04/12/15

A Cidade à mercê do Mercado.

A venda dos terrenos da Feira Popular sofreu mais um contratempo. Pelos vistos a hasta pública marcada para ontem ficou deserta e a venda ficou adiada para melhores dias. Lisboa tem um problema grave de povoamento com implicações terríveis. Ao longo de trinta anos a cidade perdeu mais de 300 mil habitantes. Sucessivas Câmaras e sucessivos Governos revelaram-se incapazes de inverter este processo de desertificação da cidade, acompanhada por uma forte segregação social e espacial. O crescimento da população de alguns concelhos limítrofes, a sul e a norte do Tejo, e o aumento constante das deslocações pendulares baseadas no transporte individual, são uma das faces dessa moeda. A outra face é o aumento brutal do número de Condomínios Privados e a guetização - para muito ricos, mas uma efectiva guetização - de bairros inteiros da cidade, com uma suposta renovação urbana, e a aposta desenfreada no turismo, a criar as condições para a sua elitização.
Sempre que a autarquia tem a possibilidade de vender terrenos municipais é confrontada com a possibilidade de inverter este processo. Depara-se com duas opções, a saber: continuar a entregar nas mãos do Mercado a condução do processo, conferindo-lhe, dentro de limites por si definidos, total liberdade, ou, mudar de paradigma, liderando ela o processo de urbanização e recuperando os melhores exemplos da história da cidade.
A opção tem sido sempre pela primeira hipótese. Há alibis vários que a justificam.  Consultores estratégicos que defenderão esta opção com o Estado da Arte das ciências urbanas. Mas é de uma opção política que se trata. Com resultados visíveis, mensuráveis: uma cidade cada vez menos inclusiva.
Neste caso a autarquia parece estar a falhar na "adivinhação" do que  o Mercado quer. Pelo que se diz na notícia o Mercado acha que há pouca habitação autorizada. Menos de 35 por cento da área total de construção. Parece, assim à primeira vista, que o Mercado tem razão. Trinta e cinco por cento parece próprio de uma cidade - e de um bairro na cidade - em que faltem comércio e serviços e abunde habitação. Uma cidade ao contrário de Lisboa. Porque não cinquenta por cento de habitação? Porque não setenta e cinco por cento de habitação?
Mas, mesmo que fossem esses os limites fixados, ficaria sempre a necessidade de responder a outro tipo de questões. De que tipo de habitação está o Mercado a falar? Para quem e a que custos? Com que nível de segmentação?
Bom, isso é entrar em teorias socialistas, ideias radicais, velharias dos anos setenta do século passado. Estes são outros tempos. Os tempos da modernidade, da internacionalização da capital, da sua competitividade. Deixemos o Mercado tratar da cidade. A sua competência tem sido evidente. Os resultados estão à vista. Assim os poderes públicos fossem igualmente competentes a abrir vias rápidas para os cada vez maiores e mais distantes dormitórios nas periferias. É preciso optimizar a entrada e a saída da cidade daqueles que só cá fazem falta para ... produzir. É preciso investimento público. Precisamos de autarcas capazes de perceberem cada vez melhor aquilo que o Mercado quer. Sem hastas públicas desertas.





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