26/10/16

Danos Irreparáveis: Nova Yorque contra a Airbnb. The times they are a changing.

Não deixa de ser uma ironia. Uma das cidades mais injustas do mundo, Nova Yorque, aprovou uma lei, no passado dia 20 de Outubro pela mão do Governador do Estado, Andrew M. Cuomo, que obrigou a plataforma digital de alojamento  Airbnb, a intentar uma acção federal para  a anular. Esta lei impõe pesadas multas aos proprietários que anunciem as suas residências no site da Airbnb, multas que vão até 7500 dólares. Quem o escreveu foi o New York Times  na sua edição internacional do passado dia 24 de Outubro. Percebe-se o transtorno que tudo isto está a causar à plataforma electrónica. Segundo a Airbnb esta lei irá provocar danos irreparáveis à empresa e, segundo as fórmulas muito em voga em Portugal, à "economia colaborativa" que a plataforma estimula incessantemente. O negócio da  empresa em Nova Yorque vale mil milhões de dólares por ano. Percebe-se que seja motivo para lutar contra todas as formas de regulação que o Estado queira promover. Que isso aconteça no coração do capitalismo puro e duro é uma ironia. Que isso seja protagonizado pelo poder politico de uma das cidades mais injustas existentes à face da terra, quando as comparamos segundo os critérios da equidade, da democracia e da eficiência das politicas públicas urbanas é ainda maior motivo de espanto.
O que levou o Governador do Estado e o Presidente da Câmara de Nova Yorque, o democrata Bill de Blasio, a colocarem-se na linha de tiro dos advogados da Airbnb? Muito simples. Em Nova Yorque, como em todo o lado, a entrada, no mercado do arrendamento de curto prazo, destas plataformas determinou que o pouco alojamento destinado ao arrendamento de longa duração tivesse desaparecido e que o arrendamento social esse, pura e simplesmente, sumiu. Esta situação penaliza os nova-iorquinos de mais baixos rendimentos e coloca os interesses dos turistas, cujos  períodos de permanência na cidade são muito curtos,  acima dos interesses dos seus habitantes. O arrendamento de média ou longa duração quase desapareceu, atingindo o ainda disponível preços elevadíssimos. Claro que fica bem lembrar que os turistas não são nossos inimigos, como é costume escutar nestas alturas. Pois não, mas os "empresários"  da tal economia colaborativa se calhar são inimigos de uma ideia básica de direito à cidade, ainda que seja apenas o direito a viver na cidade em que nascemos e trabalhamos.
Há várias opiniões a defrontarem-se neste momento de guerra aberta.
Pelo lado da empresa a acção movida no Tribunal Federal argumenta que a lei aprovada pelo governador Cuomo irá causar danos irreparáveis à empresa. Esta lei, que tanto transtorno está causar à plataforma electrónica, impõe pesadas multas, que vão até 7500 dólares,  aos proprietários que anunciem as suas residências no site da Airbnb. Uma estratégia que parece ter sido desenhada para evitar que a empresa viesse a obter decisão judicial favorável por pretensa limitação da actividade empresarial por meios digitais. A lei pune os que recorrem ao site da empresa para divulgar a sua oferta de alojamento. Com um objectivo claro.

"New York is taking a bold step that will hopefully set a standard for the rest of the country and other countries in the world that are struggling with the impact of Airbnb on affordable housing" 

Claro que nesse caso a empresa fica obrigada a não divulgar alojamentos cujos proprietários tenham sido objecto de acção legal por parte das autoridades. Um porta-voz do Governador Cuomo afirmou que:

"Airbnb can´t have it both ways: it must either police illegal activity on its own site, or government will act to protect New Yorkers."  

 A plataforma argumenta que não lhe compete a ela fiscalizar a legalidade dos actos daqueles que utilizam a plataforma para divulgar os seus alojamentos. Desde 2010 que existe legislação que ilegaliza a oferta de alojamento por períodos inferiores a 30 dias a todos os que não exercem a actividade de hotelaria. Esta medida era ignorada pelas próprias autoridades. Agora esse tempo terá acabado. O porta-voz do presidente da Câmara Bill de Blasio veio afirmar que:

"We would apply this tool, just as we do our current ones, to hold bad actors accountable. (...) illegal rentals compromise efforts to maintain and promote affordable housing by allowing those units to be used as unregulated hotels". 

Pois é, os tempos estão  a mudar e para melhor. Mesmo que essas mudanças venham do coração do capitalismo, lá onde os direitos dos mais fracos são muitas vezes esmagados.




6 comentários:

Anónimo disse...

Há só um problema.
Sem Airbnb -via aumentos anedóticos de taxas e multas no Alojamento Local- nas cidades que o turista tenha interesse em visitar, não haverá oferta simples, vasta, variada e apelativa de alojamento (local).

Sem oferta variada e apelativa de alojamento (local) o turismo e todo o negócio associado, retaurantes, compras, passeios, Tuk-tuks ... realmente terminará ANTES do tempo espectável. Algum francês terá desejo de tornar a visitar Lisboa, cheia de franceses, mais do que uma vez?. Vejam o que aconteceu no Sul de Espanha, cidades turísticas que apenas morrem, devagarinho.

Sem todo o negócio criado pelo AL, e actividades associadas, os Nova-Yorquinos, e os Lisboetas, ficaram com uma cidade deserta, mas sua, para si, com centenas de lojas e Hoteis, fechados.

E mais uma vez as autoridades provam que a sua habitual única forma de intervenção (taxas e taxinhas) é a mãe de todos os desastres. Que tal se deixassem o mercado funcionar em vez de proclamar um inexequível socialismo habitacional?.

José Guinote disse...

Bom em primeiro lugar bem-vindo ao debate, caro "Anónimo". Depois vamos lá ver há aqui uma diferença de ideias, e de conceitos, mas daí não virá mal ao mundo.Os franceses que muito nos visitam, nos tempos que correm, gostam de dizer "il faut de tout pour faire un monde" . Será que pode esclarecer melhor o seu conceito de "socialismo habitacional"? Não se percebe o que seja, nem julgo que alguém possa entender que em Nova-Yorque os democratas resolveram implantar uma forma de "socialismo habitacional" seja lá isso o que for. Da mesma forma que ninguém acusará a senhora Merkell, e os seus amigos de Berlim, de o terem feito, ao proibirem a actividade da Airbnb. E podia citar outros exemplos de cidades insuspeitas de serem parte de uma conspiração mundial para implantar um modelo de socialismo habitacional.
Se estiver com disposição esclareça melhor a relação que estabeleçe entre o aumento da actividade do alojamento local e o aumento da oferta de serviços, que a cidade - neste caso estará a falar de Lisboa - em geral presta aos seus cidadãos. Pode ser uma análise interessante e pode até ter algum fundo de razão, não estou a ironizar.
Mas, talvez não lhe tenha passado pela cabeça que a cidade não é um mero produto e que os seus cidadãos não são meros consumidores. Há outros valores em jogo e outras questões muito importantes de que se faz a vida do dia a dia de todos nós e a economia profunda da cidade e do país.
Seja bem vindo a este debate e veja lá venha em nome próprio que isso do anonimato aqui não dá créditos.

joão viegas disse...

Ola,

Não sei até que ponto é que o comentador anonimo esta a procurar ser ironico, mas o que ele diz mostra que as praticas Airbnb não levam apenas ao absurdo total de um ponto de vista da politica urbana e da economia local, são também completamente disparatadas do ponto de vista do puro bom senso.

As cidades apareceram uns bons milénios antes de aparecerem os turistas e, tanto quanto julgo saber, são os turistas que procuram cidades bonitas, de interesse, etc., e não as cidades que procuram turistas para sobreviver. Tirando talvez Las Vegas, não existe nenhuma cidade que tenha conseguido ficar de pé muito tempo transformando-se deliberadamente em parque de atracção.

E cabe também referir que nem a industria do turismo, nem o proprio turismo, correspondem a necessidades basicas ou a liberdades fundamentais. E' portanto perfeitamente legitimo que se reflicta e que se legisle tendo em conta as suas consequências desastrosas do ponto de vista urbanistico, ecologico, etc. Até porque o tursimo acaba por matar-se a si proprio, como muito bem salienta o anonimo. E o caso de Lisboa é paradigmatico neste sentido : qual é mesmo o interesse de acolhermos manadas de turistas desviadas momentaneamente de Marraquexe e que andam literalmente aos saltos pela cidade ? Qual é a mais valia de transformar uma das mais bonitas cidades do mundo numa reles Benidorm ?

E ainda não falamos da epidemia de cruzeiros, nova forma de pesca industrial ao porta moedas do reformado alemão... E' isso que queremos ? Que tristeza !

José Guinote disse...

Comentário certeiro e profundo meu caro João Viegas. O comentário do nosso estimado anónimo, era contraditório. Metade defendia uma tese - a de que o afluxo de turistas precede sempre a fase do seu abandono com as irreparáveis, a médio prazo, consequências urbanísticas e de sustentabilidade da própria urbe.Bom não sei se ele chegava a tanto e ele ainda não nos veio dizer mais nada. A segunda parte, punha-se, não digo senão ele não volta mesmo, a contradizer-se. a inventar fantasmas do tipo socialismo habitacional. Voltando ao tema a questão é muito mais importante do que a importância do turismo, pese embora a sua importância económica de curto prazo. Quando os turistas se cansarem de ver sempre a mesma coisa e descobrirem que já só encontram nas ruas outros franceses, outros alemães e outros ingleses, além das mesmas lojas com as mesmas cadeias de roupas e um ambiente noturno cada vez mais saturado de idiomas bárbaros, pisga-se e vai para outro lado igualmente anónimo, onde durante algum tempo terá a sensação de ter mudado. O problema da gentrificação do centro e do mercado do arrendamento de curta duração deixado de rédea livre - a situação actual em Lisboa, para ser rigoroso - ´que num curto espaço de tempo faz duas coisas: promove uma reabilitação urbana no centro das cidades que é uma renovação urbana, coisas diferentes, já que a segunda opera sob o comando dos sectores da promoção imobiliária com maior poder de suportar valores fundiários elevados. Isso determina uma prévia expulsão das populações de menores recursos para a periferia e impõe uma barreira ao acesso de novos moradores ao centro da cidade. Podemos depois reflectir sobre a própria democracia e sobre o carácter interclassista e democrático das cidades. Um abraço.

JS disse...

Obrigado JV e JG. Se bem percebi estamos do mesmo lado na análise e, porventura, nas potenciais consequências da intervenção de um Governador, profundamente socialista em NY, claro.

"... inexequível socialismo habitacional?.". Sabemos que "os poderes que existem" ao legislar, agitando com a mão direita o carácter social da medida, é porque querem esconder o passe que a mão "sinistra" realmente quer executar.
Os turistas votam ?. JS

José Guinote disse...

A publicação do comentário do Anónimo/JS deve-se apenas à possibilidade de evidenciar que por detrás dos aspectos aparentemente contraditórios do seu primeiro comentário, o que havia era apenas um enorme vazio e um jeito provocatório de abordar uma questão séria. Futuros comentários com a mesma "profundidade", serão objecto do adequado tratamento que a profundidade exige.