Uma coisa digna de nota, a respeito da morte de Fidel Castro, é a admiração por Fidel e/ou por Cuba (e, já agora, também pelo "Che"), não apenas entre os comunistas ortodoxos (isso não tem mistério nenhum), mas também entre pessoas que até sempre foram bastante críticas dos regimes da Europa de Leste, que diziam que esses países não eram o "verdadeiros socialismo", etc., etc.
Afinal, Cuba não tinha qualquer diferença relevante face a esses regimes - o modelo era o mesmo: uma economia estatizada, dirigida por quadros dos ministérios do planeamento e afins, e um partido único, sem sequer direito de tendência (tal e qual o Partido Comunista da União Soviética, e ao contrário, p.ex., do Partido Comunista Pan-Russo Bolchevique até 1921). A única coisa que talvez pudesse dar a ilusão de Cuba ser uma sociedade diferente seriam os "Comités de Defesa da Revolução", no fundo milícias de bairro, que poderiam fazer os mais entusiastas ver lá uma espécie de "poder popular de base", mas mesmo isso requeria uma grande auto-ilusão, porque se trata de organizações para por em prática as decisões do governo (e reprimir os dissidentes), não de organizações para tomar decisões.
Mais, Cuba identificava-se abertamente com esses regimes e o Partido Comunista Cubano tinha "relações fraternas" com o PCUS - nem sequer era como a China ou a Albânia, que diziam que eram diferentes (para não falar na Jugoslávia, que, essa sim, tinha mesmo diferenças de monta). É verdade que, logo nos primeiros anos após a revolução, Cuba dizia-se uma "república democrática nacional" e não uma "republica popular", mas creio que até tinha sido o próprio regime soviético a incentivar essa distinção.
Talvez o sinal de "diferença" que levasse alguns anti-Moscovo a ser pró-Havana tenha sido o facto de a revolução não ter sido feita pelo partido comunista "oficial" - o Partido Socialista Popular - mas pelos guerrilheiros do Movimento 26 de Julho (após a revolução o M-26-7 e o PSP dariam origem ao atual Partido Comunista de Cuba), e mais tarde o "processo Escalante", em que o ex-dirigente do PSP e alguns elementos próximos foram destituídos e presos, acusados de conspirar com diplomatas soviéticos para afastar Fidel Castro. Mas tal nunca chegou a dar origem a um afastamento entre Cuba e a URSS, ou a uma critica pelos cubanos da ideologia ou do modelo comunista ortodoxo (quando muito apenas a discordâncias técnicas, como a oportunidade da guerra de guerrilha), limitando-se a ser pouco mais que uma questão de pessoas (Escalante ou Castro?). Ou seria que era sobretudo a ideia de um grupo de jovens mais ou menos intelectuais, agindo independentemente do PC, a fazer uma revolução que era atrativo para muita da esquerda alternativa (nomeadamente da época, em que as universidades ocidentais andavam a pulular de jovens revolucionários em rotura com os PC's tradicionais)?
Tudo computado, mantenho que isto é mesmo algo difícil de compreender (fazendo lembrar aquelas pessoas que se convencem que alguém está apaixonado por elas, mesmo sem esse alguém dar qualquer sinal nesse sentido e muitos em sinal contrário) - pessoas que queriam construir um socialismo "diferente", alternativo tanto ao estalinismo soviético como à social-democracia dos "socialistas" ocidentais andavam (em maior ou menor grau - e muitos parece-me que nunca chegaram mesmo a romper definitivamente) entusiasmadas com um regime igual ao soviético e que se assumia abertamente como sendo do mesmo tipo.
27/11/16
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5 comentários:
1. a revolucao é recente, representa um sangue novo.
2. é um país tropical e latino, o que por si só causa mais identificacao
3 . os revolucionarios tinham estilo, nao eram cinzentoes de fato e gravata
mas penso que mais importante que tudo. foi a revolucao que abriu as portas a um novo internacionalismo que muito contribuiu para a libertacao da africa colonizada.
Muito bem
Sim, parece-me uma questão bastante "emocional". Muitos Trotskistas podem ter um ódio particular por Estaline que é justificado verbalmente como sendo derivado da aversão ao regime repressivo que erigiu e liderou, mas ao qual não deve ser alheio o facto de Estaline ter perseguido e ordenado o assassinato de Trotsky.
Se há algumas décadas atrás se tivesse descoberto que tinha sido Castro a mandar matar Trotsky, talvez a perspectiva dos Trotkistas face ao regime cubano fosse muito diferente.
Porque é evidente que qualquer Trostkista justifica a sua admiração por Trostsky com base nas suas ideias e naquilo que ele representou, mas no fim de contas nós somos todos humanos, e parte da afeição pela figura de Trotsky assume para quem admira as suas ideias uma componente também pessoal (que o facto de nunca terem conhecido o indivíduo até pode exacerbar, ironicamente). E isso acaba por transmitir-se também (por oposição) à figura de Estaline e tudo o que ele representou, incluindo a continuação do seu regime na URSS. O regime cubano escapa a esta dimensão "pessoal".
Dito isto, também me parece que os Trotskistas são críticos do regime cubano e da sua repressão. A componente emocional desta aversão é que está menos presente. E ausente está também a componente emocional do "ódio" ao capitalismo. Isto resulta numa perspectiva que até pode ser intelectualmente consistente, mas emocionalmente ambígua ("não gosto da repressão do regime de Fidel, mas também não gosto da repressão do capital"; por oposição a "ODEIO o repressão do porco Estaline, que acabou por fazer o jogo do grande Capital ao permitir demonizar os regimes comunistas").
No que se refere à América Latina há várias razões que explicam a sobrevivência desta simpatia tolerante com o castrismo: a imagem da única revolução social vitoriosa na América Latina; o período da Tricontinental de apoio do regime de Cuba à luta armada revolucionária na América Latina e no Terceiro Mundo; a longa resistência de Cuba ao cerco e às agressões do imperialismo dos EUA.
Mas tudo isso já lá vai e a época romântica de Cuba passou, nos anos 60, com o afastamento de Che e o fim desse impulso revolucionário do regime cubano que submeteu à lógica geopolítica da URSS.
Dito isto nenhum anti-capitalista pode ocultar a natureza autoritária do regime, o carácter burocrático e de capitalismo de Estado do sistema, a repressão desde dos primeiros anos dos dissidentes e opositores incluindo anarquistas e anarco-sindicalistas, além de outros militantes que lutaram contra o regime de Fulgencio Batista.
Com a morte de Fidel Castro, finalmente chegou ao fim o século XX.
"La amistad entre ladrones, autoritarios, 'socialistas' y neo-liberales no es una contradicción. Al contrario, es el típico cinismo político. La Historia nos enseña a los anarquistas que en el pasado nunca hubo ninguna diferencia entre Ford, Hitler, Stalin, Rockefeller o Franco. Todos ellos tienen un mismo deseo: tener el poder para explotar. Criminales, políticos o parásitos, todos ellos han seguido el mismo camino: mandar, dominar. Los métodos seran diferentes, pero el propósito es la opresión constante. Hoy ocurre lo mismo. Las corporaciones, Castro, Clinton, el Papa, Blair, representan la misma sed de poder y control y dominio a base del miedo al terrorismo de estado. Por lo tanto, yo creo que son los eternos enemigos del anarquismo. Los medios responden a favor de los intereses del gobierno capitalista que les paga sus facturas. La relación entre la globalización y el castrismo, o incluso la 'amistad antes dé no es ningún juego, sino una muy seria y peligrosa asociación de aquellos que explotan y descriminan a gran parte de la población cubana. En realidad, nunca he visto mucha diferencia entre dictadores, presidentes, papas o primer ministros, de la derecha o de la izquierda, para mi son todos lo mismo. Pudieran haber tacticas diferentes contra el estado o el capitalismo empresarial, dependiendo de las condiciones objetivas y subjetivas, pero al final, todos ellos son nuestros principales y más letales enemigos."
(Frank Fernández, veterano militante anarquista cubano, membro do Movimiento Libertario Cubano no exílio)
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