Thiers não se apercebeu de nada, nem da desafeição de todas as classes, nem da irritação dos bairros populares. Estava muito acima da sua política contemporizar, desarmar Paris por meio de concessões e, através da grande cidade, neutralizar os rurais. O seu desprezo pelo povo fez o resto. Pressionado pelo fim do prazo no dia 20, lançou-se à aventura, reuniu o conselho a 17 e, sem consultar os autarcas como fora prometido, sem ouvir os chefes dos batalhões burgueses, que nessa mesma noite afirmavam não poder contar com os seus homens, este governo, incapaz de prender os 25 membros do Comité Central, deu ordem para surripiar 250 canhões guardados por Paris inteira. A execução da ordem foi tão tola como a ideia.As mulheres foram as primeiras, como nos dias da Revolução. As do 18 de Março, castigadas pelo cerco – tinham tido dupla ração de miséria – não esperaram pelos seus homens. Rodeiam as metralhadoras e interpelam os chefes da peça. De repente, toca a reunir. Uns Guardas Nacionais descobriram dois tambores num posto e percorrem o 18º arrondissement. Às oito horas, são já 300 oficiais e guardas que sobem o boulevard.O General Lecomte, rodeado, ordena fogo três vezes mas os seus homens continuam com a arma a tiracolo. A multidão concentra-se, confraterniza e prende Lecomte e os seus oficiais. Três tiros de canhão de pólvora seca anunciam a Paris a reconquista das colinas. Às onze horas, o povo venceu a agressão em toda a linha, conservando quase todos os canhões – as atrelagens só levam dez – e ganhando milhares de espingardas. Os batalhões federados estão de pé; os bairros populares são descalcetados.Só na manhã seguinte Paris soube da vitória. Que mudança de cenário, mesmo depois das inúmeras encenações daqueles sete meses de drama! A bandeira vermelha flutua no Hôtel-de-Ville. Exército, Governo e Administração evaporaram-se com a neblina matinal. Dos confins do Faubourg Sant-Antoine, da obscura Rua Basfroi, o Comité Central é projectado para o comando de Paris à vista de todos. O que fez a honra e a salvação do Comité foi ter apenas uma preocupação: restituir o poder a Paris. Felizmente era composto de recém-chegados sem passado nem pretensões políticas, muito pouco preocupados com sistemas. Os seus nomes, com a excepção de três ou quatro, só eram conhecidos graças aos cartazes afixados nos últimos dias. Desde a manhã de 10 de Agosto de 1792, nunca Paris vira um tal surto de desconhecidos. E contudo, os seus avisos são respeitados e os seus batalhões circulam livremente, ocupam sem resistência todos os postos: à uma hora os ministérios das finanças e do Interior, às duas horas os da Marinha e da Guerra, os Telégrafos, o Diário da República e a prefeitura de polícia. Isto porque a primeira nota é justa. Que dizer contra esse poder que, assim que nasce, fala em extinguir-se?
Prosper-Olivier Lissagaray, História da Comuna de 1871
Está disponível para ser descarregada gratuitamente a brochura que as edições antipáticas fizeram sobre a Comuna de Paris. Vive la commune.
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