24/12/13

Competição e autonomia

Na discussão entre o Hugo Mendes e o Alexandre Homem Cristo sobre a queda dos resultados educativos na Suécia, o segundo aventa a hipótese de que a causa mais provável esteja na autonomia ("não enquadrada") das escolas, e não tanto na competição.

Mas o ponto da competição entre escolas não é exactamente competição entre modelos educativos diferentes? Logo não me parece que faça grande sentido separar a "competição" da "autonomia"; ou melhor, não é muito difícil ter "autonomia" sem "competição" - a escola em que eu cresci (1979-1991) era mais ou menos isso - um sistema de ensino público, em que os alunos iam para a escola da sua área de residência ou do emprego dos pais (a partir do 10º ano, para a escola em que houvesse a área que queriam), e em que as escolas eram largamente auto-geridas (e em que, na sala de aula, cada professor ensinava à sua maneira e muitas vezes escolhia - face à extensão dos programas - qual a matéria a dar).

Mas o oposto, "competição" sem "autonomia" é dificil de perceber o que seria (bem, podemos imaginar um sistema em que uma autoridade central decidisse programas e métodos diferentes para escolas diferentes, e depois essas diferentes escolas fossem competir umas com as outras com base nessas diferenças centralmente determinadas; podemos realmente imaginar isso, mas parece-me um sistema absurdo).

É verdade que AHC não fala em acabar com a autonomia, mas em "enquadrá-la" (ou seja, limitá-la); mas defender a limitação da "autonomia" implica, na prática, defender a limitação da "competição" (mas é interessante como, pelos vistos, na moderna mentalidade liberal, "competição" parece ter uma maior carga positiva que "autonomia", para acharem que o maior problema no "cheque-educação" sueco estar na "autonomia" e não na "competição").

Mas isto chama uma questão mais profundo - é que os chamados defensores da "liberdade na educação" não são realmente nada entusiastas da "autonomia" (e daqui para a frente, neste post, jã não estou a falar especificamente do AHC, nem conheço o seu pensamento acerca de muitos assuntos que vou referir); pelo menos no que se refere à escola pública, muitas vezes essa área politica parece ser a maior defensora da centralização, via mega-agrupamentos, directores nomeados, fim da gestão democrática, guiões hiper-detalhados determinando metas de aprendizagem, (por vezes até vêm com conversas de "livro único"), etc., etc. Na verdade, por vezes até parece que o tal "centralismo burocrático estalinista do Ministério da Educação" tem como problemas fundamentais os concursos nacionais de professores e as regras determinando em que escolas os alunos se podem matricular, e em tudo o resto o centralismo já não faz mal.

O que me leva a pensar que o ponto  fundamental de muitos dos defensores da "liberdade da educação" não é tanto que que numa esquina uma escola tipo Summerhill e noutra uma para "Tiger Moms", mas sobretudo que as escolas possam facilmente expulsar (ou negar a matricula a) alunos e despedir professores.

1 comentários:

joão viegas disse...

Caro Miguel (Madeira),

Atenção, não nos deixemos contagiar pela parvoeira ambiente. A defesa da "liberdade" em termos de ensino não tem rigorosamente NADA a ver com a crença nas virtudes da competição entre varias formas de ensino para obter uma melhoria do serviço.

Vejo de facto, com grande espanto, muita gente convencida de que a questão tem a ver com uma procura de "eficiência" do ensino, ou com a relação entre custos e beneficios e outras considerações perfeitamente descabidas. Mas qualquer pessoa que dedique dois segundos de reflexão ao assunto, pode convencer-se facilmente de que as pretensas virtudes da competição e da concorrência NAO podem funcionar no dominio da educação, pelo menos se estivermos a falar de um serviço publico com vocação a satisfazer as necessidades de toda a população. Caso contrario, teriamos uma quantidade de sociedades comerciais a procurar vender ensino, o que não acontece na realidade. Com efeito, apenas o ensino elitista de uma infra-minoria de estabelecimentos para ricos, nos quais se oferece uma hiper-preparação para entrar nas universidades, é que pode ser uma actividade "lucrativa". Mas isso não é ensino, ou pelo menos é insustentavel quando alargardo a toda a população, que não tem os meios da alta burguesia "cliente" dos colégios selectos.

Portanto a ideia da "liberdade" de ensino não tem absolutamente nada a ver com a crença nas virtudes da "iniciativa privada" e das "leis da concorrência" em matéria de ensino.

A liberdade de ensino radica na ideia de que, tal como as opiniões e o pensamento devem ser livres, o ensino deve ser livre, o que significa que não deve ser o Estado a definir a forma de ensino que os cidadãos devem dar aos seus filhos. Dentro de certos limites (os programas publicos, que definem as noções basicas que devem ser ensinadas), não cabe ao Estado dizer COMO as crianças e os jovens devem ser ensinados. Cabe-lhe propôr um serviço publico de ensino, mas este serviço não deve afectar a liberdade de escolha, tanto a liberdade do professor que ensina, como a liberdade de escolha ddos beneficiarios do ensino. E' até admissivel que o Estado financie estabelecimentos privados em nome da preservação da liberdade de ensino (assim acontece em França).

A liberdade de ensino enraiza-se duplamente na liberdade de pensamento. Por um lado, obedece à ideia de que não cabe ao Estado impôr-me a maneira de educar os meus filhos. Por outro, responde à preocupação de impedir que o Estado possa impingir aos professores (que eram à partida profissionais "liberais") métodos e regras de ensino.

Não percebo como é que a discussão em torno da liberdade de ensino (discussão perfeitamente salutar, e interessante) se deixou contagiar pela estupidez economicista, que nada tem a ver com o assunto.

Com efeito, ainda que estivesse demonstrado que as exigências da liberdade de ensino têm um custo superior a não haver liberdade nesta matéria (e alias é provavel que existam esses custos), as pessoas que acreditam nas virtudes da liberdade de ensino continuariam a defender o principio, afirmando que os custos merecem ser suportados.

Abraços a todos