17/08/19

No limite pode não haver diferença entre o direito à greve e a negação desse direito. (actualizado)

A greve dos motoristas tem sido pasto para uma sucessão de acontecimentos que alguns meses atrás poderíamos facilmente classificar como impossíveis.

O tema que caracterizou a actuação dos diversos actores, com excepção dos motoristas, foi o do fingimento. Os motoristas não fingiram querer causar o maior dano possível, marcando a greve para um período de férias, com muita gente no país - turistas e emigrantes -  e os incómodos causados a subirem exponencialmente. Marcaram uma greve por tempo indeterminado o que, nesta altura, poderia ter consequências graves. Não tem nada de mal. As greves destinam-se a forçar a negociação e o acordo e a capitalizar os problemas que causam. A maior fragilidade dos trabalhadores reside na personagem que "lidera" o sndicato, Pardal Henriques, um advogado com manifestas ambições políticas que nem motorista é. Bom será o motorista do seu Maseratti. Mas não lhes terá sido indiferente a clara opção feita pelo Governo.

Os patrões fingiram sempre que estavam a negociar condições decentes para os seus motoristas e que já tinham cedido muito, muito mais do que aquilo que seria razoável. Era mentira,  mas o fingimento mantêm-se activo na comunicação social. O representante dos patrões, André Almeida de seu nome, vomitou ódio aos trabalhadores em cada intervenção que fez, na feliz expressão de Ana Gomes

Para ajudar nesta narrativa muito conveniente os patrões contaram com a colaboração de alguns sindicatos - amarelos? - que  fingiram terem obtido grandes vitórias nessas negociações. Tanto quanto se sabe são falsas essas conquistas. Elas traduzem-se, no essencial, na manutenção de um salário base muito baixo e várias gratificações dependentes de muita coisa. Um mau acordo para os motoristas que o cidadão   comum achará que ganham tanto como deputados ou ministros. Nada de mais errado, mas a propaganda é forte e eficaz.

Depois há o PS a fingir que o país enfrentava uma emergência energética. A fingir que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos. A fingir equidistância entre motoristas e patrões. A fingir que lhe interessa o país quando na verdade julga ter descoberto o caminho mais rápido para a maioria absoluta. A fingir que o país enfrenta uma situação que justifica o recurso às Forças Armadas, com a cumplicidade do Presidente da República. A fingir que defende o direito à greve, como direito inegociável, sendo que nos períodos em que o PS governa esse direito pode ser  no limite suspenso, como ficámos a saber. Como? Impondo, no limite, serviços mínimos que não sejam diferentes dos serviços normais. O quê? Pois é, a pura retórica, pouco elaborada, diga-se, ao serviço do mais descarado ataque ao direito à greve feito por algum Governo desde o 25 de Abril. Imagino as voltas que Mário Soares terá dado no túmulo. Vale tudo para uma maioria absoluta.

Depois vem o BE, o supra-sumo do fingimento. O BE finge que toma posição embora tenha optado pelo silêncio profundo. Face à emergência energética disse nada. Face aos serviços mínimos que podem ir até 100% disse nada, Face à requisição civil disse que tinha que haver negociação. Uma declaração que testemunha a confusão que tolhe o BE. O recurso às forças armadas para furar uma greve mereceu do BE um silêncio absoluto. Os votos próximos e o medo que a campanha musculada organizada pelo governo de António Costa contra os grevistas provoca tolhem o BE radicalmente.
Que diria o BE, que coisas extraordinárias teria o BE feito, se o Governo fosse o da coligação PSD/PP com a Troika a supervisionar?

No final vem o PCP, que parece atacado por uma esquizofrenia irreparável. O partido não parece conseguir recuperar do desaire sofrido nas europeias. Na mesma declaração Jerónimo de Sousa conseguiu culpar os motoristas pelo ataque ao direito à greve que terão consentido e o PS - cujo Governo apoia - por estar a concretizar essa ataque.
O PCP,  fora do quadro de actuação da CGTP, não é capaz de lidar com as injustiças que afectam cada vez mais trabalhadores. Que diria o PCP, que mobilizações solidárias com os grevistas organizaria, se o Governo fosse o da coligação PSD/PP, com a Troika a supervisionar?

Há depois o PSD e o CDS. O primeiro não disse nada - aterrorizado que ficou com o processo dos professores - e quando fingiu que disse, disse o óbvio que toda a gente já tinha percebido: o governo tomou partido - pelos patrões - embora fingindo que estava a mediar. Não se pode dizer que tenha sido grande contributo para o maior partido da oposição.Toda a gente já o tinha percebido.  O CDS foi um pouco mais longe, mas com o azar de o PS estar a fazer aquilo de que eles apenas falam: pediu a mudança da lei da greve, a forma romântica que Mota Soares escolheu para pedir o fim do direito à greve, sem a maçada de ter que decretar requisições civis, de legalidade mais que duvidosa, ou serviços mínimos iguais aos normais, uma inovação semântica que os socialistas se propõem patentear.

O PS apostou forte nesta greve como uma oportunidade para mostrar de que lado está. Sendo uma greve envolvendo empresas privadas e os seus trabalhadores tomou claramente partido. Recorreu ao poder do Estado para limitar um direito explorando a cumplicidade do Presidente da República. Foi dado um primeiro passo para limitar severamente o direito à greve. O trabalho sujo já foi feito. Mais tarde um governo de direita passará a escrito aquilo que agora foi feito. Marcelo na bancada aplaudirá embevecido.
O tempo não está fácil para os trabalhadores.

Adenda (19.08):  A greve acabou. O Governo decretou o "fim da emergência energética". Vale a pena ler este texto sobre o thatcherismo de fachada socialista". O PS fiel à sua versão mais nefasta: uma cópia desfocada do Blairismo e da sua terceira via.

1 comentários:

Abraham Chevrolet disse...

Houve greve ou não houve greve?
Foram ou não foram sete dias de greve?
As opiniões podem ser quaisquer mas os factos são sagrados !!!