02/09/15

Cada vez mais iguais

Como vão longe os tempos em que o Bloco emergiu na sociedade portuguesa como uma clara alternativa ao PS mas, sobretudo, como um alternativa à forma como o PCP dominava a política, do lado esquerdo do espectro, e a conduzia. Muitos que aderiram então ao Bloco ou que com ele passaram a colaborar, criticavam a actuação política dos comunistas, sobretudo ao nível autárquico, e afastavam-se das suas posições. Da mesma maneira criticavam o PS e a sua tendência esquizofrénica para governar à direita com os votos recolhidos à esquerda. A Europa foi sempre um ponto de separação e de clivagem. No Bloco convergiam aqueles que defendiam a Europa dos cidadãos e que, do mesmo passo, rejeitavam não só a Europa neoliberal, que o PS ajudava a construir, mas também a atitude nacionalista que está  por trás da posição dos comunistas, desde sempre contra a integração europeia. Nos dias que passam o Bloco evoluiu para uma posição mimética da do PCP e, de uma forma absurda, faz sua a posição dos comunistas sobre a Europa. O debate desta noite ajudou a clarificar essa posição. Infelizmente. O problema para a actual liderança do Bloco é que os cidadãos que em tempos votaram de forma significativa no partido são, no essencial, politicamente esclarecidos. Como mostra a evolução da votação no Bloco há uma correlação entre a aproximação ao PCP e a irrelevância política. Se durante anos o Bloco ainda se debateu indeciso entre a participação na governação e a atitude de protesto pura e dura, nos tempos que passam é de um pequeno partido de protesto que se trata. Um partido incapaz de mobilizar o descontentamento causado pelas políticas de severa austeridade porque apenas é capaz de o canalizar para o protesto. Essas energias vão ser captadas pelo PCP que tem nesse particular todo um know how a que o Bloco nem sequer pode aspirar. Os recentes resultados eleitorais mostram-no e depois deste debate (?) ameno entre  o velho líder e a jovem dirigente nada de relevante acontecerá que possa agradar aos dirigentes do Bloco.
A esquerda aterra nesta campanha eleitoral de uma forma deplorável. Um PS incapaz de articular um discurso coerente, porque é incapaz de cortar com os fundamentos da sociedade da desigualdade que ajudou empenhadamente a construir. A conversa baseada no crescimento e na confiança esconde um enorme vazio de sentido para a acção política do futuro governo socialista. Responsabilidade para fazer tudo mais ou menos na mesma dentro dos mesmos severos e desiguais limites. Um PS que se mostra incapaz de tecer a mais velada crítica à corrupção que ajudou a consolidar no sistema de contratação pública - via ajustes directos -  e nas políticas públicas urbanas que ajudaram a "construir" o sistema financeiro predador que temos estado a resgatar.  Uma esquerda - materializada no PCP e no Bloco - que aspira ao desaparecimento do PS para tomar o seu lugar. A repetição de tantas e tantas campanhas cansativas e inócuas. Uns epifenómenos "à esquerda de todas as esquerdas" que ou aspiram a governar com o PS e pronto, ou são apenas a última expressão de uma virtude política esmagadoramente ignorada e por essa via irrelevante. Cerca de sessenta por cento dos portugueses vão votar à esquerda. Infelizmente a esquerda não é capaz de, com essa vontade dos portugueses na mão, construir uma plataforma mínima de entendimento que lhe permita governar de uma forma progressista e justa. Fazer aquilo que os portugueses desejam e que tanta falta faz a este país cada vez mais corrupto e mais desigual.

http://expresso.sapo.pt/politica/2015-09-01-O-primeiro-debate-foi-entre-Dupond-e-Dupont

9 comentários:

António Geraldo Dias disse...

O PS sai cada vez mais isolado consequência do seu posicionamento neo-liberal e de uma prática reveladora de desprezo pelo que se passa à sua esquerda incapaz de um gesto genuíno de vontade de lutar por uma maioria que seja hegemónica à esquerda com um programa para o país que permita vencer a direita para derrotar uma política que o está a destruir-faz bem a esquerda quando diz que a "praxis" do PS não o distingue dos partidos à sua direita já que de um contínuo se trata na execução de uma política de gestão da crise - a dimensão da crise vai agravar o "aggiornamento" e conduzir a uma crise de identidade irreversível.

Libertárío disse...

Como libertário estou distante deste tipo de análise que identifica a questão política fundamental com a disputa eleitoral pelo acesso ao parlamento e à consequente formação de um governo. Um análise onde o PS é ainda visto como um partido de "esquerda" quando foi, desde o 25 de Abril, o partido determinante da reorganização capitalista em Portugal.
Para mim a questão é radicalmente diferente: a capacidade, e o desejo, da sociedade se auto-organizar e procurar livremente o seu futuro fora do modelo capitalista e de uma estrutura politica marcada pela dominação de classes. Os partidos políticos, inclusive os chamados de esquerda (mesmo os de origem marxista, como o PCP e BE), estão longe deste projecto, a sua preocupação é com uma pragmática disputa dos micro poderes imediatos, nem sequer têm mais o objectivo da disputa da hegemonia política e cultural com as classes dominantes…
Por tudo isso a minha política continua a ser de desobediência civil, de abstenção, o meu voto não irá legitimar este sistema. Na rua sim, pode ser que nos encontremos.

Miguel Serras Pereira disse...

Libertário,

Não estou, evidentemente, mandatado para falar pelo J. Guinote. Mas quero crer que ele pensará também que a grande questão está onde assinalas: "a capacidade, e o desejo, da sociedade se auto-organizar e procurar livremente o seu futuro fora do modelo capitalista e de uma estrutura politica marcada pela dominação de classes". No entanto, quem põe a questão que pões, tem de pôr também outras: como procurar suscitar e desenvolver a capacidade e a vontade da autonomia e dessa democratização radical que referes. Ora, resumindo muito, é razoável pensar que aquilo que se passa ao nível instituído é relevante para a criação de condições mais ou menos favoráveis às formas de acção que estipulas. Claro que o perigo é o que tu assinalas e que é estreita a via de uma intervenção eleitoral que possa contribuir para reforçar e desenvolver a capacidade governante dos cidadãos comuns em vez de servir de mecanismo que reproduz as lógicas da representação que legitimam a divisão estrutural e permanente entre governantes e governados, que é, sem dúvida, a matriz de toda a hierarquia classista. E é verdade também que há outras coisas que se podem tentar fazer e que, se não tentarmos fazê-las, condenarão toda a intervenção institucional a funcionar apenas como um reforço ou reciclagem da ordem estabelecida.

Abraço

msp

António Geraldo Dias disse...

Caro Libertário a questão da hegemonia "nem sequer têm mais o objectivo da disputa da hegemonia política e cultural com as classes dominantes…"é de facto a questão central e tendo em conta que o PS não é para aqui chamado- a esquerda do partido que me desculpe - a sua base de classe,a sua organização intelectual, a necessidade de ampliar a base social da classe fundamental e a análise da correlação de forças na disputa pela hegemonia ...o PCP e BE,estão longe deste projecto,concordo só parcialmente -"a sua preocupação é com uma pragmática disputa dos micro poderes imediatos" talvez mais o BE que o PCP que tem mais o objectivo da disputa da hegemonia política e cultural com as classes dominantes numa perspetiva histórica pelo menos.

Libertário disse...

Concordo, com Serras Pereira, que «é razoável pensar que aquilo que se passa ao nível instituído é relevante para a criação de condições mais ou menos favoráveis» à liberdade, autonomia e auto-organização. No entanto, vivendo os tempos que vivemos, deixo para os ainda crentes nas virtudes da participação política através do voto o decidirem por mim...Até porque o meu dever cívico esgotou-se nos anos 70 nas primeiras eleições livres realizadas neste país, após o tal meio século de ditadura. Por outro lado há vida para além do Parlamento e do Estado e formas de acção mais eficazes, e práticas, do que alinhar em filas à espera de receber um papel onde querem que faça uma cruz ou, em último caso, não faça nada mas legitime o ritual eleitoral.

Considerando o que sabemos sobre a história da gestão capitalista dos sociais-democratas ao longo do século XX e das repetições trágico-cómicas do PT, no Brasil e, mais recentemente do Syriza, o meu estômago não aguenta mais engolir sapos. Por tudo isso, abstencionista sempre!

Resumindo, os nossos problemas sociais e políticos ou se resolvem na rua ou não se resolvem. Chega de debates com as classes dominantes e desta nova mania que temos de ser propositivos, ou seja, comprar corda para nos enforcarmos ou pagarmos as balas do inimigo...

E se querem que também eu tenha uma proposta, aí vai a minha: acabar com esta classe, (ou será classes no plural?», dominante. Está feita democraticamante a proposta embora não saiba se é constitucional.

Miguel Serras Pereira disse...

OK, Libertário. Só duas observações: 1. dizer que "os nossos problemas sociais e políticos ou se resolvem na rua ou não se resolvem" é um pouco sumário e insuficientemente libertário. A rua como lugar de manifestação ou insurreição não pode garantir por si só a autogestão da cidade, dos locais de trabalho, dos problemas e assuntos ambientais, de todas as questões que na vida quotidiana de cada um relevam de decisões colectivas. Pode ser, quando muito, a rua, a derrubar um governo ou um regime, mas não basta para o substituir pela cidadania governante, pela participação igualitária de todos nas decisões que os vinculam, etc., etc. 2. Quanto à tua proposta de acabar com a dominação classista, subscerevo-a sem reservas, só que, por maior que seja o entusiasmo com que a ela adiro, não posso deixar de perguntar: Como fazê-lo? Como ousar lutar e ousar vencer? Como "governar" a a acção e as lutas a partir de hoje mesmo?

Abraço

msp

Anónimo disse...

Há alguns dados relevantes que talvez importe relembrar neste debate fulgurante sobre o processo de transformação social e politic que está na base da ideia de Revolução, processo com cerca de 200 anos de existência e com exemplos múltiplos no teatro da história mundial...Ora, Castoriadis sublinha, preto no branco: " No plano das ideias, agora: revolução não significa tão-só a tentativa de re-instituição explicita da sociedade. A revolução é essa reinstituição pela actividade colectiva e autónoma do povo, ou de uma grande parte da sociedade. Ora, quando essa actividade se dissemina, nos Tempos Modernos, (ela) apresentou sempre um carácter democrático. E sempre que um forte movimento social desejou transformar radicalmente mais pacificamente a sociedade, teve que fazer face à violência do poder estabelecido. Por que é que se esquece o que aconteceu na Polónia em 1981 ou na China em 1989? Quanto ao totalitarismo, que é um fenómeno pesado e complexo, torna-se dificil compreendê-lo pela tese: a revolução produz o totalitarismo( que se viu ser empiricamente falsa pelos dois lados: todas as revoluções não geraram totalitarismos, e nem todos os totalitarismos estiveram ligados a processos revolucionários). Mas se pensamos nos germens dda ideia totalitária, é impossivel desvalorizar desde logo o totalitarismo imanente ao imaginário capitalista: expansão ilimitada da " regulação racional " e a organização capitalista da produção nas fábricas. Seguidamente,não podemos ignorar a lógica do Estado moderno, a qual, se a deixamos chegar aos extremos, tende para o controlo total ". E Casto num dos seus textos mais emblemáticos- e que demorou cerca de 10 anos a ser concluido- "Poder, Politica e Autonomia", justamente-não ilude nem se descuida para exortar ao pleno de participação na criação do poder colectivo onde a democracia é pensada e deve realizada até ao fim.Niet

José Guinote disse...

Em primeiro lugar peço as minhas desculpas por não ter vindo mais cedo ao debate que o meu post suscitou. Tenho estado "ausente" por afazeres vários. O meu post tem como leit-motiv o que era para ter sido um debate entre as duas forças políticas situadas à esquerda do PS. O Libertário perdoar-me-á mas em nenhum lado identifico a "questão política fundamental com a disputa eleitoral pelo acesso ao parlamento e a consequente formação de um governo". O que ali salientei foi apenas o crescente esvaziamento do Bloco pela sua progressiva colagem ao PCP. O "debate" teve uma virtude: clarificou como essa colagem está quase concluída, com o capítulo europeu a fechar esse processo de mimetização em curso. Admito que haja quem não se interesse por este tipo de acontecimentos e não lhes reconheça qualquer utilidade. Não é o meu caso. A mim preocupa-me a questão da qualidade da democracia. Não me parece que as eleições e os processos eleitorais possam ser descartados como oportunidade de potenciar os mecanismos que permitam ajudar a qualificar a democracia. Não me parece que a questão da escolha do Governo seja um processo menor ou um momento menos importante para a democracia. Os trabalhadores e os cidadãos em geral - aqueles que não pertencem aos sectores favorecidos das actuais sociedades - confrontam-se todos os dias com a escassez do tempo. O tempo para serem felizes, para viverem melhor, para terem mais direitos, para poderem participar decisivamente na definição da sociedade em que vivem, é um tempo curto e passageiro. Ou agem ou esperam e definham. Muitos daqueles que actuam politicamente na sociedade fazem-no a partir de posições sociais muito confortáveis. Preservam os seus lugares de origem na Academia ou nas Empresas e a aventura da participação política paga-se muito bem. Esses têm todo o tempo. Não será por acaso que o discurso politico é conjugado no tempo futuro. O tempo das promessas, o tempo do que acontecerá ou talvez não, depois logo se vê. Nas democracias ocidentais, na América, os cidadãos actuam, manifestam-se, organizam-se de diferentes formas que não se esgotam nos partidos e nas formas tradicionais de organização como as associações e os sindicatos. Fazem-no porque o avanço das transformações sociais repressivas dos seus direitos a isso os obriga. Não se trata sequer, nos tempos que correm, de actuar no sentido da transformação da sociedade, trata-se quase sempre de resistir. Mas, há exemplos vários, os cidadãos. sobretudo os urbanos, conseguem mudar a relações de força existentes e impor alterações ao modo de organização social. As lutas sociais em torno do direito à cidade estão aí um pouco por todo o lado para o mostrar. Nas eleições podemos ver, quase sempre, como as diferentes estruturas partidárias lidam com esses movimentos, como incorporam, ou não, nos seus programas, nas suas opções essas aspirações. Nesta eleição específica e neste debate mais à esquerda em particular, sobressaem sinais de um enorme desfasamento entre o que as pessoas esperam e aquilo de que "eles" falam. Quem optar, legitimamente, por questionar a eficácia destas transformações e recusar que elas sejam possíveis no quadro da sociedade capitalista pode optar por não se interessar por estes acontecimentos. Não é o meu caso. Quem acusa a actual União Europeia de ter promovido uma política que esmagou a componente participativa da democracia, institucionalizando a participação política e transformando os cidadãos em consumidores, não pode ignorar, acho eu, a importância da participação política em todos os níveis em que ele se possa exercer.

joão viegas disse...

Ola camaradas,

Bom, uma coisa é certa, não ha revoluções constitucionais, julgo que todos concordaremos com isto. A questão melindrosa, no entanto, é outra : havera constituições revolucionarias ? Se não for o caso, de que nos vale ao certo a revolução ?

C'est d'une simplicité biblique
D'abord faut plus d' gouvernement
Pis faut plus non plus d' république
Plus d' sénat et plus d' parlement

Plus d' salaud qui vit à sa guise
Pendant qu' nous on s' donne un mal de chien
Plus de loi, plus d'armée, plus d'Église
Faut plus d' tout ça, faut plus de rien !

etc.

Abraços libertarios a todos