austeritárias, deixam  a maioria de fora da distribuição da riqueza e constituem a mais eficaz madrassa de recrutamento dos novos fascistas. Aumentos dos funcionários públicos em 5, 10 ou 15 euros, incapacidade para redistribuir de forma justa a riqueza produzida, como tem sido a regra por cá, com as esquerdas reunidas, criam condições para mais cedo do que tarde também irmos por aí. Até porque, como disse Cravinho recentemente, a corrupção é um mal endémico e um grande problema nacional relativamente ao qual existe um alargado consenso [isto digo eu]; não existe corrupção, apenas prácticas menos avisadas.

PS - dou como adquirido o facto de na segunda volta se verificar o triunfo do candidato fascista. O candidato do PT, o senhor Haddad, que aparece em campanha com o ar festivo de quem está a assistir a um enterro - o seu - teve a peregrina ideia de, logo após a confirmação da passagem à segunda volta, ter ido visitar Lula à prisão.


16 comentários:

joão viegas disse...

Ola José,

Bom post. Concordo no essencial. Contudo, sou menos severo do que tu em relação à eleição, e bastante mais em relação à corrupção.

1/ Que as democracias participativas baseadas na eleição são vulneraveis ao fascismo não é propriamente uma novidade. O fascismo é uma perversão, muitas vezes nacionalista, de movimentos sociais de insatisfação perante o sistema representativo. Isto significa que, desde que apareceu nos principios do século XX, o fascismo, tem mostrado que as eleições não representam o alfa e omega da democracia e que, por si so, não oferecem garantias absolutas. Isto no entanto, não significa que elas sejam mas ou perigosas em si. Apenas que não chegam e que pressupoem um espirito civico e esse minimo de sentido de cidadania, tanto nos eleitores como nos seus eleitos, sem o qual qualquer sistema politico esta condenado a dissolver-se no conformismo e no mero formalismo. Em suma, as eleições não nos protegem do mal, mas também não são o mal.

2/ Quanto à corrupção, é fundamental perceber do que falamos. Não se trata de combater umas fantasmagoricas forças das trevas que andam forçosamente por aqui, como as nossas fraquezas congénitas, à espera de se submeterem quando aparecer um superhomem qualquer. Isto é bom para o cinema. O que entendo por corrupção é outra coisa : trata-se do conjunto de mecanismos muito concretos que desviam quotidianamente os recursos de todos, fazendo com que os poderes publicos, de forma opaca, sirvam interesses particulares que funcionam como privilégios. A meu ver, é perfeitamente impossivel um partido de esquerda ser minimamente complacente com a corrupção e não consigo compreender como é que algum partido de esquerda pode pretender desculpar-se com a teoria das mãos sujas nesta matéria. O PT, obviamente, não percebeu isto. Ao mesmo tempo, não percebeu quais eram as verdadeiras e profundas aspirações de quem o elegeu, ja na altura na esperança de renovar um aparelho politico e administrativo tido como enfermo. Quem é que se pode admirar das consequências catastroficas deste erro evidente, grosseiro, imperdoavel ?

Entendamo-nos : ser intransigente em matéria de corrupção não significa necessariamente colocar a bitola a um nivel tão elevado que se torne irrealista. Não. O que se quer é pragmatismo, e eficacia. As economias latinas são numa grande medida informais e todos sabemos que fazer de conta que so existe a vida "oficial" é um erro. Mas ser realista - com tudo o que isso pode acarretar como cedências à necessidade de mudar as coisas de forma progressiva, desde as amnistias às tolerâncias provisorias - não pode significar abdicar da necessaria intransigência quanto aos principios. E' preciso mostrar resultados, e empenho autêtico em mudar para melhor, de forma visivel, palpavel, mensuravel. Eis onde o PT falhou rendondamente, pelo menos a meu ver. E este falhanço é perigoso porque as consequências são dramaticas : numa situação de profundo discrédito em relação às forças politicas que se reclamam do povo e que deveriam ter como incumbência traduzir na realidade as suas aspirações profundas - e a luta contra a corrupção, ou seja contra uma das causas mais obvias da perpétuação das desigualdades é seguramente uma delas -, quem é que se pode admirar que o povo se vire para charlatães, ainda que eles sejam perigosos ?

Em suma : o verdadeiro problema das nossas democracias é mais a substância (a tolerância em relação de desvios que são a negação dos principios igualitarios onde todos são supostos reconhecer-se), ou seja a corrupção, e menos a forma (ou seja as formas de eleição e de representação). Na minha opinião, é importante não inverter a ordem dos factores.

Um grande abraço

José Guinote disse...

Meu caro João Viegas faço minhas as tuas palavras. Não discordo do que tu dizes sobre a importância relativa das coisas. No caso das eleições o que pretendi enfatizar é o facto de essa legitimação ser feita com a participação massiva das futuras vitimas. Uma triste ironia. Por isso a tua chamada de atenção é fulcral: as eleições não são o alfa e o ómega da democracia. Muito longe disso. As eleições são importantes mas são apenas um elemento central da componente representativa da democracia. Uma democracia amputada da sua componente participativa - e aqui temos que discutir qual é o poder que democracia participativa tem, isto é, qual o poder que os cidadãos obtêm sobre as suas vidas, sobre a sua cidade, sobre a vida do seu país - é uma democracia preparada para ser assaltada e tomada pelos seus inimigos.
No Brasil, tal como na Venezuela, Lula e Dilma, adoptaram uma solidariedade social de carácter marcadamente assitencialista que melhorou a vida dos pobres, mas que não introduziu as mudanças estruturais que permitissem tornar essas mudanças irreversíveis e sustentáveis.
Essas mudanças estruturais não são possíveis numa sociedade corrupta. A corrupção no Brasil - como aconteceu com os grandes eventos que organizaram a pilhagem dos recursos públicos pelo sector do grande imobiliário e a deslocalização das populações pobres - é promovida pelo Estado que mostra a sua "capacidade" para lidar com os sectores económicos mais "dinâmicos", mostra a sua "maturidade" para gestão da economia do País, para honrar os "grandes compromissos".
Na verdade Lula e o seu PT, como cá o PS, com Sócrates, foram incapazes de alterar o modus-operandi da direita e a dimensão estrutural da desigualdade profunda que marca as duas sociedades. Por isso não combateram a corrupção antes tentaram geri-la de forma a prolongarem a sua permanência no poder. Perceberam, ou quiseram perceber, que se deixassem os sectores económicos tradicionalmente afectos à direita, "fazerem os seus negócios" passariam a dispôr de novos aliados, que tornariam mais dificil perderem o poder. Foi por isso que usaram e abusaram da circulação de pessoal político entre o partido e as grandes empresas.Usaram a velha teoria de que os fins justificam os meios. Mas nós sabemos que não é assim. A desigualdade aumenta quando a corrupção cresce, por isso as sociedades mais transparentes, menos corruptas são as mais desenvolvidas e menos desiguais. Há uma correlação. Está demosntrado e nós percebemos isso.
É possível a um Governo combater a corrupção, ter um programa e uma acção política fundada na transparência e na defesa da coisa pública. Era possível no Brasil e em P*ortugal. Foi uma escolha política, cujos resultados são terríveis em ambos os lados. Aqui impuseram-nos uma canga austeritária que irá acabar num Salvini qualquer, mais cedo do que tarde. Lá chegou este Bolsonaro, para normalizar, isto é eliminar os frágeis direitos da população.
Um grande abraço.

Libertário disse...

Não é verdade, ou é apenas uma parte dos factos, dizer que o PT: «Perceberam, ou quiseram perceber, que se deixassem os sectores económicos tradicionalmente afectos à direita, "fazerem os seus negócios" passariam a dispor de novos aliados, que tornariam mais difícil perderem o poder.» Pois o próprio PT, e os seus principais dirigentes, se comprometeram profundamente na institucionalização de mecanismos de corrupção a favor de todos os seus aliados mas também a seu próprio favor, numa escala nunca vista antes mesmo num país como o Brasil onde a corrupção no Estado é endémica.

Miguel Serras Pereira disse...

Libertário, subscrevo (só não falaria, talvez, de "escala nunca vista", porque não medi e penso que "escala enorme até mesmo para um país como o Brasil…" seria suficiente). Abraço

Libertário disse...

Numa escala nunca vista sim, pois o PT montou um esquema centralizado, a nível federal, a partir da Petrobras e das grandes empreitadas de distribuição de dinheiro por todos os aliados e pelo seu próprio partido. A chamada caixa dois, os fundos ilegais dos partidos, é só uma parte do problema. A corrupção sempre existiu mas nunca tinha sido organizada de forma tão profissional no aparelho de Estado, não se tratando já da roubalheira individual de cada político que estivesse no poder, mas de um sistema semi-oficial de gerir o Estado através da distribuição dos recursos públicos pela classe dirigente.

José Guinote disse...

Caro Libertário julgo que leu de forma incorrecta aquilo que escrevi, quer no texto original quer no comentário ao que escreveu o João Viegas. Primeiro a forma como o PT organizou o aparelho de Estado para favorecer a corrupção está denunciada no meu texto e no meu comnentário. Não está em nenhum lado afirmado que a actuação do PT se limitou a uma atitude condescendente com a corrupção. Sim, é verdade, ainda que o Libertário não concorde, que o PT promoveu a "articulação" entre os interesses de sectores estratégicos da economia - o sector energético, o sector do grande imobiliário - e a acção do Estado para fomentar uma corrupção que se estruturou à volta do saque dos recursos públicos. Lá como cá essa corrupção foi operacionalizada com os sistemas de porta-giratória entre o partido/aparelho de Estado e as empresas monopolistas ou quase, de que a Petrobrás é um bom exemplo, embora não o único. Veja-se o caso das grandes construtoras, com destaque para a Odebrecht, que exportou a sua atividade para o espaço lusófono e que foi presença destacada aqui neste lado do Atlântico.
Pode ler o que escrevi sobre o último Mundial de futebol e a operação de limpeza social e gentrificação que o PT promoveu nas grandes cidades, utilizando o pretexto da necessidade de construir os novos estádios.

Miguel Serras Pereira disse...

Libertário, talvez tenhas razão. Não disse o contrário, mas só que não dispunha de elementos que pudessem medir. Mas não vou discutir o assunto, tanto mais que estou de acordo com o essencial da tua leitura.

José Guinote disse...

Uma ultima nota: em que parte do meu texto é que está afirmado que o PT não beneficiou da corrupção que promoveu? Qual é a razão que leva um partido de esquerda, ou um partido progressista a, uma vez chegado ao poder, tornar-se um actor decisivo no fomento e consolidação de prácticas corruptas? Como é que essa opção política se concretiza e através de que mecanismos? No Brasil como cá, os meios usados foram muito semelhantes. Imobiliário, contratação pública e privatizações/concessões.

Anónimo disse...

A Rede Sustentabilidade oficializou na madrugada desta quinta-feira, 11, a decisão de ser oposição ao próximo presidente da República, independentemente de quem vença as eleições. A sigla anunciou também que não irá apoiar Fernando Haddad, do PT, no segundo turno e recomendou explicitamente que seus filiados e simpatizantes não votem em Jair Bolsonaro, do PSL.

“Não temos identidade com nenhum dos dois projetos, mas neste momento compreendemos que o candidato Jair Bolsonaro representa um risco imediato à democracia, à defesa dos direitos humanos e à proteção do meio ambiente”, afirmou Marina Silva, presidente do partido após reunião da Executiva Nacional.

Candidata derrotada à Presidência da República nestas eleições, Marina afirmou ainda que os filiados ou simpatizantes do partido devem usar a consciência para decidir entre votar nulo, em branco ou em Haddad.

11/10/18

Anónimo disse...

A Comissão Executiva Nacional do PPS (Partido Popular Socialista) decidiu, nesta quarta-feira (10), em Brasília, que não vai apoiar nenhuma das candidaturas que disputarão o segundo turno da eleição presidencial.

Para o partido, as candidaturas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Fernando Haddad (PT) “trazem a marca de uma conflagração que alimenta radicalismos políticos sob a insígnia do ‘nós contra eles’, que ameaçam o próprio processo democrático”, diz o documento (veja abaixo) aprovado pelos dirigentes.

José Guinote disse...

A Rede Sustentabilidade teve um resultado miserável na primeira volta. Cerca de 1% dos votos. Muita gente que votou em Marina noutras eleições terá sucumbido à campanha de Bolsonaro. Neste preciso momento uma destacada juíza(?), Eliana Calmon de seu nome, saiu da Rede para poder apoiar Bolsonaro. Pelos vistos acha que as posições do fascista sobre as mulheres são aceitáveis.
Não vejo como evitar a vitória de Bolsonaro. Á volta dele está tudo dividido.
A senhora Le Pen manifestou alguma preocupação face ao grau de radicalismo que Bolsonaro defende. Acha ela que isso não seria possível em França. Se fosse já ela seria presidenta há bastante tempo, embora não seja certo que isso não possa acontecer.

Niet disse...

Dois sociologos brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro publicam hoje( 12/10) um grande artigo no Libé. Uma recessäo multimoda economica e uma crise de todos os modelos politicos de Esquerda- O Brasil näo é a parvalheira lusitana,claro - geraram uma situacäo dantesca de pré-golpe de Estado fascistóide, como exemplarmente sublinha o José Guinote.Temer, o homem dos yankees, colocou militares na Defesa, Servicos Secretos e na Policia urbana,chamando os " lobos maus " das cliques neo-nazis que sustentam agora nas ruas a demagogia intratável e criminosa de Bolsonero. e seus adjuntos.Niet

Niet disse...

Maud Chririo, uma analista politica francesa especializada no Brasil/ América Latina revelou que Steve Banno, o homem-do triunfo de Trump,colabora activamente com o staff de Bolsonaro, o candidato que quer homenagear o torcionário de Dilma.Niet

Anónimo disse...

Entrevista com Fernando Henrique Cardoso

Haddad é diferente do PT?

Não adianta ser diferente. Haddad é a expressão do Lula. Ele usou uma máscara do Lula. Agora tirou e colocou uma bandeira verde e amarela.

Mas isso não significa que o sr. apoia Haddad?

Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha. Não vou no embalo. Não me venham pedir posição abstratamente moral. Política não é uma questão de boa vontade, é uma questão de poder. E poder depende de instrumentos e compromissos efetivos. Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo.

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/10/14/interna_politica,712598/fhc-nao-estou-vendendo-a-minha-alma-ao-diabo.shtml

Niet disse...

FH Cardoso tem muita "creacäo", mas näo vota Bolsonaro,sr. Anónimo das 8 horas e 9 minutos de ontem. O antigo ministro deu uma entrevista a dizer mesmo que nunca viu nem falou com Bolsonaro , ontem dada a um jornal de Brasilia. Niet

Niet disse...

Um historiador da Universidade de Nova York , F. Finchelstein diz que o processo politico da escalada de Bolsonaro é a copia do manifesto de Goebbels e näo de Berlusconi. E recorda a frase bombastica em publico do candidato neo-fascista em 1999: " A ditadura militar devia ter morto pelo menos 30 mil pessoas, a comecar pelo Congresso e Fernando Henrique Cardoso.