Na sequência do que tem sucedido nas últimas semanas, deixo aqui a ligação para o
sétimo artigo do João Bernardo da sua série escrita sobre a ideologia ecologista. O sexto artigo sobre as duas concepções antagónicas de Malthus pode, por sua vez, ser encontrado
aqui.
Na medida em que as respostas aos artigos aqui publicados têm-se baseado na mera leitura descontextualizada de excertos, ou pior ainda, a partir de respostas circunstanciadas nas caixas de comentários (onde um comentador que nada entende de economia chegou a defender que nem era preciso ler os textos para se saber do que tratavam...), coloco abaixo o artigo na íntegra, publicado anteriormente no
Passa Palavra.
Tudo se passa como se Robert Malthus nunca tivesse escrito os Principles of Political Economy, porque o fantasma do modelo demográfico exposto em An Essay on the Principle of Population continua a pairar e é ele que, graças aos ecologistas e aos seus lobbies, alimenta os pavores da nossa época.
1.
Fundado em 1968, o Clube de Roma antecipou o movimento ecológico posterior quer no catastrofismo quer nas presunções mal sucedidas.
Um dos aspectos mais interessantes do livro de Bjørn Lomborg é chamar a atenção para o facto de os ecologistas apresentarem projecções como se fossem previsões. Uma projecção consiste em prolongar no futuro a tendência de desenvolvimento verificada hoje para um certo processo, ou para um número reduzido de processos, partindo do princípio de que as tendências de desenvolvimento dos restantes processos se manterão inalteradas, de modo a detectar o ponto a partir do qual a situação se torna insustentável. Trata-se de um instrumento de planificação muito útil para calcular as contramedidas necessárias e onde elas devem incidir. Mas por isto mesmo podemos estar certos de que a projecção, pelo simples facto de ser tomada em conta, nunca corresponderá ao que se há-de passar, porque suscitará intervenções correctivas. Em suma, a projecção constitui um dos elementos de um processo global de mudanças, indicando as áreas para onde se torna urgente dirigir os investimentos, a pesquisa científica e a sua aplicação prática. A previsão, por seu lado, procura abarcar o conjunto de factores e os seus contra-efeitos recíprocos, considerando que, precisamente porque foi alertada, a sociedade tende a alterar os problemas denunciados pelas projecções.
O Clube de Roma, no entanto, apresentou projecções como se fossem previsões e o movimento ecológico segue na mesma linha. É um método intelectualmente leviano e cientificamente desprovido de validade, mas quando é empregue pelos lobbies e pelos jornalistas surte os efeitos desejados. Apavora as pessoas, e o medo colectivo é um dos meios mais eficazes de condução política. Todos os demagogos o usam.
«O nosso modelo mundial», preveniram logo de entrada os autores de um célebre relatório do Clube de Roma, The Limits to Growth (Os Limites do Crescimento), publicado há mais de quarenta anos, «foi especificamente construído para pesquisar cinco das mais importantes tendências que constituem uma preocupação global — industrialização acelerada, rápido crescimento populacional, subnutrição generalizada, exaustão de recursos não renováveis e deterioração do ambiente» (págs. 26-27). Com uma tal selecção de factores, as conclusões estavam pré-determinadas, já que o modelo não levou em conta o ritmo de inovação científica e tecnológica. Por isso os autores do relatório puderam escrever que, se aquelas cinco tendências «continuarem sem alteração», «os limites do crescimento neste planeta serão atingidos em algum momento nos próximos cem anos» (pág. 29). «Podemos dizer com uma certa segurança», destacaram em itálico, «que, assumindo que não haja mudanças substanciais no actual sistema, o crescimento populacional e industrial parará sem dúvida no próximo século», ou seja, no século em que nós estamos agora a viver, «o mais tardar» (pág. 132). Talvez antes ainda, pois «suspeitamos, com base no conhecimento actual das restrições físicas do planeta, que a fase de crescimento não possa continuar por mais cem anos» (pág. 188), o que nos deixaria menos de sessenta anos a nós agora. O fim está próximo, porque os autores do relatório consideraram que «os curtos prazos necessários para a duplicação de muitas das actividades humanas, combinados com as quantidades imensas que estão a ser duplicadas, levar-nos-ão perto dos limites do crescimento dessas actividades numa data surpreendentemente breve» (pág. 97).
Vejamos um exemplo para uma matéria-prima fundamental. The Limits to Growth considerou que, admitindo que não fossem descobertas novas reservas de petróleo e que o consumo permanecesse idêntico ao do momento da projecção, o petróleo duraria 31 anos, ou seja, ter-se-ia esgotado em 2003. Se se admitisse, porém, que o consumo cresceria exponencialmente consoante a taxa média de crescimento anual verificada no momento da projecção, o prazo de duração desceria para 20 anos, terminando em 1992. Continuando a admitir-se que o consumo cresceria exponencialmente de acordo com a taxa referida, mas admitindo-se por outro lado que as reservas conhecidas quintuplicariam, o prazo de duração dilatar-se-ia para 50 anos, o que significa que, de acordo com este cálculo mais favorável, daqui a 9 anos o petróleo do planeta haveria de esgotar-se (pág. 66). Quanto ao gás natural, admitindo a hipótese mais favorável, de que o consumo aumentaria consoante a taxa de crescimento média anual verificada no momento da projecção e as reservas conhecidas quintuplicariam, os autores do relatório previram que se esgotaria dentro de 8 anos, em 2021 (pág. 66). Se estas conjecturas são hoje risíveis para mim e para alguns — poucos — leitores, isto não deve alimentar-nos ilusões. O fracasso das profecias do Clube de Roma não serve para abrir os olhos aos seus seguidores pela mesma razão por que o fracasso dos sucessivos anúncios do Fim dos Tempos não afasta os fiéis das Igrejas apocalípticas.
Sem levarem em conta as possibilidades de inovação científica e de transformação tecnológica, os autores do relatório do Clube de Roma abstiveram-se de indicar que, se aplicássemos a mesma metodologia a qualquer época histórica, chegaríamos à conclusão de que já não existíamos há muito. Para limitar-me a um exemplo que me é familiar, se a taxa de desbravamentos e abate de árvores e de consumo de madeira que começou a verificar-se no regime senhorial europeu a partir mais ou menos do século XIII continuasse sem alteração, em algum momento dos séculos seguintes, possivelmente no século XVIII, aquela sociedade ou se teria extinguido ou se teria precipitado para níveis muito rudimentares. Na realidade sucedeu o contrário e o carvão, o ferro e o aço vieram resolver a crise da escassez de madeira, elevando o crescimento económico para patamares antes inimagináveis.
Prevendo este tipo de objecções, os autores de The Limits to Growth recorreram a um argumento de valor metodológico duvidoso e que pode aplicar-se a tudo, o de que pelo facto de algo ter existido sistematicamente até agora não se deve deduzir que continue a existir. Neste caso, vituperaram o «optimismo tecnológico» e pretenderam que «a tecnologia pode mitigar os sintomas de um problema sem atingir as causas fundamentais» (pág. 159). Mas se a tecnologia permitir que a sociedade viva duravelmente com um problema, então isto significa que o problema deixou socialmente de se fazer sentir e que, portanto, já não é um problema. «A aplicação da tecnologia às pressões naturais exercidas pelo ambiente contra qualquer processo de crescimento teve tanto êxito no passado que toda uma cultura se desenvolveu em torno do princípio de lutar contra os limites em vez de aprender a viver com eles», lemos em The Limits to Growth. «Esta cultura foi reforçada pela aparente imensidão da terra e dos seus recursos e pela relativa pequenez do homem e das suas actividades. Mas a relação entre os limites da terra e as actividades do homem está a mudar» (págs. 156-157). Para que esta relação se altere é indispensável a intervenção dos ecologistas e dos seus lobbies, que generalize uma tecnologia de novo tipo, voltada exclusivamente para limitar ou inverter o crescimento económico. «Acreditamos firmemente», anunciaram os autores do relatório, «que muitos dos desenvolvimentos tecnológicos aqui mencionados — reciclagem, dispositivos de controlo da poluição, anticoncepcionais — serão absolutamente vitais para o futuro da sociedade humana se forem combinados com travões deliberados ao crescimento» (pág. 160). Do mesmo modo que mostrei, no quinto artigo desta série, que a crítica de Georgescu-Roegen à formulação boltzmanniana da entropia partiu do postulado da escassez, que era para ele um axioma e não uma conclusão, também aqui detectamos o gato com o rabo de fora que revela o motivo prático de uma ideologia. O fundamental para os ecologistas é a inversão do progresso económico. Para o Clube de Roma a tecnologia não é válida enquanto se destina a propiciar o crescimento económico e só passa a sê-lo quando tem como objectivo limitar o crescimento.
O mais importante nisto tudo são as consequências sociais da limitação do crescimento. Para o Clube de Roma e para todos os ecologistas o problema consiste nas pressões que a procura exerce sobre os recursos naturais, quer a procura resulte do crescimento demográfico quer do crescimento salarial. Assim, de nada valeria travar o aumento da população se continuasse irrestrito o aumento dos salários e a melhoria do nível de vida, o que significa que a travagem dos salários é uma consequência imediata dos limites do crescimento. No entanto, para atenuar no âmbito mundial a onda de protestos que tal medida não deixaria de suscitar, o Clube de Roma propôs aos «países economicamente desenvolvidos» que «encorajem uma desaceleração do crescimento do seu próprio output material, enquanto ao mesmo tempo ajudam as nações em desenvolvimento a fazer as suas economias progredir mais rapidamente» (pág. 198). Encontra-se aqui uma convergência perversa com o que se tem realmente passado nos últimos anos, pois ao mesmo tempo que a crise nos centros mais desenvolvidos levou as suas economias a entrar em recessão e a taxa de aumento dos salários a diminuir ou tornar-se negativa, alguns países até há pouco considerados de periferia avançaram para primeiro plano e aumentaram a sua massa salarial e o seu mercado interno. Mas a coincidência é ilusória, porque se chegou a esta situação não através do decrescimento mas, pelo contrário, graças ao crescimento global, que levou a uma reorganização geoeconómica.
2.
A demagogia imbuída no modelo usado em The Limits to Growth desvenda-se quando lemos que «o crescimento efectivo da economia e da população depende de factores como paz e estabilidade social, educação e emprego e progresso tecnológico constante». E por que motivo eles não foram levados em consideração? «Estes factores são muito mais difíceis de avaliar ou de prever. Nem este livro nem o nosso modelo mundial neste estádio do seu desenvolvimento podem lidar explicitamente com estes factores sociais, excepto na medida em que as nossas informações acerca da quantidade e da distribuição dos meios físicos [physical supplies] possa indicar eventuais problemas sociais futuros» (pág. 55). Isto quer simplesmente dizer que as implicações positivas das inovações não foram levadas em conta e só se consideraram as implicações negativas. Aliás, para os autores do relatório o carácter nocivo do progresso técnico vem desde a sua origem e, portanto, não data apenas da sociedade industrial. Escreveram eles que «nenhuma nova tecnologia é espontânea ou desprovida de custos» (pág. 63). Claro que não, mas a questão consiste em comparar os custos dessa tecnologia com a redução de custos dos processos produtivos para os quais ela serve. Ora, como os autores do relatório não conseguiram «agregar e generalizar as implicações dinâmicas do desenvolvimento tecnológico, porque sectores do modelo muito diferentes dão lugar a diferentes tecnologias e são influenciados por elas», explicaram tranquilamente que «no modelo mundial não existe uma variável única chamada “tecnologia”» (pág. 138).
O que The Limits to Growth trata como tecnologia e técnica é o mero prolongamento dos meios já existentes. Tendo excluído os factores sociais, que inspiram à criatividade científica e tecnológica o seu maior escopo, e tendo considerado nas novas técnicas apenas os problemas que levantam e não aqueles que solucionam, o relatório do Clube de Roma pôde concluir que no seu modelo mundial «a aplicação da tecnologia a problemas patentes de esgotamento dos recursos ou de poluição ou de escassez alimentar não tem impacto sobre a questãoessencial, que é a do crescimento exponencial num sistema finito e complexo» (pág. 152).
Isto significa que The Limits to Growth apresenta uma lista de problemas e dispensa-se de considerar precisamente o único factor que leva à sua solução, aquilo que Ehud Keinan denominou «o carácter totalmente imprevisível da ciência» (pág. 2669). Para ilustrar esta imprevisibilidade Keinan mostrou que até especialistas com a mente aberta ao progresso científico foram incapazes de antecipar descobertas de importância crucial. «A maioria das grandes invenções do século XX que mudaram para sempre as nossas vidas surgiu por acasos felizes», observou ele, recordando o sucedido com a comissão de peritos convocada em 1937 pelo presidente Franklin D. Roosevelt com o objectivo de o esclarecer acerca das descobertas técnicas e industriais importantes que podiam esperar-se para as duas ou três décadas seguintes. «A comissão Roosevelt não conseguiu prever nenhuma das principais descobertas, incluindo a energia nuclear por fissão e fusão, o radar, os lasers, os transístores, os circuitos integrados, as imagens de ressonância magnética, a tomografia, os computadores pessoais, os discos laser, os discos compactos, os aviões a jacto, os foguetões, as viagens espaciais, as máquinas de fax, os telefones móveis, a radiação sincrotrónica, o polietileno, o polipropileno e a maior parte dos outros polímeros, a conversão do gás natural em combustível líquido, os antibióticos, a biotecnologia, a engenharia de proteínas, a estrutura do DNA, a genética molecular, a genómica, os anticorpos monoclonais, a pílula anticoncepcional, a cirurgia de substituição de órgãos [spare-part surgery] e o sistema de posicionamento global (GPS) — a lista é interminável» (pág. 2669).
Mais próximo da realidade esteve um profissional da imaginação, decerto por isto mesmo. Num
artigo de 1964, Isaac Asimov descreveu o que seria uma feira mundial de tecnologia passados cinquenta anos, daqui a poucos meses, portanto. Falhou espectacularmente ao conceber que as cidades tenderiam a ser subterrâneas, libertando o solo para a agricultura, e ao prever que a produção alimentar iria aproveitar as algas, uma previsão que já Josué de Castro havia feito e que os ecologistas esquecem hoje, para poderem mais comodamente certificar-nos de que em breve faltará comida. Também errou quando previu que os reactores de fissão nuclear abasteceriam bastante mais de metade das necessidades mundiais de energia e que já existiriam em fase experimental um ou dois reactores de fusão nuclear, e imaginou que a captação e produção de energia solar seria feita em grandes centros, não antecipando a sua dispersão. Mas Asimov conjecturou acertadamente que os computadores se tornariam cada vez mais complexos, capazes mesmo de efectuar traduções, e antecipou a sua miniaturização, que lhes permitiria «servir de “cérebro” a robots». E previu igualmente que os telefones e outros meios de comunicação juntariam o som e a imagem e que os écrans (ou telas, como se diz no Brasil) reproduziriam fotografias, documentos e livros. Resumindo esta linha de previsões, Asimov escreveu que «o ser humano continuará a distanciar-se da natureza para criar um meio ambiente que lhe seja mas adequado». E podemos fazê-lo porque, como escreveu Ehud Keinan, «ao contrário do que sucede com os recursos naturais, a imaginação e a criatividade não têm limites» (pág. 2669).
Em The Limits to Growth a omissão dos processos de descoberta científica e desenvolvimento tecnológico, bem como dos factores sociais que os sustentam, tem implicações mais graves ainda. «O modelo», explicaram os autores desse relatório, «contém enunciados dinâmicos apenas sobre os aspectos físicos das actividades humanas. Ele parte do princípio de que as variáveis sociais […] continuarão a obedecer aos mesmos padrões a que têm obedecido em todo o mundo na história recente» (pág. 149). Excluindo das suas projecções a transformação social, além da actividade científica e do desenvolvimento tecnológico, The Limits to Growth tem um interesse único, o de mostrar o que nos aconteceria se a criatividade humana parasse. Como tal, e se tivesse sido bem escrito, poderia ser uma obra de ficção, uma distopia que fizesse reflectir. Mas nem isso.
O perigo é que este relatório, de que se venderam trinta milhões de exemplares traduzidos para cerca de trinta línguas, e os muitos mais milhões de páginas que prosseguiram no mesmo rumo pretendem influenciar as decisões políticas e os comportamentos individuais, o que significa que os ecologistas e os partidários da teoria do decrescimento querem impor à sociedade o mesmo sistema que resultaria se perdêssemos a capacidade de inovação. Querem ditar as nossas vidas e policiar a natureza de acordo com um modelo que exclui a criatividade científica, tecnológica e social. Como isto é tudo o que nos separa dos formigueiros e das colmeias, o objectivo dos ecologistas fica claro.
3.
A noção de que existem limites naturais, de que a natureza tem um termo e de que a actividade económica consiste em gastar elementos de uma soma total finita é um postulado básico dos ecologistas. The Limits to Growth mencionou «um facto simples — a terra é finita. Quanto mais uma actividade humana se aproximar dos limites da capacidade da terra para a sustentar, tanto mais as escolhas [trade-offs] se tornam patentes e irresolúveis» (págs. 93-94). «Dado o stock de recursos não renováveis, finito e em diminuição, e o espaço finito do nosso planeta», escreveram também os autores daquele relatório (pág. 194).
Subjacente a este postulado há uma noção mais fundamental, a de que a actividade humana é apenas depredatória e não criadora. Trata-se, afinal, do contraste entre os dois Malthus, o de An Essay on the Principle of Population e o dos Principles of Political Economy, trata-se de saber se a procura tenderá sempre a ultrapassar uma oferta natural limitada ou se, pelo contrário, existe o risco de a procura não corresponder a uma capacidade de produção crescente. Evocar o «crescimento exponencial num sistema finito», como fez o Clube de Roma (pág. 152), é ocultar que a sociedade humana assimilou a natureza e que o crescimento exponencial significa, muito simplesmente, que a humanidade amplia os limites da natureza. A noção de que o crescimento exponencial, com o progresso científico que lhe é inerente, esgota o planeta é unidimensional, porque este crescimento, além de trazer consigo novas possibilidades de resolução dos problemas, desvenda na natureza espaços de acção sem precedentes. Basta uma elementar reflexão sobre a vida quotidiana para verificar que todos nós hoje vivemos num meio que foi criado por um progresso técnico e científico multimilenário. Os mais desatentos confundem o que é antigo com o que é natural e esquecem-se de que esses vegetais e animais domesticados que consideram naturais resultam tanto de manipulações humanas como resultam os geneticamente modificados em laboratórios e indústrias. A palavra artificialsignifica apenas uma coisa — a natureza expandida pelo engenho humano.
Para além de todas as críticas que fiz, em livros e artigos, à mitificação da natureza, como se existisse natureza independentemente da acção humana — a coisa em si kantiana — há ainda a considerar que a acção humana amplia a natureza. Hoje nós conhecemos uma natureza muitíssimo mais vasta e mais profunda do que outros povos e sociedades conheceram. A ciência não permite apenas dominar a natureza, permite ampliar a natureza que dominamos e, por conseguinte, extrair mais dela. É este o sentido do crescimento económico. A história da relação da sociedade com a natureza é a história não do esgotamento mas da multiplicação da natureza. Não se trata de tirar coisas de um saco até que o saco fique vazio. A relação da sociedade com a natureza é a de criar e multiplicar, e quando se tira é com o objectivo de multiplicar.
Esta acção multiplicadora da sociedade sobre a natureza podia ser pouco perceptível em épocas em que o progresso foi mais lento, e cabe aqui uma curta reflexão sobre a noção de mudança, de transformação. Parménides, um filósofo grego que nasceu no sexto século antes da nossa era, pôs em causa a existência do movimento não só no espaço mas igualmente no tempo, negando tanto a origem e a extinção como a própria transformação, com o argumento de que, se o não-ser não tinha existência, era impossível a passagem do ser ao não-ser, e inversamente. Mudar era deixar de ser ou deixar de estar, e esta existência negativa era para Parménides uma impossibilidade. O raciocínio é muito interessante no plano lógico, mas o que aqui exclusivamente importa é chamar a atenção para o facto de nessa época as mutações da realidade não serem tão patentes que por si só excluíssem qualquer consideração que as pusesse em causa. Para resolver o problema levantado por Parménides, Anaxágoras, um filósofo grego um pouco posterior, defendeu que cada substância continha partes de todas as outras substâncias; segundo as suas palavras, «em todas as coisas há uma parte de todas as coisas». A negação da existência de corpos puros ou partículas indivisíveis permitia a Anaxágoras sustentar que nada aparecia nem desaparecia, ocorrendo apenas a redistribuição das partes nas coisas já existentes.
De certo modo, o conhecido lema de Lavoisier, «na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma», foi uma actualização, com os dados da nova química, das ideias de Anaxágoras. Mas de certo modo apenas, porque Anaxágoras colocara o acento tónico na noção estática de partilha recíproca enquanto Lavoisier considerou o problema pelo lado dinâmico da transformação. Foi esta perspectiva que de então em diante se desenvolveu, e a ciência e a indústria modernas inseriram-se consciente e sistematicamente nestes ciclos, de modo a alterá-los e potencializar os processos de transformação. Neste contexto compreendeu-se que transformação é criação. É assim que a ciência e a indústria modernas permanentemente ampliam a natureza.
4.
Se recordarmos agora o modelo defendido por Malthus em An Essay on the Principle of Population, deduzimos que a condição para que pudesse ter-se efectivado o crescimento exponencial da população e, com ela, de toda a economia, era que a agricultura acompanhasse ou ultrapassasse esse ritmo de crescimento. Hoje, nos países mais desenvolvidos, só cerca de 2% da população se dedicam à agricultura, e o grau de produtividade conseguido pela aplicação da ciência e da indústria é tal que esta fracção mínima da população produz bens agrícolas suficientes não só para o mercado interno mas igualmente para ocupar uma posição dominante nas exportações. Aliás, o grau de produtividade é maior ainda do que as estatísticas do comércio indicam, porque, para impedir que os preços desçam a um nível que retiraria aos agricultores o incentivo para cultivarem, na União Europeia uma parte dos géneros agrícolas é armazenada para não entrar no mercado e nos Estados Unidos são concedidos subsídios para que parte das terras não seja cultivada. Assim, os norte-americanos gastam mais terra e água em relvados (gramado, para os brasileiros) dedicados aos ócios do que em todo o conjunto das outras culturas de irrigação, incluindo pastos.
Bastam estes breves apontamentos para indicar que mesmo nas condições técnicas actuais a capacidade potencial de produção de alimentos e matérias-primas agrícolas é muito superior à oferta efectiva. Recentemente, o World Resources Institute, usando dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), chegou à conclusão de que a produção mundial de alimentos ultrapassou a procura mundial. Tal como escreveu o
Inter-Departmental Working Group on Organic Agriculture da FAO, «a produção mundial de alimentos é mais do que suficiente para alimentar a população mundial, o problema é levá-la onde as pessoas precisam». Estão reunidas as condições técnicas para que a humanidade afaste o medo da fome e se dedique a outras actividades, e isto só não sucede por motivos sociais.
Pode assim avaliar-se em toda a dimensão a estratégia dos ecologistas quando dirigem um dos seus principais ataques contra os agentes químicos e biológicos que têm assegurado a alta produtividade da agricultura contemporânea. Segundo os cálculos de Ray Elliott, se fossem dispensados os produtos químicos usados para a protecção das culturas, teria de se aumentar mais de duas vezes e meia a área total cultivada para obter o mesmo volume de produção. E àqueles leitores indignados que me objectarem que Elliott é um dos chefes da investigação científica da Syngenta, respondo que o fundador do Clube de Roma, Aurelio Peccei, foi um dos principais gestores da Fiat e depois da Olivetti, além de ser um promotor de investimentos transnacionais, e que foi a Fundação Volkswagen que subsidiou a pesquisa necessária à elaboração de
The Limits to Growth. Ficamos empatados? O importante, porém, é que vão no mesmo sentido da estimativa de Elliott declarações de cientistas como Jonathan A. Foley,
no sitede Mark Lynas, onde afirmou que «pode dizer-se que os sistemas orgânicos precisam de mais terra do que os seus congéneres convencionais», o que Lynas reforçou escrevendo que «no que diz respeito ao uso da terra, a agricultura orgânica é consideravelmente menos eficiente do que a convencional». E Tomek de Ponti
et al. admitiram igualmente que «alimentar o mundo com a agricultura orgânica pode exigir mais terra do que com a agricultura convencional» (pág. 1). Os pesticidas são um dos factores indispensáveis à obtenção de um maior volume de produção agrícola por área.
A estratégia usada pelos ecologistas contra os pesticidas é a mesma já empregue pelo Clube de Roma em The Limits to Growth — insistir nos efeitos negativos das técnicas, esquecendo os problemas que essas técnicas vieram solucionar e escamoteando a acção dos laboratórios científicos para corrigir os problemas existentes e abrir novos campos de actuação. Os ecologistas encontram sempre os mais variados pretextos para recusar quaisquer técnicas que aumentem a produtividade e o resultado, neste caso como em todos os outros, é um único — rebaixar as condições de vida da população e fazer-nos transitar de um mundo onde em boa medida vigora o modelo exposto por Malthus nos Principles of Political Economy para um mundo que se aproxima sombriamente de An Essay on the Principle of Population.
O mesmo se passa com outro dos factores económicos centrais, a energia. Das épocas históricas que estudei, não conheço nenhuma que tivesse recorrido a uma tão grande diversidade de fontes de energia como a sociedade industrial contemporânea, o que contribui para a segurança e a estabilidade das condições gerais de produção. Aliás, a falsidade da noção de que a natureza tem limites revela-se aqui de maneira patente, porque estão em uso várias fontes de energia inesgotáveis, algumas a que a humanidade recorre desde há muito, como o movimento das águas e do vento, aproveitadas hoje com uma produtividade incomparavelmente superior, e outras de uso humano recente, como a energia solar.
Ainda na esfera da energia, além da pluralidade de fontes estão hoje também disponíveis técnicas com uma extraordinária capacidade multiplicadora, como é o caso da energia nuclear. A respeito de uma das principais preocupações dos ecologistas,The Limits to Growthconsiderou que «se as necessidades energéticas da humanidade forem algum dia supridas pela energia nuclear em vez de combustíveis fósseis, acabará por se pôr termo a este aumento de CO2 na atmosfera, esperemos que antes de ter tido quaisquer efeitos ecológicos ou climatológicos perceptíveis». Mas este excelente argumento não levou os autores do relatório a apoiar o uso daquele tipo de energia, porque acrescentaram que «a energia nuclear produzirá, no entanto, um poluente de outro tipo — resíduos radioactivos» (pág. 86). Quando uma nova técnica resolve um problema, os ecologistas concentram-se nos seus efeitos secundários negativos, em vez de desenvolverem a pesquisa científica no sentido de anular tais efeitos, neste caso investindo nos projectos de fusão nuclear para substituir a fissão. O objectivo da crítica dos ecologistas é invariavelmente travar o progresso técnico e encetar o decrescimento económico.
Referências
O livro de Bjørn Lomborg é: The Skeptical Environmentalist. Measuring the Real State of the World, Cambridge: Cambridge University Press, 2001. O relatório do Clube de Roma é: Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III, The Limits to Growth. A Report for the Club of Rome’s Project on the Predicament of Mankind, Nova Iorque: Signet, 1974 (a primeira edição data de 1972). O artigo referido de Ehud Keinan é: «Gloomy Forecast for the Prophets of Apocalypse and Bright Forecast for Chemists», Angewandte Chemie International Edition, vol. 52, nº 10, 2013. O artigo de Isaac Asimov é: «Visit to the World’s Fair of 2014», The New York Times, 16 de Agosto de 1964. A citação de Anaxágoras encontra-se em Jean-François Revel, Histoire de la Philosophie Occidentale de Thalès à Kant, Paris: Nil, 1994, pág. 79. O cálculo de Ray Elliott encontra-se em Sarah Houlton, «Feeding a Growing World»,Chemistry World, Junho de 2012. O artigo de Tomek de Ponti et al. é: Tomek de Ponti, Bert Rijk e Martin K. van Ittersum, «The Crop Yield Gap between Organic and Conventional Agriculture», Agricultural Systems, nº 108, 2012 .