22/09/15

Quem ganhou as eleições na Grécia?

A clara vitória do Syriza - novamente à beira da maioria absoluta - é uma estrondosa derrota da direita pró-austeritária e, como se percebeu pelas reacções, em particular do inenarrável presidente do parlamento europeu, daqueles  que exercem, com mão de ferro, o poder na Europa. A estratégia do  "parêntesis de esquerda" falhou. A pressão da União Europeia, do Eurogrupo e do BCE sobre o Governo Grego, obrigou Tsipras a engolir o terceiro pacote de austeridade, mas não vergou o povo grego. Quem manda na Grécia são os gregos, disseram- no mais uma vez nas urnas. Ao mesmo tempo que reafirmaram a sua vontade, esta sim irrevogável, de permanecer na União Europeia e no Euro.
A vitória do Syriza foi também uma pesada derrota dos sectores da esquerda nacionalista, Uma derrota do KKE e do novo partido, dos dissidentes do Syriza, a Unidade Popular, que defendia a saída do euro e o regresso ao dracma. Os Gregos sabem bem quanto pagaram ao longo dos tempos pelo isolamento. Parece que estão convencidos que podem mais facilmente lutar pelas mudanças que desejam permanecendo no interior da União. Ainda bem.
A vitória do Syriza, do meu ponto de vista, não pode ser considerada uma pesada derrota das forças anti- austeridade  na Grécia, como aqui se escreveu. A maioria dos que votaram no Syriza são contra a austeridade e o próprio Syriza não desiste de modificar as condições  políticas dominantes. Tsipras desde que foram anunciados os resultados não perdeu as oportunidades para referir a renegociação da dívida como uma questão central do futuro próximo. A lenta alteração da correlação de forças na União Europeia vai permitir colocar esse debate na agenda política. Mesmo contra a vontade da Alemanha.
Por cá, estranhamente, ninguém parece entusiasmado com este resultado. A coligação esperava a vitória da Nova Democracia. Teria caído como sopa no mel. O PS fartou-se de acusar o Syriza de incompetência e de referir que a renegociação da dívida não é uma prioridade. Parecia dar como adquirido um vitória da direita e estava a minimizar perdas. O Bloco resolveu alienar a sua relação com o Syriza e, pelo que se percebe, está hoje do lado da Unidade Popular. Foi flagrante a ausência do Bloco na campanha grega, contrastando com a posição do Podemos. Mas fará  todo o sentido face à aproximação às posições da CDU no que à União Europeia diz respeito.
Esta vitória do Syriza abre caminho a uma nova relação de forças na União Europeia e permite ajudar a construir uma frente europeia contra a austeridade. Uma frente de partidos mas sobretudo de cidadãos, de movimentos sociais que, como referiu Jeremy Corbyn, não desistam de uma Europa do progresso, da paz  e da justiça social. Uma Europa dos cidadãos.

7 comentários:

Paulo Marques disse...

São os amanhãs que cantam europeus. Qualquer dia, qualquer dia...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,

muito haveria a discutir, levantando questões de fundo, em torno deste post. Mas, para já, apenas uma questão: como compreender que, no momento em que o soberanismo, no contexto da crise dos refugiados, além de ameaçar milhões vidas, ameaça também a própria existência da UE, pondo-a perante a alternativa de ou aprofundar uma integração de tipo federal, ou provavelmente recuar e acabar por soçobrar, o Syriza opte pela aliança com um partido nacionalista radical, fiel ao sabre e ao hissope, cuja presença no governo é, por si só, uma barreira que corta o caminho a quaisuqre perspectivas realistas de avanços "federais"?

Abraço

miguel(sp)

José Guinote disse...

Meu caro Miguel a questão que levantas relativamente à coligação com os Gregos Independentes não é diferente da que se colocava quando da primeira coligação em Janeiro. O Syriza não teria uma alternativa viável para assegurar a maioria absoluta necessária para formar Governo. Não me recordo, assim de repente, com excepção de uma declaração lamentável sobre a abertura das fronteiras para permitir aos migrantes "invadirem" o centro da Europa, nos momentos mais quentes da negociação com Bruxelas, de atitudes de teor nacionalista do primeiro governo do Syriza.

Miguel Serras Pereira disse...

Meu caro José Guinote,
há mais declarações desse e maior calibre. Por exemplo, em Dezembro de 2014, Kammenos afirmava que, na Grécia, "os budistas, muçulmanos e judeus não pagam impostos", e referia-se à Igreja Ortodoxa do seu país, dizendo-a "em risco de perder os seus mosteiros" ( http://tempsreel.nouvelobs.com/monde/20150921.OBS6243/grece-panos-kammenos-l-etrange-allie-d-alexis-tsipras.html ). E, no momento em que, sem novas "transferências de soberania" — oi seja, sem aprofundamento da integração federal — a UE corre o mais sério risco de sucumbir perante a recrudescência de nacionalismos vários e pouco pacíficos, escolher um aliado soberanista é, pelo menos, para o Syriza, dar novo tiro no pé do europeísmo de que se reclama.

Abraço

miguel(sp)

Anónimo disse...

" O Euro é o buraco negro da economia mundial. A Europa obstinou-se numa posição de falhanço económico inacreditável, e que evoca, de facto, um elemento de loucura.Marchamos no irracional e na loucura, uma espécie de excesso de racionalidade que produz um irracional colectivo. O trágico real da situação grega e no plual extenso dos outros Estados em crise, é que a Europa é um Continente que, no séc. 20, de forma ciclica, se suicida sob direcção alemã. Houve primeiro a guerra de 14, e depois, a II Guerra Mundial. Agora, o continente é mais rico, mais calmo, desmilitarizado, envelhecido e artritico. Neste contexto lento, como que au ralenti, estamos a assistir, sem dúvida, à terceira destruição da Europa, e de novo sob direcção alemã ", Emmanuel Todd. Le Soir, Bélgica. 10 Julho p.p. O mais inquietante nesta situação polifacetada é a posição assumida pelos USA. Dá a impressão que Obama deseja ignorar- por multiplos designios- os graves problemas que sacodem a Europa. Como que, sem o expressar muito claramente, o que lhe parece interessar e resolver é impedir uma fatal aliança politica e económica entre a Rússia e a China, tentando minimizar e prolongar os efeitos da crise europeia e, por outro lado, forjando uma "aliança " contra-natura para estabilizar os efeitos da guerra religiosa na Siria-Iraque e Afeganistão,em tempo de irradiação para o Libano, a Turquia/Curdistão e o Egipto. Niet

jose guinote disse...

Miguel, as contradições do Syriza são várias, como por aqui se foram discutindo e salientando ao longo destes, apesar de tudo longos e interessantes, nove meses. A sua aliança com os nacionalistas não será a menor delas. Mas, apesar disso, o Syriza ainda representa no contexto grego e até Europeu uma possibilidade real de questionar e tentar mudar o modus operandi europeu e a lógica que coloca os países ricos contra os países pobres e subverte os princípios fundadores da solidariedade e da coesão sócio-económica, reforçados em 2000, em Potsdam, pelo príncipio da coesão territorial, pasme-se.
Mas, no meu post chamava sobretudo a atenção para as leituras que este resultado suscitou, ou não, tendo presente a campanha eleitoral em curso.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,

o problema é que todos os dias aparecem notícias assustadoras sobre o soberanismo, o racismo, a fidelidade ao sabre e ao hissope, dos Gregos Independentes. Hoje, dizem-nos que um dos ministros do novo governo de coligação defende a tese de que o 11 de Setembro foi obra dos judeus, além de difundir teorias conspirativas que nada ficam a dever aos Protocolos dos Sábios de Sião. Cf. http://observador.pt/2015/09/22/alexis-tsipras-ja-governo-formado/ . Se é com estes aliados que o Syriza pretende "questionar e tentar mudar o modus operandi europeu", é caso para nos interrogarmos que novo modus operandi poderá resultar de tão estranha aliança e da euforia de Tsipras ao renová-la.

Abraço

miguel(sp)