09/02/12

O acordo ortográfico visto de Angola: "o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!"

"Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião de Luanda.
A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige.
Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às “leis do mercado”. Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito “Vamos Descobrir Angola”, deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única. Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português.
Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do “português tabeliónico” aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas. Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam correctamente o português.
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem mais.
O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas.
Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é “contaminada” pela linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras"
DAQUI

14 comentários:

Miguel Madeira disse...

"essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula"

O grande erro deste texto é essa passagem - duvido que eles escrevam com a linguagem e ortografia galaico-portuguesa de há uns séculoas atrás.

joão viegas disse...

Acho o texto bonito e, em muitos aspectos, ajuizado, mas temo que a critica esteja mal dirigida.

Afinal, a quem é que se aplicam as normas constantes do acordo ? A todos falantes (ou melhor aos escreventes) de Português ? Julgo que não...

Se o acordo contivesse normas imperativas, ou cominatorias, aplicaveis a todos, então seria com certeza criticavel, pelas razões expostas no texto, e por muitas outras de bom senso. A ortografia, como a gramatica, não pode ser imposta aos cidadãos de maneira administrativa, nem faz qualquer sentido que o seja. Da mesma forma que a ciência, ou a historia, não podem ser decretadas, a menos que estejamos num Estado totalitario.

Mas, em meu entender (concedo que o texto do Acordo é vago nesta matéria) o NAO apenas obriga as administrações a adoptar o padrão definido na prossecução das suas actividades administrativas, entre as quais as relacionadas com o serviço publico do ensino (mas não so, claro, também na redacção da lei, etc.).

Isto quer dizer que, em rigor, apenas as administrações publicas ficariam (com a vigência do acordo, debatida hoje) obrigadas a utilizar um novo padrão, e por tabela a ensinar a todos como escrever de acordo com esse mesmo padrão. Da mesmissima forma que elas são hoje obrigadas a usar (e a ensinar) a lingua portuguesa.

Ja as pessoas propriamente ditas (os cidadãos), contando que tenham aprendido a escrever (também) dessa forma, permanecem completamente livres de escrever como bem entendem, da mesma forma que são livres de falar entre si em Inglês, técnico ou não...

(continua)

joão viegas disse...

(continuação)

Dito de outra maneira, a questão levantada pelo NAO reduz-se, do meu ponto de vista, a saber se as administrações devem ou não utilizar um padrão, e como devem escolhê-lo.

Pessoalmente, não tenho a certeza que se deva impôr um padrão às administrações, nem sequer tenho a certeza que se deva impôr-lhes uma lingua (ha paises em que tal não sucede).

Mas não deixo de notar que em Portugal, é tradicional ensinar-se ortografia, e que ha muito tempo (embora não tanto tempo como se julga) que as coisas se passam desta forma. Ensinar ortografia sem um padrão sera, no minimo, problematico. Quando coexistem varios padrões, podera tornar-se mesmo melindroso. Isso seria o menos, no entanto, se não estivesse ligado a questões sociais e politicas delicadas. Por exemplo, se eu escrever à minhota, vou ser chumbado no exame feito em Lisboa ? Se eu não souber que scientia vem do latim (porque os meus pais não têm livros em casa, quanto mais em latim), vou ter menos hipoteses de encontrar lugar na universidade ? Eis algumas das razões que levaram às anteriores reformas ortograficas e que explicam que, hoje, exista uma ortografia simplificada, que é geralmente respeitada (muito mais alias, do que ha uns séculos atras).

Não vejo ninguém, entre os adversarios aos acordo, a pôr em causa esta realidade. Pelo contrario... No texto do post, diz-se alias que cabe aos que sabem trasmitir aos que não sabem, o que parece implicar que se transmita um saber sobre um padrão (mas é verdade que o texto é, nesta matéria, quase tão vago como o do NAO).

Admitindo que é assim, não vejo como nos possamos furtar à definição de um padrão administrativo...

Poderiamos, talvez, deixar a questão para burocratas, com liberdade de escolher em função de critérios de mera eficacia. Mas isso seria também criticado, provavelmente pelos mesmos que criticam hoje o NAO, e talvez com maior coerência (vamos imaginar um minuto que seja que o Ministério de educação decidia passar a usar a ortografia brasileira, por exemplo porque os livros no Brasil são mais baratos, quantas Anas Cristinas Leonardos não desatariam aos gritos !).

Logo, não vejo bem como nos furtariamos a definir um padrão e a obrigar (por lei ou Decreto) a administração a segui-lo.

Ora bem. Aqui é que entra o NAO, que levanta apenas uma questão relativamente simples : é, ou não é, boa ideia que esse padrão seja o mesmo nos diversos PLOPs ?

Pessoalmente, consigo perceber os argumentos de quem diz que é. Não consigo perceber os argumentos contra...

Mas vou deixar a Ana Cristina expôr estes ultimos, que ela é muito mais competente para isso do que eu.

Boas

joão viegas disse...

Ola de novo,

Como não ha duas sem três, deixo aqui um excerto de um comentario meu noutro blogue (aspirina b) que me parece pertinente neste debate :

Algumas formas alternativas, não necessariamente menos onerosas(*), mas não necessariamente menos eficazes, eventualmente combinaveis, de alcançar o objectivo prosseguido pelo NAO :

- Impôr a todas as pessoas investidas de incumbências administrativas que passem aceitar documentos escritos num português conforme ao padrão em uso nos outros PLOPs e obriga-las a conceder todas as facilidades a quem queira escrever de acordo com um qualquer desses padrões.
- Subsidiar a publicação de dicionarios que registem todas as variantes em uso nos diversos PLOPs, por exemplo mediante a compra de um exemplar por repartição administrativa e de cinco exemplares por bilioteca publica.
- Abolir todas as regras actuais que impedem os editores de um PLOP de distribuir e vender os seus livros noutro PLOP.
- Impôr na televisão e nas estações de radio publicas que uma percentagem importante dos programas sejam falados em Português (seja qual fôr a variante). Subsidiar a dobragem de programas noutras linguas, admitindo que a dobragem possa ser feita por actores de outros PLOPs.
- Impor nos programas de ensino publico de Português o estudo da literatura de outros PLOPs. Favorecer o ensino da historia, da cultura, da geografia economica etc. dos outros PLOPs.
- Apoiar ou subsidiar os programas de intercâmbio cultural, desportivo, turistico, etc. entre PLOPs.
- Pedir a um colégio de sabios que tente construir um conceito luso de auto-estima que limite os efeitos dramaticos de uma tradição multisecular de odio e de vergonha em relação às nossas raizes.
- Promover a leitura sob todas as suas formas.
- etc.
(*) : A questão do “custo financeiro” do acordo atinge quanto a mim os pincaros do absurdo. Contas feitas, os custos directos e indirectos da implementação do novo padrão são COMPLETAMENTE cobertos pelo excedente de IRS advindo dos ganhos que o Vasco Graça Moura aufere a escrever artigos
contra o NAO

Libertário disse...

Dario Fo usou uma bela metáfora mas enganadora o patrão não é patrão porque sabe mais palavras do que o operário mas porque detém o poder de impor as suas palavras...

Ana Cristina Leonardo disse...

Uma das coisas que mais me confunde nos portugueses em geral é a dificuldade que parecem ter em discutir um assunto de cada vez. Sim, sim, as conversas são como as cerejas, só que às tantas já se estão a discutir pessegueiros, ou quiçá cetáceos (dada a fonética, não seria mais simples para as criancinhas escreverem "cetácios", apesar do latim, língua, obviamente, que só estará ao alcance de iluminados cujos pais tenham uma biblioteca do tamanho, pelo menos, da marmeleira?).
Confesso que tenho alguma dificuldade com isso, mas talvez seja esse o preço a pagar para sermos um país de poetas.
Dito isto, não percebi nada dos comentários do João Viegas.
A língua é normativa? É. Pelo menos desde que deus nosso senhor mandou abaixo a torre de babel.
Afinal, o AO serviria para criar uma língua administrativa? Pasmo! Uma novilíngua? Essa já está inventada. Mas mesmo dando isso de barato, com as excepções gostaria de saber como: qq coisa/qq outra coisa? Mais a 3ª via? Ó céus! Para quem queria uniformizar (= simplificar).
O latim está morto? Está. O meu avô tb. mas eu sei quem ele é.
Farmácia já não se escreve com ph? Não. Ponto final. É que ainda não vi ninguém que esteja contra este AO propor que se ressuscitem as drogarias (mas, já agora, coitados dos franceses com tanta consoante dupla, mais os ingleses com aqueles wht que sabe deus como se leêm).
Enfim, o texto do post parece-me bastante claro. É um bonito texto sobre a língua e, politicamente, significa o seguinte: os angolanos mandaram os brasileiros dar uma volta.
Quanto às anas cristinas leonardos aos gritos, na net seria difícil a não ser que escrevesse em caixas altas.
O novo AO não mo permite. Tenho de escrever janeiro, por ex., em minúsculas. Suponho que se continuasse a escrever em maiúsculas isso seria um quebra-cabeças para a tal de administração planetária. Assim como fim-de-semana, que é evidentemente um conceito uno, e passou a fim de semana. É o progresso. E viva o Malaca Pasteleiro e quem o apoiar!

joão viegas disse...

Bem visto, estou de facto a ser parvamente complicado, quando a minha pergunta é no fundo muito simples :

os criticos do acordo saberão explicar-nos porque razão eles são tão apegados à ortografia actual ? Ou alias para que julgam eles que servem as regras ortograficas, de uma maneira geral ?

Mas deixe estar, ja sei qual é a resposta.

E' porque sim.

Boas.

Ana Cristina Leonardo disse...

Apesar de já saber o que eu penso (talvez por telepatia, deito-me a adivinhar...) respondo:
os criticos do acordo saberão explicar-nos porque razão eles são tão apegados à ortografia actual?

Os críticos não são apegados nem deixam de ser. Os críticos (ou alguns, já que haverá de tudo como na farmácia), eu, no caso, sou contra as incongruências, as contradições, os disparates propostos pelo Acordo. As consoantes mudas têm uma função em português de Portugal. Não se leêm mas servem para abrir as vogais. Espetador não é o mesmo que espectador. Letivo não é igual a lectivo. Acção não é ação. Recepção não é receção. Acresce que, como se diria em futebolês, não se mexe em equipa vencedora. Não há nenhuma razão, culta ou de uso, para se vir modificar a grafia. E se o argumento é o da simplificação é só ler a carrada de erros que agora prolifera por aí para se perceber a parvoíce. Os habitantes do Egito são egipcíos porque carga de água? E, já agora, porquê habitante e não abitante se o h também não se lê? Vamos deixar de lado os hífens: é a Babel!
A escrita é diferente da oralidade e mais, não se subordina à oralidade. E se os defensores do Acordo querem vir contrariar isso é melhor que se preparem para eu poder escrever Crestina, porque em Portugal, pelo menos, minguém me chama Cristina.
É curiosa, aliás, a contradição subjacente a esse argumento tão à frente, tão á frente que até os franceses e os ingleses estão a pensar contratar o Malaca para lhes substrair as consoantes a mais.
Pois se, por um lado, o que não se pronuncia não se escreve, como se irá ensinar que se lê, por ex., espectáculo se se escreve espetáculo (o segundo e sem o c atrás lê-se como em espeto porque nós, ao contrário dos brasileiros, não abrimos naturalmente as vogais). É cá uma simplificação na aprendizagem!

Ou alias para que julgam eles que servem as regras ortograficas, de uma maneira geral?

As regras ortográficas servem para nos entendermos através da escrita. Nada de transcendente. Não percebo sequer a pergunta. O português do Brasil tem palavras diferentes. A língua evoluiu naturalmente, no caso de algumas palavras, para outras formas ortográficas. E então? Acha que é por passarmos a escrever receção e eles continuarem a escrever recepção que vamos evitar os oi? que ouvimos obrigatoriamente no Brasil porque não nos entendem à primeira?
O problema com o português do brasil não é ortográfico. É de sintaxe e vocabular. Como qq língua que resulta de um colonizador, conjuga formas mais arcaicas com novos vocábulos. E ainda bem!
De qq modo, os apegados, como diz, à antiga grafia, aguardam expectantes (e não expetantes) o novo léxico! Polaco ou polonês? Palestino ou palestiniano? António ou Antônio? Autocarro ou onibus? E nos documentos oficiais (ah! o magno problema dos documentos oficiais) vem como? Caro António/Antônio, o embaixador polaco/polonês reuniu com o chefe palestino/palestiniano que chegou de onibus/autocarro...


Feito o parêntese, se quiser inventar regras ou escrever sem se sujeitar a qq norma ortográfica, faça favor. Corre tão-só o risco de ficar a escrever apenas para si próprio.

Dito isto, acrescento: concedo que para delírios metafísicos, tipo, a norma é classista e a língua é fascista, não tenho paciência.

Em resumo: isto não é um AO, é um negócio empastelado (empastelado, de pasteleiro).

E se quiser continuar o debate, pela minha parte só em esperanto.

joão viegas disse...

Ola,

Não li tudo (mas ja ca volto que eu gosto sempre de ler a Ana Cristina, seja qual fôr a ortografia).

"As regras ortográficas servem para nos entendermos através da escrita".

Concordo com este postulado. Lendo de raspão, penso que também vamos concordar no seguinte : a ortografia é convencional e é perfeitamente impossivel encontrar um sistema isento de incongruências, contradições ou outras bizarrias.

O unico sistema que poderia talvez responder à exigência seria escrevermos todos usando o codigo fonético. Mas como a pronuncia do Português, mesmo aqui em Portugal, não é a mesma no Minho e no Alentejo, isso nunca iria resolver nada.

Portanto fica apenas a pergunta : admitindo que é possivel, distorcendo um bocadinho os nossos habitos (que não fazem o monge), addopp'eth'ar a mesma convenção grafica do que nos outros PLOPS, e concedendo que é chato, e maçador, e provavelmente também incomodativo (mas seria muito mais se não tivéssemos ja adoptado uma reforma simplificadora em 1911, cujos grandes principios permanecem incolumes), vale ou não a pena o esforço ?

Eu sinceramente, acho que vale, embora conceda que se trata de um muito pequeno passo na direcção apontada, com que simpatizo, de promover o comércio de palavras (e não so) entre os diversos paises que ainda falam a mesma lingua, e que ainda se reconhecem na mesma cultura, sem nunca ocultar as suas especificidades, antes pelo contrario.

Boas

Ana Cristina Leonardo disse...

Portanto fica apenas a pergunta : admitindo que é possivel, distorcendo um bocadinho os nossos habitos (que não fazem o monge), addopp'eth'ar a mesma convenção grafica do que nos outros PLOPS, e concedendo que é chato, e maçador, e provavelmente também incomodativo (mas seria muito mais se não tivéssemos ja adoptado uma reforma simplificadora em 1911, cujos grandes principios permanecem incolumes), vale ou não a pena o esforço ?

A sua pergunta conduz-me a outra curiosa: que raio de acordo é esse em que basta que assinem 3 países em 8! para ser validado? Ca granda democracia!
Em segundo lugar não há aproximação porra nenhuma (como diriam os brasileiros). O que houve foi uma tentativa de aproximar o português de Portugal ao português do Brasil (os outros, como são pretos, não contam, é isso? granda democracia!)
Por último, não há simplificação nenhuma. Até há invenção de novos vocábulos! ex? Ruptura que tb podia ser rotura no brasil, que agora pode ser de duas maneiras nos dois lados, mas com uma terceira variante: rutura!
E fico-me mesmo por aqui. Não sei o que é que lhe venderam sobre o novo Acordo, mas deixe-me que lhe diga: propuseram-lhe banha da cobra e V. comprou.

Ana Cristina Leonardo disse...

Só mais uma e calo-me já (há que perceber quando nos devemos calar...)

a ortografia é convencional e é perfeitamente impossivel encontrar um sistema isento de incongruências, contradições ou outras bizarrias.

As excepções às regras (convencionais) chamam-se excepções. Não se chamam incongruências, contradições ou outras bizarrias. E mesmo as excepções podem ser explicadas. Até pelo uso (caso de linguiça que não tem trema em portugal, o que não nos impede de pronunciar o u, apesar de não haver razão nenhuma para ter sido retirado no Brasil). Quando as excepções são à-vontade do freguês (ou do Malaca, o que vem dar no mesmo)chamam-se arbitrariedade.

joão viegas disse...

Ola,

Esta cada vez mais dificil discordar do que v. diz, mas ainda assim, vai ver que eu consigo !

Se a questão é sobre o imperativo de encontrar a melhor convenção, aliando exactidão, elegância, simplicidade e fidelidade, estamos inteiramente de acordo.

O padrão que consta do NAO sera criticavel, ok... No entanto, não consigo conceber nenhum que o não fosse. Concordo que o da reforma de 1911 parece mais do que razoavel à luz dos principios enunciados acima (embora também pudéssemos com certeza encontrar incongruências em relação à pratica falada).

Mas se o postulado é, à partida, que o bom padrão deve ser definido como aquele que esta mais proximo da nossa maneira (europeia) de falar, então estamos, por hipotese, perante um exercicio impossivel. Nem vale a pena tentar definir um padrão comum, que implica por definição cedências às outras variantes e, por conseguinte, menor fidelidade à realidade que nos é mais proxima.

Esta postura é a que me preocupa nos criticos do NAO.

Quanto ao resto, ok.

Resta ainda dizer uma coisa. Pessoalmente, o meu interesse no assunto não nasce de um qualquer apego ao NAO, mas de uma curiosidade um pouco teorica, por deformação profissional, em relação à forma de aceitar (ou de resistir a) uma modificação normativa das regras linguisticas (que são uma categoria muito particular de regras éticas e, por vezes, juridicas).

Mas percebo perfeitamente que a conversa seja cansativa e portanto, por favor, não se sinta de maneira nenhuma obrigada a responder.

Ja percebi os seus argumentos. Parecem-me solidos e interessantes e é mesmo por isso que os comento.

Boas

Ana Cristina Leonardo disse...

Um último comentário: há aqui uma questão de fundo que gostaria de deixar clara.
E o problema é: como introduzir na língua as alterações que o tempo/uso lhe vai necessariamente impondo sem assassinar o que está para trás?
Esta reforma, como a anterior (da I República), é profundamente ideológica. A primeira, por demarcação política com a monarquia; esta, motivada por negócios editoriais e outros (políticos) de favorecimento do Brasil (e de mais ninguém).
Mas o que estes pomposos e grandiloquentes gestos reformadores acarretam (sempre feitos em nome da simplificação: ou porque o povo, que é analfabeto, não alcança as piquinhices letradas e há que baixar o nível; ou porque há que aproximar os povos; como se eu não conseguisse ler os escritores brasileiros por causa da ortografia: grande barrete!) é muito mais simples: matam o que fica para trás.
Enquanto um falante escolarizado de inglês lê Dickens, ou um falante francês lê Flaubert, um falante português, sujeito a pomposas revisões ortográficas, não consegue ler sequer Camilo (a não ser em resumo, sublinho, resumo, orograficamente actualizado). Tente o exercício.
E assim, paradoxalmente (nem tudo parece o que é e as coisas são complexas...), o tal heróico progressismo, a tal actualização acelerada - ou seja, que antecede o uso ou se verga ao popularismo e à simplificação - apenas tem como resultado matar a cultura que está para trás. E aniquilar a memória/cultura cultura é um crime imperdoável.
Não quero dizer com isto que as línguas sejam estáticas e intocáveis. Quero dizer que as línguas devem ser tratadas com luvas de pelica, respeitosamente, e não como se fossem uma mercadoria que se usa e de que se abusa como se lidássemos com cebolas, com todo o respeito pelos bolbos (bulbos, no Brasil - e não faço ideia como será agora porque continuo/continuamos à espera do famoso Léxico que o Malaca nunca mais dá à luz).
A mim o que me preocupa é o empobrecimento da língua (quantos escolarizados superiores leêm hoje Maria Velho da Costa sem dicionário ao lado, escritora que, apesar do nome, está viva e recomenda-se?). Isso sim, é um problema.

Bom fim-de-semana (com hífen, naturalmente).

joão viegas disse...

Bom fim de semana,

Esta claro que, a ter de se arbitrar entre as preocupações expressas no seu ultimo comentario, e as vantagens (hipotéticas) de um padrão ortografico unificado, favorecer o contacto com os textos e com a cultura seriam sempre prioridades absolutas.

Polémica à parte, conhece com certeza o Luiz Ruffato. Eu so agora dei pelo delicioso "Estive em Lisboa e lembrei de você", espécie de hino às paixões platonicas por linguas-irmãs, mais ou menos afastadas.

Ja leu ? (Com certeza que ja leu, so mesmo eu para ter ignorado até hoje)

Boas