A investidura do novo Governo de Espanha consagra pela primeira vez na Península Ibérica a chegada ao Governo dos sectores à esquerda dos partidos socialistas.
Contrariamente ao caso português em que os socialistas governaram quatro anos com base num acordo parlamentar feito com o PCP e com o BE, neste caso o PSOE estabeleceu uma coligação de Governo com o Podemos, contando ainda com um leque variado de apoios parlamentares.
Este acordo de Governo não se constrói em torno de um programa mínimo, como no caso português em 2015, mas tem por base um programa progressista que os protagonistas classificaram como "valiente e histórico".
O novo Governo vai revogar a Lei Laboral que o PP tinha aprovado em 2012 e que se traduziu na retirada de importantes direitos aos trabalhadores. Vai revogar a fórmula de cálculo das pensões aprovada em 2013 pelo PP acabando com o factor de sustentabilidade -que condiciona negativamente o cálculo das pensões em função da evolução da esperança média de vida - e com o índice de revalorização - que condiciona o aumento do valor da pensão à evolução da economia. Desta forma milhões de pensionistas verão as suas reformas significativamente actualizadas.
Vai além disso aumentar o salário mínimo para 1200 euros. Recorde-se que em Dezembro de 2018 o PSOE aumentou o salário mínimo de 735 para 900 euros, já com base num entendimento orçamental para 2019 estabelecido com o Podemos. Depois desse aumento de 22% a coligação que vai governar Espanha procede a um novo aumento de mais 33%. Os espanhóis vão ver o seu salário mínimo aumentar - no espaço de um ano - 465 euros. Nada que se compare com a pobreza que impera do lado de cá da fronteira com o salário mínimo a situar-se em confrangedores 635 euros e a chegar aos 750 euros em 2023. Não há registo que estas medidas levem ao colapso da economia espanhola, antes pelo contrário.
Vai, além disso, aumentar os impostos sobre os mais ricos, aqueles que ganham mais e detêm mais património. Vai intervir na fixação do valor das rendas habitacionais, visando controlar os preços especulativos determinados pela acção do Mercado livre.
O PSOE foi o partido mais votado nas últimas eleições mas esteve longe de conseguir uma maioria absoluta. Comparativamente com os resultados das eleições de 2015 em Portugal o PSOE teve, no entanto, um resultado melhor do que o seu congénere português.
A diferença entre a solução política agora encontrada e aquela que ficou conhecida como Geringonça, entretanto falecida, radica na atitude dos parceiros. A principal razão para o BE e o PCP não integrarem o Governo - recorde-se que caso tivessem colocado essa condição o PS ou aceitava ou ia para novas eleições num quadro muitíssimo desfarovável - foi a questão europeia. Curiosamente, no caso espanhol, não há registo que esta "condição" tenha atrapalhado o Podemos. O PS português limitou-se a aproveitar.
Por isso a leitura aqui feita por Boaventura Sousa Santos é pouco rigorosa. Não há um álibi espanhol - baseado na natureza do regime e na questão das nacionalidades - que impõe uma solução governamental com estes protagonistas em Espanha. O que aconteceu em Portugal foi do domínio da cegueira e do sectarismo. Resultou da incapacidade política, e de um espírito marcadamente anti-europeu que impera nos dois partidos, BE e PCP.
Os resultados foram aquilo que se sabe: uma governação capaz de cortar o passo à direita radical mas incapaz de alterar as condições de desigualdade extrema presentes na sociedade portuguesa. Uma governação muito "controlada" pela necessidade de satisfazer os humores de Bruxelas, agudizada pela eleição de Centeno para Presidente do Eurogrupo, incapaz de inverter a degradação do estado social, com um real agravamento das condições de acesso à saúde, à educação e à habitação por parte dos portugueses. A Geringonça faleceu vitima dos resultados das últimas eleições - que consagraram um aumento da votação à esquerda, paradoxalmente - e hoje, no momento de aprovação do primeiro orçamento da legislatura, a esquerda parlamentar discute o futuro a partir de um aumento dos salários da função pública de 0,3% imposto pelo PS e com um aumento do paupérrimo salário mínimo de 35 euros. Um outro mundo, bastante pior.
Imagine-se apenas o impacto de um aumento do salário mínimo em 465 euros para cerca de um milhão de portugueses.
09/01/20
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1 comentários:
O primeiro teste do novo Governo vai ser a question de Gibraltar: Ceder a Boris ou ser intransigent na defesa do Mercado Unico ?
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