03/03/15

José Guinote passa a navegar também a bordo do Vias

Com a participação de José Guinote no Vias, que tenho o gosto de aqui anunciar, o "direito à cidade" e as lutas em torno dos processos de urbanização — entre outros temas, sem dúvida — prometem marcar uma presença mais viva neste blogue. 
À laia de apresentação, transcrevem-se a seguir dois ou três excertos de um post que ele publicou, em Junho de 2014, no seu Pedra do Homem e que dizem sem margem para dúvidas ao que vem este novo viandante:


Portugal tornou-se um país marcado por uma desigualdade social chocante, sobretudo no contexto europeu, sendo hoje um dos mais desiguais, senão o mais desigual, da União Europeia, seja qual for o critério utilizado para medir essa desigualdade.

Esta realidade que se consolidou na nossa sociedade é o resultado mais relevante de um processo de construção política. Um processo longo e inexorável de transformação iniciado há mais de duas décadas, de cuja génese e evolução a esquerda não se pode excluir.

A corrupção foi o mecanismo que possibilitou ganhar etapas nessa construção. Corrupção promovida através da omissão e da acção do Estado de Direito. Estado que promoveu a transferência de bens públicos para mãos privadas, a um ritmo sempre crescente. Permitiu a captura intensiva da mais-valia gerada no processo de urbanização – transformado que foi o processo industrial num processo de urbanização e de desenvolvimento urbano, como antecipara Henri Lefebvre em 1968 - e apurando, cada vez mais, os mecanismos promotores da corrupção presentes no sistema de contratação pública. Só entre 1985 e 2000 foram geradas mais de 100 mil milhões de mais-valias urbanísticas que foram perdidas pelo País. Mais do que o valor do resgate efectuado pela Troika em 2011.

(…)


Talvez seja uma boa ideia regressar a 2005 e à célebre metáfora “dos meus três filhos igualmente amados” - a Economia, o Ambiente e o Estado Social – utilizada por Durão Barroso, no discurso sobre crescimento e emprego. Barroso anunciou, então, ter optado por dedicar o melhor dos seus esforços à economia, o seu filho em pior estado, apostando no crescimento e na criação do emprego para revitalizar o projecto europeu. Colocou no prego a política de coesão territorial europeia e as preocupações ambientais. Dez anos passados, mais de uma dezena de milhões de desempregados depois, com uma cada vez maior clivagem entre países ricos e pobres, com uma desigualdade crescente dentro de cada país, com a direita nazi a capitalizar o descontentamento e o reforço do espírito nacionalista por quase toda a Europa, não são audíveis sinais de arrependimento. Mas os ecos da crescente desigualdade, esses chegam-nos de todos os cantos do solo europeu.

É esta Europa que os seus dirigentes, equipados com as velhas ideias ressuscitadas do meio do século XVIII, conduzem para o abismo e para a guerra, que temos de mudar. Todos os europeus, sob pena de um destes dias nos encontrarmos algures no interior de um conflito da dimensão daqueles que ensombraram a primeira metade do século passado.

O debate em torno da desigualdade crescente e da sua urgente ultrapassagem é o debate necessário à esquerda e só faz sentido no contexto europeu. As perspectivas nacionalistas e aquela história dos dias que passam sobre “qual será o líder mais fadado para conquistar mais rapidamente o poder”, servem apenas para nos distrair daquilo que é urgente fazer. Quem nos resgata do flagelo da desigualdade? É essa a resposta que a esquerda tem que ser capaz de dar de forma clara.







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