11/03/13

Boaventura, Chávez, os "pobres" e a democracia

Ao que parece Boaventura Sousa Santos sente-se feliz — e, generoso, quer compartilhar com os discípulos a sua felicidade — por Chávez ter citado aprovadoramente a sua definição do socialismo como "democracia sem fim". E retribui o cumprimento, falando do "sentido político da sua governação [dele, Chávez] governação, inequivocamente a favor dos pobres", etc. etc.

O problema é que a democracia — e por maioria de razão, o "socialismo", entendido como reiteração ou explicitação do seu conteúdo — não é um regime de governação carismática a favor dos pobres, mas a conquista pelos pobres, e o conjunto dos cidadãos, da participação igualitária nas decisões dos poderes que os governam, o que exige à partida — ou como ponto de partida — a cidadania governante, a democratização do mercado, bem como, a montante, a dos "salários" e rendimentos e da direcção da economia (tanto a nível macro como micro).

Não há "alta intensidade" que possa conciliar a simples democracia — e não a "democracia sem fim"  cuja imprecisão reveladora e cujos contornos vagos e elásticos, mas não menos reveladores, reduzem a mais uma mistificação de sabor teológico do "pós-modernismo de resistência" — nem com as hierarquias dos regimes oligárquicos representativos nem com a desigualdade de poder de um regime em que um é mais livre — porque pode e dispõe mais — do que todos os outros, e, portanto, também incomensuravelmente mais do que os "pobres" a favor dos quais diz governar, quando mais não faz que reforçar a sua dependência e explorar a menoridade que herdaram como condição.

2 comentários:

Marcos Pais disse...

Caro MSP,

pergunto-me se os conselhos comunais venezuelanos não são um caminho para "a participação igualitária nas decisões".

"Un consejo comunal es una forma de organización de la comunidad donde el mismo pueblo es quien formula, ejecuta, controla y evalúa las políticas públicas, asumiendo así, el ejercicio real del poder popular, es decir, poniendo en práctica las decisiones adoptadas por la comunidad."

Se funcionam ou não, é outra questão, vejamos se o Maduro consegue ganhar as eleições e continuar a revolução bolivariana.

Recordo que em Portugal temos a Rede Social e as Comissões Sociais de freguesia/inter-freguesias, para debate e acção concertada anível local, entre poder local, associações e pessoas individuais. Se estas comissões se limitam a organizar chás para idosxs, é porque as pessoas que nelas participam não conseguem ver mais além. Enquanto isso, os movimentos sociais continuam a manifestar-se nas ruas (também é preciso, claro) mas vê-los nestas comissões a organizarem-se com o resto da população, não os vejo (se o fazem,não dizem nada).

Cumprimentos

Marcos Pais

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Marcos,
boa pergunta, mas à qual Você já responde implicitamente.
A questão é mesmo se os "conselhos", os "sovietes", as assembleias do governo dos cidadãos, funcionam ou não. E é difícil que funcionem sob a égide de um poder apostado na sua própria absolutização, e num regime cujas decisões que contam são ditadas pela corte do chefe, verdadeira vanguarda de uma nova camada dirigente de gestores, comissários, chefes e capatazes diversos, visando substituir-se às fracções oligárquicas anteriores. A "participação dependente" e "subordinada" é a subordinação das formas democráticas, e, na realidade, aponta para a extensão de uma "servidão voluntária" que é o contrário da democracia.

Quanto à última parte do seu comentário, perfeitamente de acordo.

Codialmente

msp