12/02/12

Ainda contra o Acordo Ortográfico: enquanto há língua há esperança

Se um país pode ser catalogado como “lixo” pelas mais insignes organizações internacionais, porque não decretar a língua uma oportunidade de negócio?
Que os velhos do Restelo pensem nisto: as toneladas de linguiças (sem trema) que passaremos a exportar para o Brasil valem com certeza a queda de um punhado de consoantes mudas.
Claro que o famigerado Acordo não impedirá que num ônibus (do latim, omnibus; variantes por “uniformizar”: autocarro, machimbombo, toca-toca, otocarro…) a passageira do lado me responda em inglês quando lhe pergunto se estamos muito longe do Centro, seguindo-se três oi! da parte dela para finalmente eu sair já íamos no Botafogo. (Abençoada fonética que me proporcionou tão bom passeio!)
Embora entenda o pendor mercantilista do Acordo, a que acresce uma salutar preocupação progressista que faria as delícias de Bouvard e Pécuchet (Que se lixe o latim que só serve para confundir o povo!), não pude, porém, deixar de elencar (v. tr.: “fazer uma elencagem”, seja isso o que for) algumas dúvidas recolhidas por aí.
O que faz um professor durante um ano letivo? Letiva? O que faz um espetador em frente da televisão? Espeta-la? E o que faz alguém ante um para sem acento? Continua a andar e pergunta “para… onde”? Num hotel, dirigimo-nos à recepção ou lembramo-nos da receção e regressamos a casa? E um medicamento ótico aplica-se nos olhos ou serve para tratar otites? O mês de Janeiro é maior que janeiro? A metafísica de Aristóteles é em ato ou não ata nem desata? Quem requer adoção é adoçante? E os habitantes do Egito são egícios? Uma presidente incontinente é igual a uma presidenta incontinenta? E fim de semana sem hífen tem quantos dias?
Esta última questão é particularmente pertinente derivado à crise.

6 comentários:

alf disse...

Já li vários textos sobre o acordo, mas este é o melhor!

(e, note-se, sou a favor da ideia do acordo)

Ana Cristina Leonardo disse...

Olhe que há por aí excelentes textos contra este Acordo. Aliás, não é difícil.
-:)

Anónimo disse...

Todos os textos contra o acordo que tenho visto são péssimos e baseiam-se em falácias de todo o tipo. Diria mesmo que são desonestidades já que os seus autores não têm a desculpa da ignorância que pode ser invocada sobre certas discussões de bar em que se pretende que em Coimbra se fala mais correctamente, que o nosso português é o original ou não tem sotaque, que certas pessoas não falam línguas mas dialectos, etc, etc. A falácia mais comum é pretender não distinguir entre língua e ortografia. Outra é pretender que existe algo de distintivamente português ou brasileiro nas várias ortografias em exposição. Mas os senhores e senhoras anti-acordo não conseguem esconder o seu orgulho imperial ferido, o seu nacionalismo reaccionário, o seu imenso desprezo pelo Brasil, e no caso dos militantes da causa que são de esquerda, até se nota um certo gosto pela camaradagem ombro a ombro, a la santa aliança, com gente da direita, a fazer lembrar, quiçá, velhos tempos de faculdade ou anuais ceias de natal à mesa da mesma família burguesa.

Tony Carreira

Anónimo disse...

derivado DA crise... senão espeta-se de espetador...(?)

Ana Cristina Leonardo disse...

Tony Carreira, adoro generalidades, hermenêuticas delirantes e juízos de intenção, já ceias de Natal...
Ainda assim, e embora há já algum tempo não vá nem ao Brasil nem a Coimbra, deixe-me ajudá-lo: segundo o novo AO, reaccionário só tem um c; dialecto não tem c; e anti-acordo,olhe, já nem sei. Sempre ao seu dispor.

Anónimo: definição de ironia derivada directamente de Proudhon: "Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das ciências, da admiração das grandes personagens, das mistificações da política, do fanatismo dos reformadores, da superstição deste grande Universo, e da adoração de mim mesmo". Voilà.

Justiniano disse...

Cara ACL, está muito bem elencado, sim senhora (sou de concordar ali com o senhor alf, com o Tony Carreira e com todos os outros de um modo geral, mas especialmente consigo)!! Eu, que sou particularmente distraído, não sabia o que era um acordo ortográfico, e muito menos o que seria o tal acordo ortográfico. Tão pouco imaginava que a vanguarda das vanguardas pudesse alguma vez versar sobre estas coisas (em sentido filosófico)... (pensava eu, mal pelo que vejo hoje, que apenas versariam sobre coisas prosaicas como extradições, política de vistos, transacções (transações), investimentos e repatriamento de capitais. O próximo acordo talvez verse sobre o tipo de relva, e altura máxima da mesma, nos relvados utilizados para a mais extraordinária manifestação artística (talvez aí se afaste a grama que, como é consabido, contém lenhina) na história da humanidade e doutras bestas.))!!?
Um bem haja para si,