Não me vou pronunciar sobre todas as considerações técnicas e médicas que têm sido feitas sobre o assunto.
Mas, a acreditar na versão dos factos que tem sido transmitida, a conclusão é que as medidas de segurança implantadas para impedir ataques terroristas tornaram-se contraproducentes - a partir do momento em que o "terrorismo" veio de quem estava no comando, as regras securitárias deram-lhe muitos mais margem para agir do que teria de outra maneira.
Pensem nisto.
30/03/15
27/03/15
Em que ficamos?
por
João Valente Aguiar
Lê-se na página do José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, que na Assembleia da República o PCP e os Verdes terão votado contra um voto de solidariedade com Rafael Marques, jornalista que tem divulgado atentados aos direitos humanos protagonizados pelo regime angolano, e que neste momento está a ser julgado em Luanda. Concordando com o voto favorável do BE e dos 5 deputados do PS em solidariedade com Rafael Marques, cabe perguntar o seguinte.
Se o PCP e os Verdes preferem defender um regime que do ponto de vista político viola regularmente os mais básicos direitos de associação política, e que, do ponto de vista das políticas sociais em nada cumpre com a defesa de serviços públicos (basta lembrar que, em 2010, a taxa de mortalidade infantil em Angola era de 104 mortos por cada 1000 nados vivos), então como pode a esquerda esperar constituir alianças políticas com aqueles intervenientes da CDU. Se uma política de esquerda minimamente democrática terá de pugnar, pelo menos, pela defesa das liberdades e garantias dos cidadãos e pela manutenção de serviços públicos de qualidade, então como é possível alguém conceber alianças políticas com partidos que se proclamam defensores dos direitos democráticos e do Estado Social, mas que, no final de contas, não têm qualquer problema em manifestar solidariedade efectiva e prática com o Estado angolano.
Se o PCP e os Verdes preferem defender um regime que do ponto de vista político viola regularmente os mais básicos direitos de associação política, e que, do ponto de vista das políticas sociais em nada cumpre com a defesa de serviços públicos (basta lembrar que, em 2010, a taxa de mortalidade infantil em Angola era de 104 mortos por cada 1000 nados vivos), então como pode a esquerda esperar constituir alianças políticas com aqueles intervenientes da CDU. Se uma política de esquerda minimamente democrática terá de pugnar, pelo menos, pela defesa das liberdades e garantias dos cidadãos e pela manutenção de serviços públicos de qualidade, então como é possível alguém conceber alianças políticas com partidos que se proclamam defensores dos direitos democráticos e do Estado Social, mas que, no final de contas, não têm qualquer problema em manifestar solidariedade efectiva e prática com o Estado angolano.
25/03/15
Sobre a violência do que está a acontecer no bairro de Santa Filomena (Amadora)
por
Diogo Duarte
Só o Estado tem a capacidade de negar ostensivamente um direito que é por si prometido mas que nunca fez nada por cumprir. É este paradoxo que encontramos no bairro de Santa Filomena, na Amadora, desde 2012, mas que vemos ter-se intensificado nos últimos dias. As casas desse bairro foram construídas com o suor das próprias mãos daqueles que nelas habitam. Foi pela sua iniciativa que puderam usufruir de um direito consagrado constitucionalmente, e não pela acção de quem tinha a obrigação de assegurar esse direito. Apesar disso, o Estado ainda tinha um papel a cumprir. As condições de habitabilidade dessas casas são, na melhor das hipóteses, mínimas. E o direito constitucional em causa não reconhece apenas a necessidade de um tecto e quatro paredes, mas a necessidade de um tecto e quatro paredes que constitua "uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar." Esse Estado optou, no entanto, por permitir que o que estas famílias construíram lhes seja retirado ou destruído, fruto da acção da Câmara Municipal da Amadora.
Nesta história, é tal o nível de arbitrariedade que não se percebe o que é mais violento: se é a negação de um direito fundamental – ter uma habitação – ou se é ter de enfrentar diariamente o terror de não se saber se a casa em que se acorda numa manhã estará no mesmo sítio no dia a seguir, ou se estará, sequer, no mesmo sítio quando se regressa de um trabalho a que não se pode faltar, sob a pena de se ser condenado a ficar, também, sem comida.
As fotos e os relatos que nos chegam da Amadora não deixam dúvidas quanto à adequação da palavra despejo para descrever essas acções. Vemos casas a ser esvaziadas como se de facto se estivesse a despejar o conteúdo de um balde do lixo. Na foto em cima, vemos uma moradora, no meio dos escombros do que antes foi uma habitação, junto a um frigorífico atirado ao chão com comida lá dentro, como se não tivesse sido suficiente tirar-lhe o tecto.
Não há sequer a mais leve tentativa de esconder a arbitrariedade e a violência que acompanha estas acções. Até porque estas já são em grande medida a norma, mais do que a excepção. Quando vemos um conjunto de acções a acontecer sistematicamente sem dispensar a força coerciva de um enorme aparato policial, já não é de nada que se pareça a uma democracia de que estamos a falar. Nas democracias – mesmo naquelas que apenas oferecem um vislumbre irregular do significado dessa palavra – a força não constitui o primeiro recurso para solucionar problemas. E muito menos deve servir como recurso para violar aquilo que tem o dever de assegurar ou para criar problemas.
Esclareçamos, contudo, que a gravidade do que está em causa não se mede pela violação de um direito que tem reconhecimento constitucional. Podia não ter. O que está em causa vai para lá disso: é a negação absoluta do direito à vida e à dignidade, direitos esses que não estão – nem tão pouco deviam ter que estar – inscritos em nenhum código ou tábua de mandamentos. Só um mundo regulado pela perversidade exige que se fixem estes direitos para que algumas pessoas não as esqueçam. Só num mundo tão desigual, em que uns nunca colocaram a hipótese de ficar sem casa e em que outros vivem permanentemente sob o risco de a perder, é que é preciso que se fixe uma “regra” que nos recorde que é necessária uma casa para viver.
Em Portugal, temos assistido a um número crescente de ameaças de despejo. E o que é mais assustador é que a maior parte dos casos em que esta ameaça existe não nos chega aos ouvidos, como se ter uma habitação ainda fosse, para uma grande parte da população, um privilégio e nos envergonhasse ter que lutar por ele.
Hoje em dia usa-se a palavra terrorismo por tudo e por nada e, porém, raramente a vemos aplicada a casos como este, que acontecem quase à nossa porta, em que o terror é quotidiano e serve tanto para punir aqueles que nasceram pobres como para punir aqueles que ainda se atrevem a protestar.
Através do facebook ou do site da associação Habita é possível acompanhar o que está a acontecer em Santa Filomena.
Para amanhã, a partir das 7 horas da manhã, apela-se à presença do maior número de pessoas possível para resistir a mais um dia de possíveis demolições e despejos.
24/03/15
Neoliberalismo: História, Política, Economia
por
Ricardo Noronha
Seminário
25
de Março, FCSH-UNL, Edifício I & D, Sala Multiusos 2
10h00 Rita Luís, Espanha e o ideal europeu (1973-1982)
Comentário de Luís Trindade (IHC/FCSH-UNL)
11h15 João Rodrigues, Financeirização semiperiférica: o caso de Portugal
Comentário de Bruno Peixe Dias (CFUL)
14h00 José Nuno Matos, «Veiga Simão II»: Neoliberalismo e as políticas de educação e formação
profissional em Portugal (1980-1991)
Comentário de Nuno Domingos (ICS-UL)
15h15 Miguel Pérez, O
poder dos trabalhadores em Portugal (1974-80)
Comentário de Ivo Veiga (IHC/FCSH-UNL)
16h30 Ricardo Noronha, A via portuguesa para o
neoliberalismo (1976-1989)
Comentário de Elisa Lopes da Silva (ICS-UL)
Herberto Helder
por
João Valente Aguiar
(...)
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
O Amor em Visita (excerto)
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
O Amor em Visita (excerto)
23/03/15
Carta aos amigos da Unipop
por
Zé Nuno Matos
Nos últimos cinco anos, com o objectivo de disseminar o pensamento crítico e a prática militante para lá do circuito académico e da política institucional, a Unipop tem desenvolvido um conjunto variado de actividades, que podem ser acompanhadas no nosso site (unipop.info).
Entre outras iniciativas, veja-se que:
- realizámos já cerca de 12 edições do seminário pensamento crítico contemporâneo, com uma participação total superior a 1500 pessoas;
- editámos e traduzimos 6 livros numa colecção das Edições Unipop e co-editámos, com as Edições 70, o livro Pensamento Crítico Contemporâneo;
- publicamos a revista Imprópria, com edição semestral e a caminho do seu número 5;
- e iniciamos agora uma nova colecção de livros, para formatos mais longos (extensos).
Envolvendo actualmente um total de 34 membros, que vos escrevem esta carta e que têm assumido a dinamização da associação, através do secretariado e organização dos cursos e seminários ou da tradução e revisão dos textos publicados, a Unipop tem também beneficiado da congregação de centenas de militantes e académicos, bem como do apoio de várias organizações e associações independentes.
Toda esta actividade é desenvolvida sem qualquer fim lucrativo, beneficiando do voluntarismo de muitos e muitas de nós e de vós, mas, de há quatro anos para cá, no quadro da multiplicação de solicitações de que a associação foi sendo alvo, decidimos dar um passo em frente. A fim de garantir a gestão do quotidiano da associação (contacto com livrarias, gráficas, paginação e revisão dos textos, secretariado dos cursos, mailing com leitores, cumprimento de obrigações burocráticas e legais, etc.), necessitámos de contratar um funcionário a tempo parcial. Esta decisão permitiu ampliar significativamente o raio de acção da associação, mas também tem implicado que todos os meses garantamos uma receita capaz de cobrir essa despesa.
Até agora temos conseguido assegurar essa verba por via das receitas que temos obtido no quadro das nossas iniciativas, mesmo se uma parte destas é realizada sem exigir qualquer pagamento a quem participa nelas. No entanto, temos dois novos objectivos: por um lado, pretendemos garantir uma maior segurança financeira ao nosso funcionamento, sem a qual permanecemos num quadro de precariedade dificilmente sustentável a médio prazo; por outro, atendendo às dificuldades económico-financeiras por que a população portuguesa tem passado, pretendemos garantir o acesso gratuito (online) a algumas das nossas publicações.
É neste sentido que vimos desafiá-lo/la, na qualidade de amigo/a da Unipop, e na medida das suas possibilidades, a assumir o seguinte compromisso: contribuir semestralmente com uma verba para o funcionamento da associação, verba que lhe permitirá receber em sua casa, e mediante a sua escolha, uma publicação da Unipop. Tem duas possibilidades:
a) Contribuição semestral de 12 euros: com direito ou a um exemplar da revista Imprópria ou a um dos livros das Edições Unipop (à escolha, de entre os livros de pequeno formato, mediante disponibilidade de stock, enviado por correio sem despesas extra a nível nacional);
b) Contribuição semestral de 30 euros: com direito a um exemplar da revista Imprópria e a um livro das Edições Unipop (à escolha, mediante disponibilidade de stock, enviado por correio sem despesas extra a nível nacional).
Poderá encontrar no final desta carta uma lista dos livros já publicados e a publicar em breve pelas Edições Unipop.
Como proceder à sua contribuição:
Efectue uma transferência para o NIB 0035 0127 00055573730 49, enviando de seguida, para o endereço cursopcc@gmail.com, um e-mail com o comprovativo, nome, morada e publicações que deseja receber.
Aguardando uma resposta até ao dia 24 de Abril, e ao vosso dispor para mais esclarecimentos, subescrevemo-nos,
Ana Rita Amaral, Andreia Cunha, Bruno Peixe Dias, Catarina Laranjeiro, Cláudia Figueiredo, Diogo Duarte, Elisa Lopes da Silva, Fernando Ramalho, Frederico Ágoas, Golgona Anghel, Gonçalo Zagalo Pereira, Inês Espírito Santo, Inês Galvão, Joana Lucas, João Pedro Cachopo, José Ferreira, José Neves, José Nuno Matos, Luhuna Carvalho, Manuel Bívar, Manuel Deniz Silva, Marcos Cardão, Maria Coutinho, Mariana Goes, Mariana Pinho, Miguel Cardoso, Nuno Rodrigues, Pedro Cerejo, Pedro Feijó, Raquel Carvalheira, Ricardo Noronha, Rita Luís, Rui Lopes, Salomé Coelho
***
Livros já publicados pelas Edições Unipop:
- O passado, modos de usar, de Enzo Traverso (2012, esgotado) | http://unipop.info/edicoes-unipop/o-passado-modos-de-usar.html;
- Direito de fuga, de Sandro Mezzadra (2012) | http://unipop.info/edicoes-unipop/direito-de-fuga.html;
- Quem canta o Estado-nação?, de Judith Butler e Gayatri Spivak (2012) | http://unipop.info/edicoes-unipop/quem-canta-o-estado-nacao.html;
- A morte de Luigi Trastulli e outros ensaios, de Alessandro Portelli (2013) |http://unipop.info/edicoes-unipop/a-morte-de-luigi-trastulli-e-outros-ensaios.html;
- Estranhos corpos políticos, de Diego Palacios Cerezales (2014) | http://unipop.info/edicoes-unipop/estranhos-corpos-politicos.html;
- As palavras da História, de Jacques Rancière (2014) | http://unipop.info/edicoes-unipop/as-palavras-da-historia.html.
Livros com edição prevista em 2015:
- Fado Tropical. O luso-tropicalismo na cultura de massas (1960-1974), de Marcos Cardão | primeiro livro da colecção de maior formato;
- Manifesto contra-sexual, de Paul B. Preciado;
- 24/7. Capitalismo tardio e os fins do sono, de Jonathan Crary;
- A gramática da multidão, de Paolo Virno.
22/03/15
A Islândia e a União Europeia
por
Miguel Madeira
Há dias, os jornais referiram que a Islândia retirou o pedido de adesão à UE.
O que não sido tão falado é a polémica que tal desencadeou no pequeno país, com a oposição (sociais-democratas, a Esquerda Verde, o Partido Pirata e o liberal Futuro Brilhante) e parte da população considerando que o governo (composto pelo liberal-conservador Partido da Independência e pelo agrário Partido Progressista) não tem autoridade para retirar o pedido de adesão de um processo já iniciado, e exigindo um referendo nacional para decidir se se abando na mesmo o pedido ou não.
Diga-se que há uma certa novidade nisso - o que temos visto muitas vezes é governos assinarem tratados e a oposição exigir um referendo ao tratado, mas não sei se alguma vez ocorreu um governo recusar um (futuro) tratado e a oposição exigir um referendo à recusa.
Diga-se que, ao que me parece, a defesa de um referendo à continuação do processo de adesão não significa necessariamente a defesa do processo (creio que pelo menos a Esquerda Verde é contra a adesão mas a favor do referendo, e o Partido Pirata também tem grandes dúvidas face à adesão).
Cometendo a arrogância de, daqui de Portugal, dar palpites sobre o que seria melhor para a Islândia, eu inclinava-me para o melhor ser mesmo fazerem um referendo, e no referendo decidirem não aderir à UE (a situação na UE neste momento está tão confusa que não me parece boa ideia alguém querer entrar no comboio agora; atenção que isto não significa que ache boa ideia que os países que já estão no comboio saltem pela janela).
O que não sido tão falado é a polémica que tal desencadeou no pequeno país, com a oposição (sociais-democratas, a Esquerda Verde, o Partido Pirata e o liberal Futuro Brilhante) e parte da população considerando que o governo (composto pelo liberal-conservador Partido da Independência e pelo agrário Partido Progressista) não tem autoridade para retirar o pedido de adesão de um processo já iniciado, e exigindo um referendo nacional para decidir se se abando na mesmo o pedido ou não.
Diga-se que há uma certa novidade nisso - o que temos visto muitas vezes é governos assinarem tratados e a oposição exigir um referendo ao tratado, mas não sei se alguma vez ocorreu um governo recusar um (futuro) tratado e a oposição exigir um referendo à recusa.
Diga-se que, ao que me parece, a defesa de um referendo à continuação do processo de adesão não significa necessariamente a defesa do processo (creio que pelo menos a Esquerda Verde é contra a adesão mas a favor do referendo, e o Partido Pirata também tem grandes dúvidas face à adesão).
Cometendo a arrogância de, daqui de Portugal, dar palpites sobre o que seria melhor para a Islândia, eu inclinava-me para o melhor ser mesmo fazerem um referendo, e no referendo decidirem não aderir à UE (a situação na UE neste momento está tão confusa que não me parece boa ideia alguém querer entrar no comboio agora; atenção que isto não significa que ache boa ideia que os países que já estão no comboio saltem pela janela).
Piercings = mutilação?
por
Miguel Madeira
Piercings vaginais vão ser equiparados a mutilação genital feminina (revista Visão):
As autoridades de Saúde britânicas institucionalizaram novas regras quanto à aplicação de piercings vaginais. A partir de abril, qualquer mulher que coloque piercings na vagina vai passar a fazer parte do grupo de vítimas de uma prática que é ilegal no Reino Unido: a mutilação genital feminina.
Por outro lado, os profissionais que compactuarem e colocarem os piercings ficam, aos olhos da lei, sujeito a sanções. Correm ainda o risco de serem vistos como criminosos por incentivarem a prática da mutilação genital feminina.
O que dizer disto? Logo à partida é de assinalar que a notícia não começa com "a Câmara dos Comuns aprovou novas leis quanto à aplicação de piercings vaginais", nem sequer com "o governo britânico aprovou novas regras quanto à aplicação de piercings vaginais", mas sim com uma referência às "autoridades de Saúde" - ou seja, decisões que para todos os efeitos equivalem a leis estão a ser aprovadas, não pelo parlamento, nem sequer para um órgão como o governo que ao menos ainda tem legitimidade democrática clara, mas provavelmente por obscuros tecnocratas (é o que me parece pela expressão "autoridades de Saúde", que suspeito seja algo estilo a DGS em Portugal); se a democracia representativa já é criticável, ainda pior é esta tecnocracia só muito indiretamente democrática, em que decisões políticas são aprovadas como se fossem simples procedimentos técnicos.
Deixando a forma, vamos ao conteúdo - esta equiparação faz algum sentido? Acho que não - os piercings vaginais podem ser uma parvoíce, mas são uma decisão livre de que os coloca (mesmo os piercings vaginais possam ser perigosos para terceiros e não apenas para quem os usa, mesmo aí continuamos a falar de decisões voluntárias); já o problema principal com a mutilação genital feminina é exatamente o ser praticada à força, ou no mínimo contra raparigas ou meninas ainda sem capacidade de auto-decisão
21/03/15
Já que dizem que é Dia Mundial da Poesia…
por
Miguel Serras Pereira
… aqui fica, aproveitando o pretexto — ou apesar dele —, esta espécie de soneto de há uns anos já (cf. O Mar a Bordo do Último Navio, Lisboa, Fenda, 1998).
Do Castelo de Abrantes
De morrer cedo irei pelas montanhas e
voltarei pelo mar até essa manhã
de lágrimas em armas por que amarei contigo
as mesmas ruas o mesmo rio os mesmos campos
atravessados a cavalo outrora e ao ritmo
deste voo do vazio do tempo no meu sangue
partido ao teu encontro pelas asas da andorinha
que soltasses da torre do castelo de abrantes
Ficarei muito tempo errando ao deus-dará
no silêncio que ondula sem fim o fim do dia
antes de regressar ao chão para entregar
ao que reste de terra a terra do que fiz
Talvez então tu digas que a morte veio chamar-me
mas eu se responder bem vês será a ti
Do Castelo de Abrantes
De morrer cedo irei pelas montanhas e
voltarei pelo mar até essa manhã
de lágrimas em armas por que amarei contigo
as mesmas ruas o mesmo rio os mesmos campos
atravessados a cavalo outrora e ao ritmo
deste voo do vazio do tempo no meu sangue
partido ao teu encontro pelas asas da andorinha
que soltasses da torre do castelo de abrantes
Ficarei muito tempo errando ao deus-dará
no silêncio que ondula sem fim o fim do dia
antes de regressar ao chão para entregar
ao que reste de terra a terra do que fiz
Talvez então tu digas que a morte veio chamar-me
mas eu se responder bem vês será a ti
20/03/15
VIDAS NEGRAS IMPORTAM – 21 de Março no Largo de São Domingos
por
Zé Nuno Matos
O Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial assinala-se em memória do massacre de Sharpeville, cometido pela polícia do regime do apartheid sul-africano, no dia 21 de Março de 1960. Neste dia, 20.000 negros protestavam pacificamente contra a lei do passe em Joanesburgo, quando a manifestação foi violentamente reprimida pelas autoridades, que assassinaram 69 pessoas e feriram 180.
Meio século depois, continuamos a resistir à criminalização e ao extermínio da juventude pobre e negra, que não escolhe nacionalidade. Em Ferguson, São Paulo, Soweto, Aguablanca ou Lisboa, pessoas negras desarmadas, são as principais vítimas da violência de estado através da ação das suas polícias, com a conivência da sociedade civil que não reconhece esta tragédia.
Neste dia de luta, 21 de Março 2015, lembramos as vítimas mortais de racismo e violência policial em Portugal – KUKU, PTB, Musso, Teti, Angoi,Tony, Snake – e recordamos a injustiça da justiça portuguesa, que ao invés de honrar as suas memórias e proteger as suas famílias ilibou os agentes perpetuadores destes crimes.
Também, estamos na rua, para exigir justiça para com os nossos irmãos torturados na esquadra de Alfragide, no passado dia 5 de Fevereiro. Não admitimos que os bairros onde vivemos sejam territórios de exceção do Estado de Direito, onde a polícia espanca e dispara contra pessoas indefesas.
Por tudo isso, reivindicamos:
- o fim imediato das operações policiais do C.I.R. (Corpo de Intervenção Rápida) nos bairros;
- criminalização dos atos de tortura e de ódio racial, tornando-os crime público com as penas tipificadas no Código Penal.
- a demissão do comandante e agentes envolvidos nos atos de tortura ocorridos na esquadra de Alfragide; que violaram claramente os direitos de liberdades e garantias dos cidadãos e cidadãs que vivem nesta comunidade.
21 de Março de 2015, a partir das 16.00
no centro de Lisboa, Largo de São Domingos,
contra o racismo institucional
Porque as Vidas Negras importam,
seguimos lutando contra as estruturas que
produzem e favorecem o racismo e a discriminação racial
Uma outra visão das eleições israelitas
por
Miguel Madeira
O resultado das eleições em Israel parece à primeira vista uma vitória esmagadora da direita; mas em termos de votação propriamente dita terá sido isso?
Segundo o cientista político norte-americano Matthew Shugart, nem tanto - o que terá ocorrido fui sobretudo transferências de votos e de lugares entre partidos do mesmo "bloco".
Seats by bloc: Israel 2015 vs. 2013
Segundo o cientista político norte-americano Matthew Shugart, nem tanto - o que terá ocorrido fui sobretudo transferências de votos e de lugares entre partidos do mesmo "bloco".
Seats by bloc: Israel 2015 vs. 2013
An important lesson from this week’s Israeli election: in complex multi-bloc political systems, the government that forms really is at least as much about the inter-party bargaining between elections as it is about the elections themselves.
Yesterday I noted the (small) changes in votes for the right, Here I will look at all the blocs. Note: blocs, plural–point being, there is no single left or center-left bloc to oppose the right or replace it as government. Caution: the 2015 results are not yet official. (...)
Toting things up by bloc, from winners to losers:
Arab +2
Left +2
Right +1
Center +/- 0
Haredi -5
Not much change, but the smallest gainer and biggest loser have enough to form a government, when combined with the centrist (or soft right) Kulanu.
The real difference in government outcomes will be less the voting patterns having shifted than shifts since 2013 in inter-party relations. In 2013, the election outcome would have allowed a right-Haredi coalition with the absolute bare majority of seats, 61. For various reasons, Likud leader and PM Benjamin Netanyahu preferred to bring into the coalition the election’s biggest seat gainer, Yair Lapid’s Yesh Atid (...). Netanyahu never wanted this coalition, and seized upon various (largely manufactured) policy disagreements in late 2014 to un-do the government and force an early election. And now he can form a coalition with his natural partners, and with a likely more pliant centrist force in Kulanu. (...)
Bottom line: There is no big shift to the right whatsoever in this election. But, with Shas and UTJ replacing Lapid and Livni, there will be a shift in both a right and religiously Orthodox direction to the governing coalition.
15/03/15
Chamem a aviação
por
Miguel Madeira
A respeito das destruições no museu de Mossul e das cidades históricas de Nimrud e Hatra, o Expresso pergunta "Porque não intervieram os aviões americanos ou as tropas terrestres curdas ou iraquianas?".
Excelente ideia - os aviões americanos deveriam ter lançado um ataque aéreo contra as forças do Estado Islâmico que estavam a destrui o museus e as cidades arqueológicas. What could possibly go wrong?
Excelente ideia - os aviões americanos deveriam ter lançado um ataque aéreo contra as forças do Estado Islâmico que estavam a destrui o museus e as cidades arqueológicas. What could possibly go wrong?
Os padrões de consumo de "esquerdistas"
por
Miguel Madeira
De vez em quando surgem uma espécie de "mini-escandalos" a respeito de pessoas de esquerda que até terão um padrão de consumo de "gama alta", como o caso agora da casa do Varoufakis, ou há tempos os jantares da Raquel Varela e da Isabel Moreira; às vezes também se fala no barco do Francisco Louçã (pegando numa definição mais alargada de "esquerda", teríamos também o corte de cabelo do John Edwards).
Essas polémicas teriam alguma lógica se estivéssemos a falar de rendimentos - realmente pode ser feito um argumento de que alguém que defende uma distribuição mais igualitária da riqueza deveria dar o exemplo e começar por redistribuir o que tem "a mais" (no fundo, aplicar o imperativo categórico kantiano).
Diga-se que mesmo isso é discutível - também pode ser feito o contra-argumento que, enquanto um dado sistema existir, com as suas vantagens e desvantagens, não há razão para alguém renunciar às vantagens (continuando as desvantagens a existir); p.ex., alguém que defenda que deve haver mais impostos e mais apoios sociais deverá pagar voluntariamente a taxa de impostos que acha que deveria existir em vez da que existe realmente? Afinal, se um dia tiver um azar e baixar de classe social, vai receber os apoios sociais que existem e não os que ele acha que deveriam existir.
Eu, à partida, tendo a concordar com esta segunda posição, mas, sendo um desses esquerdistas que ganha mais que a média, isso provavelmente também é a minha condição social objetiva a afetar a minha consciência.
Mas o que se discute nestes "pseudo-escândalos" nem é isso - o que está em causa não é eles ganharem muito, é o fazerem despesas aparentemente sumptuárias. Ora, a partir do momento em que se aceita que alguém tenha um dado rendimento (e a critica nunca costuma ser dirigida ao rendimento em si, mas a um suposto estilo de vida), não se vê muito bem que objeção poderão ter às despesas que depois essa pessoa decida fazer - afinal, se se gasta 200 euros num jantar, isso apenas quer dizer deixou de gastar 200 euros noutra coisa qualquer, ou que poupou menos 200 euros; não se percebe muito bem qual o grande problema ou a suposta "hipocrisia" que vêm nisso, ainda mais que a esquerda tradicional nem sequer é grande defensora da poupança (tanto na versão social-democrata keynesiana como na versão marxista, um dos problemas apontados à desigualdade económica é, exatamente, que os ricos poupam muito, causando assim crises de super-produção).
Claro que se poderia argumentar que aqui o que se está a fazer é usar o padrão de consumo como proxy para o rendimento, e que a indignação não é pelo consumo em si, mas porque isso prova que essas pessoas têm rendimentos elevados - mas isso seria uma parvoíce: toda a gente sabe que deputados, professores ou investigadores universitários ou advogados famosos têm rendimentos acima (nalguns casos talvez mesmo muita acima) da média; veja-se o caso do Varoufakis, professor numa universidade norte-americana e ao mesmo tempo "ministro da economia" da plataforma de trocas virtuais de uma empresa de jogos de computador - é alguma novidade que ele teve rendimentos muito maiores que o grego típico? Ou seja, os que se indignaram com a casa dele e com o vinho branco e o piano, foi mesmo com a casa, com o vinho e o piano, não com os rendimentos que ele auferiu (que não seriam novidade para ninguém).
Resumo do post - a posição "pessoas de esquerda não deveriam ganhar muito" é discutível mas tem a sua lógica; já a posição "pessoas de esquerda até podem ganhar muito, mas mesmo assim deveriam consumir como se ganhassem pouco" não faz sentido nenhum.
Essas polémicas teriam alguma lógica se estivéssemos a falar de rendimentos - realmente pode ser feito um argumento de que alguém que defende uma distribuição mais igualitária da riqueza deveria dar o exemplo e começar por redistribuir o que tem "a mais" (no fundo, aplicar o imperativo categórico kantiano).
Diga-se que mesmo isso é discutível - também pode ser feito o contra-argumento que, enquanto um dado sistema existir, com as suas vantagens e desvantagens, não há razão para alguém renunciar às vantagens (continuando as desvantagens a existir); p.ex., alguém que defenda que deve haver mais impostos e mais apoios sociais deverá pagar voluntariamente a taxa de impostos que acha que deveria existir em vez da que existe realmente? Afinal, se um dia tiver um azar e baixar de classe social, vai receber os apoios sociais que existem e não os que ele acha que deveriam existir.
Eu, à partida, tendo a concordar com esta segunda posição, mas, sendo um desses esquerdistas que ganha mais que a média, isso provavelmente também é a minha condição social objetiva a afetar a minha consciência.
Mas o que se discute nestes "pseudo-escândalos" nem é isso - o que está em causa não é eles ganharem muito, é o fazerem despesas aparentemente sumptuárias. Ora, a partir do momento em que se aceita que alguém tenha um dado rendimento (e a critica nunca costuma ser dirigida ao rendimento em si, mas a um suposto estilo de vida), não se vê muito bem que objeção poderão ter às despesas que depois essa pessoa decida fazer - afinal, se se gasta 200 euros num jantar, isso apenas quer dizer deixou de gastar 200 euros noutra coisa qualquer, ou que poupou menos 200 euros; não se percebe muito bem qual o grande problema ou a suposta "hipocrisia" que vêm nisso, ainda mais que a esquerda tradicional nem sequer é grande defensora da poupança (tanto na versão social-democrata keynesiana como na versão marxista, um dos problemas apontados à desigualdade económica é, exatamente, que os ricos poupam muito, causando assim crises de super-produção).
Claro que se poderia argumentar que aqui o que se está a fazer é usar o padrão de consumo como proxy para o rendimento, e que a indignação não é pelo consumo em si, mas porque isso prova que essas pessoas têm rendimentos elevados - mas isso seria uma parvoíce: toda a gente sabe que deputados, professores ou investigadores universitários ou advogados famosos têm rendimentos acima (nalguns casos talvez mesmo muita acima) da média; veja-se o caso do Varoufakis, professor numa universidade norte-americana e ao mesmo tempo "ministro da economia" da plataforma de trocas virtuais de uma empresa de jogos de computador - é alguma novidade que ele teve rendimentos muito maiores que o grego típico? Ou seja, os que se indignaram com a casa dele e com o vinho branco e o piano, foi mesmo com a casa, com o vinho e o piano, não com os rendimentos que ele auferiu (que não seriam novidade para ninguém).
Resumo do post - a posição "pessoas de esquerda não deveriam ganhar muito" é discutível mas tem a sua lógica; já a posição "pessoas de esquerda até podem ganhar muito, mas mesmo assim deveriam consumir como se ganhassem pouco" não faz sentido nenhum.
13/03/15
As aventuras do faquir Varoufakis ou quando um pós-modernista chega ao poder para “salvar o capitalismo”…
por
Jorge Valadas
Um texto do meu amigo José A. Tapia sobre as
pretensões teóricas folclóricas do actual ministro das finanças do governo
grego. O texto fala por si e não há muito a acrescentar. Só há que relembrar
que temos de nos salvar nós próprios e não delegar a esta ou outra gente a
nossa salvação. Eu sei, é fácil de dizer e parece difícil de o fazer. Não
obstante, mais difícil ainda vai ser encarar as consequências dos projectos
confusos e desastrosos destes reformistas pós-modernistas de meia tijela que
parecem náufragos no mar agitado do capitalismo. Ao desastre do capitalismo vai
juntar-se a desilusão provocada pela falência dessas falsas alternativas.
Evidentemente, a fauna de bandidos profissionais que compõe as organizações do
capitalismo internacional está perfeitamente consciente destas fraquezas. Sabe
como lhes dar a volta e recuperar a iniciativa. Eles não precisam do faquir
Varoufakis para «salvar» o capitalismo, vão tentar salvá-lo sem ele e à custa
de nós todos. Como de costume.
Boa leitura e fiquemos atentos ao que der e vier.
Salvar el
capitalismo, o las confesiones del ministro de finanzas griego
En mayo de 2013 el que era
entonces solo un economista más o menos conocido en medios de izquierda, Yanis
Varoufakis, hizo una larga presentación en el 6o Festival
Subversivo de Zagreb, Croacia. El Festival Subversivo, que celebrará este año
su 8a edición, ha sido lugar de encuentro de luminarias de la
izquierda como Slavoj Žižek, Alexis Tsipras, Oliver Stone, Antonio Negri,
Gianni Vattimo o David Harvey. En la edición de 2013, Varoufakis, hoy ministro
en el gobierno de Syriza, habló cerca de una hora y luego contestó a preguntas.
Varoufakis es greco-australiano, fue docente por muchos años en Australia,
Inglaterra y EEUU y su presentación en Zagreb, en inglés, se ha difundido también
en una versión transcrita, titulada ”Confessions of an
erratic Marxist in the midst of a repugnant European crisis”. Se entiende
fácilmente que en castellano eso sería algo así como “Confesiones de un
marxista excéntrico” (o quizá fuera mejor traducción “descarriado”) “en medio
de una repugnante crisis europea”.
Lo que dijo
Varoufakis en esa ocasión en Zagreb puede resumirse en lo que sigue. Europa
está experimentando un “batacazo” que difiere sustancialmente de una recesión
capitalista normal, de la que se saldría mediante una contracción salarial que
restaura la rentabilidad. La crisis actual es prolongada, representa un
deslizamiento hacia la depresión y la desintegración monetaria y pone a los
radicales en un terrible dilema: ¿Debe utilizarse esta crisis capitalista,
única en un siglo, como oportunidad para hacer campaña para desmantelar la
Unión Europea, dado el entusiasmo de dicha Unión por las políticas y el credo
neoliberales? ¿O más bien debe aceptarse que la izquierda no está lista para el
cambio radical y hacer campaña para estabilizar el capitalismo europeo?
Varoufakis sostuvo en su presentación que por mucho que repugne a los
radicales, el deber histórico de la izquierda en esta coyuntura particular es
estabilizar el capitalismo, salvarlo de sí mismo y de los inútiles gestores de
la crisis en la eurozona. Explayándose sobre su propia trayectoria intelectual,
Varoufakis explicó que a su juicio Marx ”debe seguir siendo fundamental para
nuestro análisis del capitalismo” y también que hay que seguir siendo
“marxistas descarriados”. Varoufakis explicó también por qué un análisis
marxista del capitalismo europeo y de la condición actual de la izquierda
obliga a trabajar en pro de una amplia coalición, incluso con partidos de
derecha, para resolver la crisis de la eurozona y estabilizar la Unión Europea.
En resumen, Varoufakis afirmaba en mayo de 2013 que lo que los radicales han de
hacer en el calamitoso contexto europeo es concentrarse en minimizar el
sufrimiento de la gente, para lo cual hay que fortalecer las instituciones
públicas de Europa y “comprar” tiempo y espacio para desarrollar una
alternativa genuinamente humanista.
Todo eso que
Varoufakis dijo en mayo del 2013 parece casi al pie de la letra el programa que
Syriza está siguiendo desde que con sus 149 actas de diputado ganó las
elecciones a finales de enero pasado. De hecho, el nuevo gobierno
griego es una coalición de Syriza con Anexartitoi Ellines, el partido de los
Independientes Griegos, un grupo de derecha nacionalista pro Iglesia Ortodoxa
que obtuvo 13 diputados y que ahora cuenta con el Ministerio de Defensa en el
gobierno de coalición.
Resulta así
que los radicales han de hacer todo lo posible por estabilizar y salvar el
capitalismo. Varoufakis basa su posición en una compleja disquisición sobre la
teoría económica de Marx, a quien acusa de ser determinista. Según Varoufakis,
Marx considera que su modelo matemático implica que el capitalismo no es
viable. Pero, dice Varoukakis, ¿no fue el mismo Marx quien demostró que la
fuerza de trabajo no es susceptible de conversión completa en mera mercancía,
lo cual introduce una indeterminación radical en el sistema económico?
Varoufakis ve una contradicción clara entre el pensamiento innovador y
liberador de los Manuscritos económico-filosóficos de 1844 y el Marx
enconsertado por un modelo económico “cerrado” que surge veintitantos años
después en El capital y que niega que el futuro es impredecible.
La lectura
de Marx que hace Varoufakis es sin duda idiosincrásica. A juicio de quien esto
escribe, el Marx de los Manuscritos económico-filosóficos de 1844 en
temas económicos era un aprendiz, un aprendiz eso sí con mucho genio, pero un
aprendiz al fin y cabo. Frente a él hallamos al Marx que en 1867 publica el
primer tomo del El capital, donde presenta lo fundamental de su teoría
económica, de su modelo económico del capitalismo que ya se bosqueja con una estructura
incompleta, pero acabada en muchos aspectos fundamentales. Pero ese Marx sigue
evolucionando y pasa los dieciséis años que le quedan de vida intentando acabar
el modelo general del capitalismo, es decir, el manuscrito de la obra que había
bosquejado en la década de 1860. Todo indica que Marx no solo no se obceca en
sus ideas de los años sesenta, sino que estudia sin cesar y las reelabora. A la
vez se enzarza en las actividades de la Internacional y de los partidos
socialistas que van creciendo en Europa, y reescribe sus manuscritos.
Lamentablemente, esa labor, probablemente obsesiva, le lleva a morir dejando un
enorme volumen de manuscritos inacabados. Solo el trabajo de Engels, que edita
los tomos segundo y tercero de El capital, y más tarde Kautski, que
edita los tres volúmenes de las Teorías sobre la plusvalía, consigue
salvar del olvido y quizá de la destrucción, toda esa enorme obra inacabada.
Pero, ¿a qué
viene hablar de Marx y de sus manuscritos, cuando de lo que se trata es de
hablar de política y de economía, de la política y de la economía de Grecia, de
España, de la Unión Europea… ? ¿Qué importa si Marx era o no determinista
cuando de lo que se trata hoy, en el invierno de 2015, es de hacer historia, de
sacar de la miseria a quien la sufre? ¿Es que no es impecable el razonamiento
de Varoufakis, que parte de la obvia premisa de que la izquierda no está lista
ni para acabar con el capitalismo ni para romper con la Unión Europea y, por lo
tanto, lo que ha de hacer es buscar alianzas amplias y desprejuiciadas para
sacar a Grecia de la miseria?
Desde que
Syriza formó gobierno, Varoufakis ha desplegado una enorme actividad. Al poco
de asumir el cargo de ministro, Varoufakis afirmó que Grecia no sufriría un “accidente
financiero” ni sería forzada a abandonar la eurozona. Aunque Grecia no debería
haber entrado nunca en la eurozona, ahora no puede salir, dice Varoufakis, que
también insiste en que Grecia no dejará de hacer frente a los pagos de la deuda
al Fondo Monetario Internacional o a los propietarios privados de bonos y
certificados del Tesoro griegos. Según Varoufakis, no habrá reducción
unilateral de la deuda al sector privado. En cuanto a si la economía de Grecia
puede crecer suficientemente rápido para salir del agujero de la deuda,
Varoufakis dice que el crecimiento es cuestión que ha de manejarse a nivel
pan-europeo y que habría que lanzar bajo hegemonía alemana un programa de
reactivación de toda la economía europea similar al New Deal de Roosevelt y al
plan Marshall de los años cincuenta. Varoufakis opina, sin embargo, que la
recuperación griega no ocurrirá mediante un programa keynesiano a la vieja
usanza, sino que dependerá sobre todo de la inversión privada, que volverá
cuando el peso de la deuda se reduzca. En cuanto a los bancos griegos,
Varoufakis no muestra preocupación por su seguridad financiera, a pesar de los
informes que dicen que miles de millones de euros de depósitos en esos bancos
han salido del país. Para Varoufakis es obvio que el comienzo del gobierno de
Syriza será turbulento, pero una vez que se vea que lo que propone es
razonable, que se busca la cooperación y lo que sea realmente terapéutico, los
mercados se recuperarán y las acciones en bolsa volverán a subir. Varoufakis
afirmó también que el nuevo gobierno no alterará las privatizaciones en curso y
que Grecia ha de ser un destino atractivo para la inversión extranjera.
¿Qué clase
de programa es este? La verdad es que es difícil de decir. Lo relativo a la
deuda sin duda refleja la inevitable realidad de que la deuda griega es
impagable, y por lo tanto los llamamientos griegos a negociarla son mucho más
razonables que la terquedad de la Troika reafirmando el “principio universal”
de que las deudas se pagan. Varoufakis compara la situación de Grecia a la de
un desempleado que no puede pagar los plazos de la hipoteca. ¿Sería lógico
darle un préstamo para que pueda hacer frente a los pagos? Todo eso, sin
embargo, se da bastante de bruces con las afirmaciones de Varoufakis según las
cuales Grecia va a seguir pagando a unos y otros.
Lo demás que
dice Varoufakis parece sobre todo una colección de frases para la galería, sin
mucha coherencia, por decirlo con buenas palabras. ¿Que el crecimiento ha de
manejarse a nivel pan-europeo? ¿Qué ha de lanzarse un programa de inversiones
en toda Europa? ¿Va a convencer el gobierno griego a la Merkel, a Hollande y a
Rajoy, o va a esperar a que Podemos gane las elecciones para tener un aliado?
Varoufakis dice que las inversiones privadas en Grecia se reactivarán en cuanto
se alivie el peso de la deuda. ¿Sí? Primero está por ver si ocurre ese alivio
pero, suponiendo que ocurra, ¿por qué arte de birlibirloque van a reactivarse
esas inversiones? ¿Acaso porque los salarios griegos serán “atractivos” (o sea,
cuanto más bajos mejor) para los hoy llamados inversionistas, alias
capitalistas de otros tiempos? ¿Va a intentar Syriza que se avance en esa
dirección? ¿Acaso van a fluir las inversiones a Grecia porque el nuevo gobierno
brindará seguridad y garantía de que el capital será respetado y no sufrirá
merma en forma de impuestos, nacionalizaciones o regulaciones? Pero quienes
poseen deuda griega, ¿no son precisamente esos capitalistas? ¿No les sonará a
rayos cualquier “quita”, cualquier reducción de la deuda, que no sería otra
cosa que la pérdida parcial o total de su capital?
Cómo podrá
ingeniárselas el gobierno de Syriza para no hundirse en un caos financiero en
los próximos meses y a la vez no defraudar a quienes han votado a la coalición
radical es casi tan difícil como la cuadratura del círculo. Lo que podría
salvar la situación sería una reactivación de la economía mundial, o al menos europea,
que permitiera a Grecia aumentar sus ingresos por turismo, exportaciones y
servicios de carga marítima. Pero la probabilidad de una reactivación de la
economía mundial o europea en los próximos meses parece mucho menor que la
probabilidad de lo contrario, y si lo más probable ocurre, Syriza se verá en
serios aprietos, ni más ni menos en los mismos aprietos que estaba el gobierno
griego anterior. ¿Ocurrirá en Grecia como ocurrió en España en los años
ochenta, cuando el PSOE aplicó a grandes dosis lo que no había podido aplicar
la UCD, la medicina amarga de aumentar la explotación de los asalariados?
Algunas frases de Varoufakis parecen dar a entender que esa es una posibilidad
real. Pero en fin, todo eso está por ver. Durante muchas décadas desde los tiempos
de Marx hasta la segunda guerra mundial las crisis del capitalismo se resolvían
con una combinación de destrucción de capital y aumento de la explotación de
los asalariados, pero las cosas cambiaron en tiempos recientes y salvo en
naciones de poca monta como Islandia y en el caso de capitales pequeños como
los de las empresas medianas y pequeñas que siempre quiebran por centenares en
las crisis, el capital internacional se niega a sufrir pérdidas y usa sus
recursos políticos para salvar sus corporaciones y sus bancos quebrados. La
consecuencia es que las deudas se acumulan por todas partes, sobre todo en los
bancos centrales, y el sistema adquiere un lastre cada vez mayor. Consecuencia
de las rigideces impuestas por la existencia del euro y de la obcecación del
capital mundial por evitar las pérdidas que implicaría la liquidación de esas
deudas es que en Europa la recesión ha sido casi continua desde finales de la
década pasada.
En una de
las respuestas a una pregunta del público tras su presentación
en el Festival Subversivo de Zagreb, Varoufakis dijo que en ninguna
de sus intervenciones políticas o económicas de años recientes se ha guiado por
modelos económicos, que a su juicio son absolutamente irrelevantes para
entender el capitalismo real que hoy existe. La frase tiene su meollo, porque
si no se tiene algún modelo, es imposible hacerse una idea de por dónde se
desenvuelven los fenómenos sobre los que se quiere actuar. ¿Es posible navegar desde
Barcelona a Londres sin mapa alguno que muestre los posibles itinerarios?
¿Puede entenderse un circuito eléctrico con diodos, acumuladores y transistores
sin tener en la cabeza esquemas de cómo funcionan esas cosas?
“El de las
barbas”, como Varoufakis denomina a veces a Marx, se pasó toda su vida
bosquejando planos y esquemas de ese tipo para formar con ellos un modelo
general de la economía capitalista. El modelo general está ciertamente
incompleto, los esquemas no nos permiten predecir por ejemplo que EEUU se
convertiría en la segunda mitad del siglo XX en el principal país del sistema
capitalista mundial, que revoluciones anticapitalistas tendrían lugar en Rusia
y en China (y fracasarían) y que las computadoras y la comunicación internética
cambiarían por completo la apariencia del mundo. Pero los esquemas de Marx,
abstractos en extremo como son, permiten entender por qué el capitalismo es
fuente continua de desigualdad social, por qué está abocado a crisis una y otra
vez y por qué los intentos bien o mal intencionados de regularlo o “salvarlo”
solo conducen al fracaso o a convertir a quienes los protagonizan en parte de
ese grupo de gerentes de alto copete que en España hoy reciben a menudo el
apelativo de “la casta”. Eliminar el capitalismo es ciertamente difícil y
muchos estarán de acuerdo con Varoufakis en que “la izquierda” no está
preparada para ello. Pero afirmar que de lo que se trata hoy es precisamente de
salvar el capitalismo, ¿no es negar todo lo importante que estuvo alguna vez
tras esa nebulosa idea de “la izquierda”? ¿Es compatible esa idea de salvar el
capitalismo con la defensa a corto plazo de los desempleados que pierden sus
subsidios, de los empleados que ven deteriorarse sus condiciones de trabajo, de
los que son desahuciados porque no pueden pagar la hipoteca? Defender los
intereses de quienes son golpeados por la crisis no sustenta al capitalismo, lo
debilita. Pero desde John Maynard Keynes muchos economistas se creyeron aquello
de que aumentar los salarios es bueno para los capitalistas y para el
capitalismo, porque crea más demanda y reactiva los negocios. Y parece que
Varoufakis también se lo cree. Y se lo creen muchos de Podemos. Pero no es verdad.
José A.
Tapia
Marzo 2015
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