10/11/16

Um olhar sobre o que realmente importa

Uma análise concisa e que toca em todos os pontos relevantes.

"A América mergulhou no desconhecido. (...) O que é importante agora é avaliar a situação e decidir como seguir em frente.

No lado bom: sob a presidência de Trump, provavelmente não haverá guerra com a Rússia, como bem poderia ter ocorrido se Clinton tivesse prevalecido. O TPP está esperemos morto, e os EUA deverão inclinar-se para pelo menos algumas políticas de comércio pós-globalização. O domínio neoliberal do Partido Democrata sofreu um golpe doloroso e talvez fatal. Milhões de americanos que se sentiram ignorados pelas elites de Washington e Wall Street agora sentem que têm uma voz. Mesmo que provavelmente as relações externas e política comercial fiquem nas mãos de apparatchiks republicanos pró-negócios que, em última instância, deixarão os trabalhadores afogarem-se sem qualquer remorso, o americano típico poderá tranquilizar-se com o facto do "seu homem" estar no comando. Talvez as coisas podessem ser piores; afinal, como o meu amigo Ugo Bardi salientou, a Itália sobreviveu a 20 anos de Berlusconi.

No lado mau: não haverá mais apoio federal para a ação ou pesquisa climática, para proteção ambiental (a EPA será desmantelada) ou para energia alternativa. Todas as terras federais serão abertas à exploração de petróleo, gás e carvão. (...). Com o Poder Executivo, o Congresso e o Supremo Tribunal dominados pelo mesmo partido, não haverá limites aos esforços para retirar fundos a agências governamentais ou derrubar regulamentações de todos os tipos (armas, bancos, segurança no local de trabalho). Tendo testemunhado o sucesso do Trumpismo, uma nova geração de políticos adotará a tática de demonizar completamente os seus oponentes. É difícil ver como a civilidade poderá retornar em breve. Estes serão tempos terríveis para mulheres e minorias.

Os pundits consideram, com razão, a eleição como um repúdio do establishment. Mas quem vai realmente governar nos próximos meses? Principalmente, os mesmos antigos lobistas-oficiais. Quando a próxima crise económica surgir, todo o país enfrentará um rude despertar, e meros discursos duros não farão muito para realmente colocar comida nas mesas de Iowans ou Missourians ansiosos. Em vez de admitir que ele não pode realmente fazer a América grande novamente, Trump irá alinhar os bodes expiatórios. E ao invés de admitir que o "seu homem" é incompetente ou errado, muitos dos adeptos de Trump irão levantar o equivalente moderno da forquilha (para o qual verificações de fundo não serão mais necessárias).

As crises não desaparecerão porque o governo se recusa a reconhecê-las ou a resolvê-las. Mudanças climáticas, esgotamento de recursos e excesso de confiança no endividamento são lobos à porta. (...) Por ora, a ação política nacional sobre o clima e outras questões ambientais é uma porta fechada. Mas as respostas mais promissoras às crises do século XXI estão a aparecer, de qualquer modo, ao nível da comunidade. É em cidades de todo o país, e por todo o mundo, onde as pessoas com sentido prático são forçadas a lidar com o tempo estranho, inundações, uma economia instável, e um tecido social e político nacional desgastado. Quaisquer que sejam as estratégias viáveis ​​que possam ser encontradas, estas surgirão lá.(...)Isto não é sobre vencer; não há linha de chegada, nenhum dia de eleição. Apenas uma nova oportunidade a cada manhã para incentivar, educar e construir."

Richard Heinberg

3 comentários:

Libertário disse...

Para aqueles que já que já viram Nixon, Reagan e Bush a dirigirem o Império esta coisa do Trump não chega a ser novidade...
Evidentemente que uma certa esquerda pós-moderna comentarista gosta de tomar sempre posição. Seja em Portugal ou na Cochinchina. A sua escolha é o implacável «mal menor», que pode ser entre o AVC e o cancro!
Apesar de tudo, estes não deixam de são tempos interessantes e tal como no final do Império Romano chegaram ao poder todo o tipo de figuras tenebrosas e muitas trágico-cómicas, o sentimento hoje é que vivemos tempos semelhantes.
Para os que estão na contra-corrente há, no entanto, algumas questões relevantes que merecem uma reflexão e uma delas é o claro esgotamento da chamada «democracia representativa», anunciada no fim da história, e as alternativas a esse simulacro de auto-governo das sociedades.

Niet disse...

Belissimo texto de apelo ao combate plural contra a ameaça Trump! Laure Murat, prof. na UCLA nos USA escreveu no Libe de hoje também um texto fortissimo, que importa ler e meditar: " Em Janeiro último, em campanha no Iowa, Trump declarou: " Posso colocar-me no meio da Quinta Avenida e atirar a matar que, mesmo assim, não perco eleitores ". Foi a este homem que os americanos confiaram a arma nuclear. As suas mentiras, os seus insultos, os seus disparates e a sua incompetência patente: nada disso o inibiu. Pelo contrário. É o outsider sem experiência, que se gaba de fugir ao fisco, que acaba de ser publicitado.
" Hoje a questão é menos de compreender como se atingiu esta situação do que saber como nos desembaraçarmos dela rapidamente. " Posso matar, mentir, roubar,estou-me nas tintas porque sou o mais forte ", diz em substância D. Trump. Foi este homem que o eleitotado elegeu. Que resposta racional dar a esta violência ? Que futuro imaginar para um país que consagrou como presidente quem reivindica a ilegalidade e a imoralidade?". Niet

Miguel Serras Pereira disse...

O Libertário tem razão. Mas não deixa de ser ameaçador — em vez de motivo de esperança — que o esgotamento da democracia representativa, etc. seja anunciado não pelo reforço da luta pelo autogoverno e a participação igualitária, mas pelo seu perfeito contrário.