22/03/13

50 < 8

Francisco Louçã lembrou ontem que uma saída do euro iria desvalorizar os salários em 50%. Em bom português, Louçã disse o óbvio. Com a desvalorização cambial no caso de uma saída portuguesa do euro, se o escudo desvalorizar 50% em relação ao euro, o que antes valia 1000 euros, no dia seguinte vale 500. Perante isto, a Raquel Varela replicou e garantiu textualmente que essa desvalorização já acontece na actualidade...

«Francisco Louçã escreveu hoje que a saída do euro iria desvalorizar os salários em 50% e criar o caos. Merkel diz o mesmo. Esqueceu-se Louçã de escrever que o salário já desvalorizou – quanto: 40%, 50%? – por causa de estarmos no euro»

Nem precisei de grande busca na internet para descobrir que segundo dados do Banco de Portugal, a queda média dos salários de 2010 a 2012 terá andado em torno dos 8%. Segundo as contas publicadas pelo jornal Sol a partir dos dados do BdP a queda média em 2010 terá sido de 0,4%, em 2011 chegou aos 3,6% e para 2012 os dados disponíveis iriam dar qualquer coisa entre os 4,5 e os 5%. Portanto, mais coisa menos coisa, a desvalorização salarial média em Portugal nos últimos 3 anos andou entre os 8 e os 9%.

Assim, se a uma queda média nos salários na ordem dos 8-9% ao longo de três anos a nossa vida já tem sido desgraçada que chegue, devo confessar que não percebo como uma queda imediata de 50% aquando de uma saída do euro seria preferível ou com um impacto inferior ao que se regista actualmente...

 50  <  8 ? Como dizia o outro, "é fazer a conta"...



16 comentários:

Paulo Marques disse...

Não estou convencido pela saída do Euro, mas isso também é só metade da figura.
É que:
1º Há iluminados europeus que querem uma redução de mais 30% no salário dos portugueses;
2º Há iluminados europeus que querem que Portugal saia do Euro depois de estar tudo vendido e destruido;
3º Pode o ordenado médio ter baixado "pouco", mas o rendimento médio baixou muito mais porque não falta gente desempregada e precária;
4º Além disso, há variadíssimas coisas que encareceram e bens essenciais que perderam a qualidade, aumentado a perda de poder de compra;
5º São perdas apenas para os trabalhadores e não são acompanhadas por cortes nos custos para os mesmos.

Não sou economista, mas não me parece que haja recuperação possível com a mesma moeda da Alemanha e demais países desenvolvidos, principalmente com a continuação de políticas europeias que nos levaram a este estado de dependência estrangeira.

Anónimo disse...

Longe de mim querer defender a Raquel Varela, com quem estou quase sempre em desacordo, mas...

a) ignora que essas contas oficiais se referem apenas a salário base e não ao rendimento real dos trabalhadores que em em grande parte constituído por partes variáveis?

b) ignora que muitos trabalhadores perderam, apenas com a redução ou simples eliminação do pagamento de horas extraordinárias e dias feriados metade do seu rendimento?

João Valente Aguiar disse...

Nightwish,

não se trata de um confronto entre portugueses e outros... E a moeda não é alemã. O euro valorizado actuou sobre a débil estrutura económica portuguesa. Esta é a raiz dos problemas e que nem os capitalistas, nem a esquerda portuguesa alguma vez procurou superar. Por isso é que me parece mto curioso que a esquerda nacionalista perca mais tempo a discutir o bom que seria sairmos do euro porque isso iria permitir exportar mais, mas nunca abordam o perfil de baixa e média-baixa componente tecnológica das mesmas. Ou seja, não me parece despiciendo que os defensores do euro só se preocupem com a questão da desvalorização monetária que só serviria para acumular lucros nos sectores capitalistas ligados às exportações de bens transaccionáveis e com baixo valor acrescentado. E que nunca abordem os mecanismos da produtividade. Brevemente sairá um texto meu mais longo sobre este aspecto.

Anónimo das 17:36,

Você acha mesmo que os trabalhadores perderam em média 50% dos salários?? Se não estou enganado, o salário médio em Portugal no ano de 2010 andava em volta dos 800 euros. Acha mesmo que os trabalhadores por conta de outrém (a maioria da força de trabalho em Portugal) que ganhavam 800 anda a receber o equivalente a 400? Claro que há situações terríveis e altamente dramáticas e inqualificáveis. Mas, em termos médios, e mesmo da maioria da população, você tem realmente noção do que é perder metade do rendimento?

As pessoas têm realmente noção do que seria a generalidade dos trabalhadores perder metade do salário? Se assim fosse, alguém acha mesmo que o consumo privado cairia 3% como as últimas previsões apontam? Como a generalidade da população poderia perder metade dos salários e o consumo privado cair "só" 3%??

Para muita gente que se reclama de esquerda eu percebo qual o seu objectivo do malabarismo de dizer que o euro já nos teria açambarcado metade do salário. É a política da terra queimada de quem não tem dificuldades na vida e trata os trabalhadores como uns tipos a conduzir. Mas das pessoas comuns espero que exista um maior nível de racionalidade.

João Valente Aguiar disse...

Adenda, as perspectivas de queda do consumo privado para 2013 são de 3,5% e não de 3%. A diferença é de meio ponto percentual mas fica a nota.

Anónimo disse...

Acho que varia de sector para sequer. E há de facto sectores, como por exemplo a grande distribuição, nos quais os trabalhadores perderam percentagens enormes (próximas dos 40 ou 50%) do valor mensal do seu rendimento.

Repito: essas contas oficiais referem-se apenas a salário base e não ao rendimento real dos trabalhadores que é em grande parte constituído por partes variáveis.


Ass.
Anónimo das 17:36

João Valente Aguiar disse...

De maneira nenhuma nego que não tenham ocorrido casos terríveis de perdas muito violentas e que se aplicam a milhares de trabalhadores. Mas daí a considerar que a maioria dos trabalhadores tenha perdido metade dos salários é totalmente falso.

Miguel Serras Pereira disse...

João,
acho também muito curioso que, excomungando o reformismo do PCP, cuja tropa de choque na caixa de comentários do seu post lhe paga na mesma moeda, a Raquel Varela partilha com o PCP, exacerbando-a até à caricatura, a posição desse partido sobre a questão do euro. O que para o PCP é condição necessária do triunfo das suas posições geoestratégicas é para a Raquel Varela condição necessária e suficiente da sua rubra fantasia apocalíptica.
Mas suponhamos por um momento que, num assomo de lucidez, depois de ler o teu post e mais uma ou outra coisa a propósito, a Raquel Varela se dava conta de que a única via efectivamente anticapitalista é a de uma democratização efectiva das relações de poder da economia política governante e a participação igualitária do conjunto dos trabalhadores e homens e mulheres comuns nas decisões que organizam e regulam a sua existência colectiva. Nesse caso, talvez pudesse compreender também que essa revolução anticapitalista porque democrática exige não a implosão da UE ou a saída unilateral do euro, mas a luta, democraticamente organizada e concebida, pela referida democratização à escala europeia (para começar).

Abraço

miguel(sp)

João Valente Aguiar disse...

«essa revolução anticapitalista porque democrática exige não a implosão da UE ou a saída unilateral do euro, mas a luta, democraticamente organizada e concebida, pela referida democratização à escala europeia (para começar).»

Exactamente Miguel. A questão é mesmo essa.

Um abraço

Sérgio Pinto disse...

Francisco Louçã lembrou ontem que uma saída do euro iria desvalorizar os salários em 50%.

João Valente Aguiar, em parte alguma Francisco Louçã escreve o que você (ou a Raquel Varela) lhe atribuem (a menos que vocês achem que um depósito e um salário são a mesma coisa). O que é curioso é que qualquer dos dois, embora com opiniões opostas, treslêem o texto de forma idêntica. Posto isto, acho que perceberá que o seu post não faz muito sentido.

Sérgio Pinto disse...

Uma adenda - as políticas de desvalorização interna que estão a ser impostas nos países do Sul e na Irlanda (e foram igualmente impostas nos bálticos) visam precisamente diminuir os "custos unitários do trabalho". Ora, posso estar a ver alguma coisa mal, mas parece-me que, no limite, essa desvalorização corresponderá a uma variação semelhante à que estaria subjacente a uma desvalorização cambial (mas demora muito mais a implementar, com os efeitos sobre o desemprego que também se conhecem).

P.S. Não que isto seja relevante para o que referi em cima ou no comentário anterior, parece-me que os 8-9% que indica (pelo conteúdo das notícias) são nominais, pelo que a queda em termos reais terá sido superior.

João Valente Aguiar disse...

Sérgio Pinto,

muito sucintamente. Se Portugal saísse do euro não seriam apenas os depósitos a desvalorizar 50%. Seria o aumento das despesas com importações, seria o retrocesso do investimento estrangeiro em Portugal e seria a emissão de moeda acima da evolução da produtividade que determinariam uma inflação muito superior à actual... E com um custo sobre os trabalhadores muito superior... E nem vou falar do colapso bancário que faria os recentes custos do Estado com o BPN parecer uma coisa de meninos...

Como se uma saída do euro não tivesse repercussões muito mais profundas sobre a economia mundial do que a actual situação... Depois com a degradação ainda mais acentuada das condições de vida por toda a europa, veríamos trabalhadores portugueses a queixar-se que o seu mal era culpa dos alemães. Estes, por sua vez, fariam o mesmo em relação a gregos e portugueses. E por aí fora. Se uma saída do euro é catastrófica economicamente como muitos textos do Passa Palavra têm evidenciado (e que até hoje ninguém os rebateu), e o que afectaria os trabalhadores europeus não satisfaz uma parte da esquerda portuguesa, some-se-lhe então o recrudescer dos nacionalismos. Se no Chipre, o temor das pessoas com o futuro imediato levou a que ontem mesmo se queimassem bandeiras e a que se escrevessem dezenas de cartazes de ódio contra a Alemanha (como se na Alemanha fossem os trabalhadores daquele país que estivessem à frente da UE...), então num caso de uma saída de vários países do euro todo esse desespero nacionalista multiplicar-se-ia exponencialmente. Não me parece que seja o seu caso, mas olhe que há muito boa gente à esquerda que acha que esse é o caminho da purificação rumo à revolução...

Sérgio Pinto disse...

João Valente Aguiar,

Não estou à espera que concorde, mas não acho que haja nada de automático em relação à queda de IDE e à emissão continuada de moeda acima do crescimento dos níveis de produtividade, ou que o aumento de inflação fosse além de um choque inicial associado à desvalorização. Acho que já "falámos" sobre isto antes, e não é meu objectivo dizer que a saída do Euro não traria os seus próprios problemas - embora me pareça claro que há diferenças entre uma saída planeada/negociada e uma saída desordenada.

Sim, é evidente que a possibilidade de derivas nacionalistas é preocupante, e que a Esquerda tem que ter isso em mente. Mas também não acho que essa deriva seja automática ou inevitável. Ao invés, parece-me que dependerá também substancialmente do tipo de governo que liderar o país em que isso aconteça (p.e., uma saída da Grécia liderada pelo SYRIZA, ou uma liderada pela ND, não teriam os mesmo efeitos). Note que eu também prefiro uma solução federalista, e creio que o mesmo seria aplicável a outros proponentes, à Esquerda, da saída do Euro (Ladrões de Bicicletas, Daniel Oliveira, etc.). Mas, 3 anos depois da implementação dos planos de austeridade da Grécia, do seu alastramento a outros países, dos resultados igualmente desastrosos em todos os locais em que foi aplicado, não se vislumbra qualquer espécie de mudança, ou sequer uma assumpção dos erros cometidos, por parte da CE, do BCE, ou do governo da Merkel. Ou seja, não consigo ver grandes razões para estar confiante relativamente a uma solução federalista...

P.S. Menciona num outro comentário que o grande problema é o padrão de baixa/média intensidade tecnológica (e, presumo, de valor acrescentado) das exportações portuguesas, algo com que concordo inteiramente (e, curiosamente, esse assunto também foi abordado várias vezes pelos Ladrões). Mas uma moeda sobrevalorizada, juntamente com a perda de autonomia monetária e fiscal, dificilmente permitirão a adopção de políticas que invertam essa situação. Em todo o caso, tenho todo o interesse em ler o seu artigo que você promete para breve.

João Valente Aguiar disse...

Sérgio Pinto,

só uma nota muito rápida. A única forma de se modernizar a economia portuguesa num âmbito europeu federal é só uma: exigir transferências por parte da UE directamente para remodelar a estrutura produtiva. A esquerda da América Latina sempre teve isso em pauta, não percebo porque a europeia não a considera importante. Medo de parte dela (sobretudo a ligada ao PC e a organizações marxistas de extrema-esquerda) de que isso desse cabo dos seus planos mais directamente nacionais (e nacionalistas)?

João Valente Aguiar disse...

Outra nota mto rápida para reflexão. Vários economistas que defendem a saída do euro vêm sempre com a conversa de que o euro já estava fadado ao fracasso porque a zona euro não era uma zona monetária óptima... Mas por acaso o Brasil ou os EUA tb são?? Por acaso a diferença de desenvolvimento entre o Roraima e o estado de São Paulo é inferior à do Baden-Wurtemberg com o Alentejo?? Ou do Arcansas com as zonas mais desenvolvidas da Califórnia?? A moeda única surgiu como passo seguinte de resposta a problemas que o projecto económico europeu se defrontava (vd. http://passapalavra.info/?p=55658).

Uma coisa é não se terem criado condições institucionais, fiscais e orçamentais de coesão da eurozona para que o euro não estivesse na situação em que está. Outra coisa é achar que uma moeda só se pode aplicar a zonas monetárias óptimas. São dois aspectos distintos e que muita gente competente se esquece de distinguir.

Sérgio Pinto disse...

João Valente Aguiar,

Apenas alguns comentários aos assuntos que levanta:

- Transferências da UE para remodelar a estrutura produtiva seria uma boa política, sim. Mas acho que ambos sabemos que este tipo de políticas não está no topo das prioridades neste momento (o que não implica que não seja um objectivo válido).

- Em relação às Zonas Monetárias Óptimas (ZMO), acho que está a misturar conceitos diferentes. ZMOs normalmente referem-se à mobilidade inter-regional de factores (especialmente o factor "trabalho") e a integração fiscal. E estas condições, como sabemos, os EUA ou o Brasil cumprem, e a UE não. O que o JVA está a referir são desigualdades ou assimetrias intra-nacionais, mas isso é um tópico bastante diferente (a título de curiosidade, a principal fonte de desigualdade de rendimento nos EUA é intra-estados, e não inter-estados, ao contrário da UE).

Em todo o caso, a comparação com os EUA é bastante ilustrativa, dada a mobilidade laboral que existe entre cada um dos 50 estados, e que não existe na UE (é muito mais fácil para alguém da Florida mudar-se para a California do que para um Grego mudar-se para a Finlândia). Igualmente importante é o facto de estabilizadores automáticos dependerem do governo federal, pelo que, se um estado sofre um qualquer impacto negativo e assimétrico que, por exemplo, aumente a taxa de desemprego, os subsídios de desemprego são uma transferência incorrida pelo governo federal (enquanto que na configuração actual da UE são uma obrigação de cada país, que ainda por cima é forçado a medidas contraccionárias). O mesmo se aplica à falta de integração bancária, por exemplo, dado que os custos de intervir no sistema bancário, em caso de crise, são incorridos pelos governos nacionais, no caso da UE (ao contrário do que acontece nos EUA, onde tais intervenções dependem novamente de instituições federais). Sobre este tema, Paul Krugman colocou um texto no seu blog que explica bastante bem a problemática relativa às ZMOs: http://krugman.blogs.nytimes.com/2012/06/24/revenge-of-the-optimum-currency-area/.

- Em relação ao artigo do Francisco Louçã que suscitou este post, vale a pena ler também o que escreveu Jorge Bateira: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2013/03/uma-questao-incomoda.html.

João Valente Aguiar disse...

Descontando o último ponto, creio que, no fundamental, subscrevo tudo o que escreveu. E que grande parte do que escreveu só fortalece a hipótese de uma federalização europeia (se esta se vier a concretizar, o que não é líquido). Ou seja, só há motivos para que a UE caminhe para uma integração fiscal, orçamental e do mercado de trabalho como muito bem mencionou. Infelizmente, ainda faltará um longo caminho para isso.