10/02/17

A vida dura de Jeremy Corbyn. O elefante na sala -II

A decisão final sobre o Projecto Lei que irá determinar o inicio do BREXIT - Brexit Bill -  foi tomada pela Câmara dos Comuns - a Câmara Baixa do Parlamento – na passada quarta-feira. Ficou assim estabelecida a forma como o Parlamento irá acompanhar a concretização do BREXIT pelo Governo. A Lei irá agora ser analisada na Câmara dos Lordes.

O que estava em causa era a posição dos conservadores que defenderam desde sempre competir apenas e só ao Governo actuar em consequência do resultado do referendo e proceder de forma a que implementando o que determina o artº 50º se concretizasse a separação entre a EU e o Reino Unido. 
Esta posição foi desde sempre questionada pelos diferentes partidos, incluindo  alguns conservadores, que defenderam dever o assunto ser objecto de debate, decisão  e posterior acompanhamento parlamentar.

Uma iniciativa de uma cidadã veio permitir aos Tribunais decidirem sobre a forma legal de o Governo conduzir o processo de separação. May e o seu Governo tiveram que, a contragosto, baixar ao Parlamento. Esta podia ter sido, ainda que por interposta pessoa, uma vitória do Labour, mas não foi.

A partir do momento em que o BREXIT venceu, a posição de Corbyn e do Labour ficou, para dizer o mínimo, tolhida pelo desconforto. Tratou-se de uma derrota da liderança que apostava no Remain and Reform - defendia as vantagens da União Politica Europeia como o espaço geográfico e politico adequado para lançar as bases de uma nova democracia europeia que fosse suportada por uma nova economia ao serviço de todos os cidadãos -  e veio colocar o partido na pior de todas as posições.  Por um lado não podia ignorar o voto popular e a vontade de sair da UE expressa nas urnas – tratou-se de uma das mais elevadas participações populares -  e ao mesmo tempo não podendo pactuar com o projecto dos Tories. Os conservadores quiseram, desde o inicio, aproveitar a ocasião para liberalizar ainda mais o mercado de trabalho e reforçar o papel líder da City Londrina no contexto da economia da desigualdade e da especulação financeira globalizada. 
Por outro lado o partido nacionalista escocês, que reduziu a pouco menos que zero a posição do Labour na Escócia,  adoptou uma posição firme a favor da permanência na EU. Ora o Labour nunca vencerá eleições legislativas sem recuperar parte da sua influência em território escocês. A actual situação em torno do BREXIT não o ajuda mesmo nada. A líder do Partido Nacionalista Escocês aposta num novo referendo que separe a Escócia do Reino-Unido e lhes permita continuar – ou regressar – à União Europeia.

Ao longo dos meses que mediaram entre o referendo e o momento actual Corbyn por várias vezes acusou May de não ter qualquer plano para guiar a saída da EU, mas deu sempre a sensação de estar exactamente na mesma posição. Sendo capazes de defender aquilo que não querem os trabalhistas não parecem saber aquilo que querem e muito menos como  o conseguir no novo quadro politico. Se todos podemos acusar a UE de ser um entrave ao reforço da democracia e do progresso  - por força quer das politicas económicas adoptadas quer em resultado da falta de democracia das instituições europeias em que se aplica a regra de que os países são todos iguais sendo que uns,  basicamente a Alemanha, são mais iguais do que os outros – não se percebe como queria Corbyn manter relações eficazes com esses países e, extraordinariamente, contribuir até para que a UE mudasse de vida a partir do exterior. Continuamos sem perceber como é que isso se pode fazer. 

As posições entre a UE e o Governo conservador extremaram-se e evoluíram para um BREXIT o mais rápido possível. Mais rápido irá significar mais duro e com o ónus a recair sobre os milhões de europeus que vivem e trabalham no Reino Unido e sobre os nacionais que vivem e trabalham nos países da EU. No âmbito da discussão que entretanto decorreu os Conservadores não tiveram dúvidas em recusar as propostas para que os cidadãos europeus residentes no Reino Unido mantivessem os seus direitos de residência. A maioria conservadora ditou a sua lei, As grandes multinacionais não sofrerão males maiores, sendo conhecida a sua capacidade para moldar as leis globais aos seus interesses, mas as pequenas e médias empresas exportadoras verão os seus negócios comprometidos, por força das novas relações aduaneiras.

O Labour desde o primeiro momento deixou claro que o partido respeitava o voto popular e que não se iria opor à aprovação do BREXIT BILL o famigerado Decreto-Lei cuja aprovação inicia a saída oficial da EU. No entanto no RU os deputados respondem de uma forma muito mais directa aos seus constituintes e muitos dos deputados trabalhistas não só votaram pelo Remain como viram os seus concidadãos votarem maioritariamente dessa forma. Muitos desses deputados questionaram o sentido de voto do partido e Corbyn, inesperadamente, optou pela imposição da disciplina de voto na questão da aprovação do Brexit Bill. 
Esta medida suscitou muita controvérsia e algum espanto, já que Corbyn ao longo de trinta anos como deputado foi talvez aquele que mais vezes desobedeceu à liderança partidária, sendo conhecido pelas suas posições contra as orientações politicas de Blair em particular contra a participação na guerra do Iraque ou pela oposição à componente militar da politica nuclear do Reino Unido, reforçada sob a liderança de Blair.

O número de deputados que foi votando contra o Brexit bill foi aumentando ao longo da semana de debates. No final saldou-se pelos 52 num total de 229 deputados. Estes votos contra são, no essencial, justificados pelas convicções europeístas de cada um, pelo sentimento dominante nas comunidades que representam e pela própria evolução do debate. Na realidade todas as propostas apresentadas pelo Labour foram rejeitadas. Esta posição radical dos conservadores constituiu um apelo às contradições existentes no seio do Labour.


Para já o Labour sai deste debate com uma mão cheia de nada e com o seu Governo Sombra fragilizado pela demissão dos deputados que resolveram desobedecer à disciplina de voto imposta por Corbyn. Tratou-se de um processo mal conduzido que poderá ter comprometido irreversivelmente a liderança de Corbyn. O facto de ter adoptado uma posição tão inflexível quanto ao resultado do referendo é do meu ponto de vista o seu principal erro. Podemos admitir que, como escreveu antecipadamente Owen Jones, o líder trabalhista face às condições concretas não poderia fazer outra coisa. Mas aos deputados, como ele muito bem refere, não restava outra alternativa que não fosse questionar a disciplina de voto. Tem faltado clareza a Corbyn e, acho eu, capacidade para definir um caminho alternativo que as pessoas reconheçam.
Defender o resultado do referendo passaria sempre por colocar o ónus da mudança nas mãos dos Tories. Actuar, como  foi o caso, dando a entender que no final o resultado é mais fruto da incapacidade do Labour do que resultado de uma opção politica dos Tories é um erro crasso.
O Labour não deveria nunca ter renegado a sua posição face à UE e deveria ter preservado a sua capacidade de pressão sobre os Conservadores. Depois destes terem sido obrigados a baixar ao Parlamento deveriam ter aumentado a pressão. Um voto a favor deveria ter como base um conjunto mínimo de alterações ao projecto de Lei.
Corbyn encontra-se fragilizado e na defensiva. Vai ter que passar tempo a explicar o que não tem explicação e mesmo quando estiver ao seu melhor nível  e  conseguir encostar May à parede, ela poderá sempre questionar a sua liderança e recuperar  o equilíbrio. 




3 comentários:

rui cs disse...


Parece-me que a questão da União Europeia, pelo menos no que diz respeito ao Reino Unido - seria diferente se se tratasse de um país que pertencesse ao euro e com uma economia bem mais frágil como a nossa - não deve ser sobrevalorizada pelo próprio Corbyn. Para bem ou para mal, não foi o Labour o responsável pelo referendo, foi David Cameron, e a vitória do não foi fruto de uma decisão popular. A União Europeia não deve ser reificada como se tivesse valor por si só, independentemente do contexto em que ela existe, contexto este que é político e histórico. Por um lado, há a emergência de partidos pró-fascistas no leste da Europa, em França, na Alemanha e na Holanda e eleições nestes três países, que irão ditar em grande parte o rumo da UE nos próximos tempos. Por outro, o caso grego perdura e não sabemos como irá evoluir.
Depois, a política social, económica e de imigração (e até quanto aos refugiados) não se deve esgotar no acordo de Schenghen. Assim, parece-me que Jeremy Corbyn só ganhará em simplesmente tratar a questão do Brexit como um facto consumado - por agora e pelo menos nos próximos tempos - e tratar de construir socialmente uma alternativa. Foi em nome dessa alternativa, nas políticas de emprego, de protecção social, que ele foi eleito e é delas que ele deve cuidar. Porque, de qualquer forma, o próprio Reino Unido, face à sua peculiar inserção na UE, nem sequer serviu nunca de contrapoder à austeridade do centro da Europa.

José Guinote disse...

Meu caro Rui cs acho interessante o seu comentário embora discorde de algumas das questões. Mas podemos debater este problema a partir de algumas questões que coloca.
Em primeiro lugar a questão do contexto. O contexto mas questões sociais faz toda a diferença, sem dúvida, mas o contexto não é uma abstração ou um dado imutável. Trata-se de uma construção politica. A UE não tem valor por si só, porque uma união politica ou económica, seja uma má união ou uma boa, não tem valor por si só. Isso não existe. Mas também não podemos esconder-nos atrás do "contexto", desagradável, austeritário, promotor da diferença entre países ricos e pobres e da desigualdade crescente entre as nações ricas e pobres e dentro de cada nação, para retirar valor à UE. Sobretudo se a pensarmos como uma união dos povos e um espaço politico que permite a solidariedade entre os povos e formas comuns de luta e de transformação da realidade. Não podemos pretender disfarçar a nossa fraqueza politica limpando as mãos às costas largas da UE.
O Reino Unido ajuda-nos a perceber isso. Trata-se de um país que não aderiu ao euro, que por cá à esquerda é considerado o alfa e o ómega de todos os males que nos aconteceram. No entanto é talvez o país mais liberal do conjunto da União. E, apesar de ser a segunda economia do conjunto dos países europeus e uma das maiores economias mundiais, é o país mais desigual entre todos. Trata-se de todos os países da UE aquele em que a desigualdade mais cresceu e aquele em que o factor trabalho e os serviços sociais - saúde, educação, trasnportes, habitação - enfrentam maiores ameaças e viram o acesso extremamente dificultado e o financiamento público drasticamente reduzido..
O Brexit irá, está-se a ver, potenciar o que já estava a correr mal. O debate que agora ocorreu mostrou, se preciso fosse, que os objectivos dos promotores do Brexit era apenas e só encontrar as condições ideais para promover a economia da desigualdade, livre de todos os constrangimentos que pudessem vir da UE. Tratou-se de um projecto politico a favor da City londrina contra os trabalhadores. Com os votos de muitos destes, sem dúvida.
Corbyn decidiu tratar a saída da UE como um facto consumado. Foi um erro pelas razões que já aqui expliquei no post. Exigir um debate democrático e parlamentar sobre o modus operandi dessa saída e participar nesse debate com um conjunto de propostas alternativas foi uma boa decisão politica. Anunciar antes do debate que fosse qual fosse o resultado do debate a posição do Labour era a mesma e tentando impor a disciplina de voto aos deputados apenas e só uma enorme calinada.
A liderança do Labour por um politico com o prefil de Corbyn, acompanhado pela vaga de adesões que se verificou e por um novo estilo de liderança que apela à participação politica e valoriza o papel dos militantes na construção da politica, foi um dos factos mais relevantes da última década na Europa. O Labour é um partido de poder que ajudou a estruturar a ideia da Europa das nações e que, posteriormente, ajudou a destruir a ideia da justiça social e da solidariedade/convergência entre países. Foi no Labour que nasceu a terceira via que foi replicada pelos partidos socialistas europeus. Uma ideia funesta. Ter este partido no poder num país comprometido com a UE seria um passo importante para a mudança de que a UE carece. O caminho escolhido por Corbyn não parece ir por aí. O isolamento abre o caminho aos nacionalistas e aos xenófobos. O Labour corre o perigo de implodir ou de regressar às mãos de Blair e dos seus herdeiros o que corresponde à mesma coisa.

rui cs disse...


Pois, quando eu vejo as insurreições dentro de partidos de esquerda, do que veio a ser o PSOL no Brasil (ruptura com o PT), ou a Unidade Popular na Grécia (ruptura com o Syriza), o Die Linke na Alemanha ou até o Parti de Gauche em França, não vejo que a "direita" dos partidos de esquerda tenha o mesmo comportamento que as suas esquerdas. Creio que no Labour terá mesmo de haver uma ruptura que deverá passar porque alguém de lá saia: ou Corbyn e a ala esquerda do Labour ou a sua direita. Não vejo que possam ser compatíveis, e a posição face à União Europeia e ao Brexit é francamente menos importante do que a posição aquilo por que se luta: por um partido que procura combater as desigualdades sociais, restaurar serviços públicos, combater o racismo e a xenofobia com políticas sociais, de emprego, assim como controlar a própria CIty de Londres. Sem tomar nas mãos o sistema financeiro qualquer políticas públicas poderão ser destruídas através dos próprios mercados financeiros. Isto é, acredito que mesmo nós que discordamos quanto à necessidade de permanecer ou sair do euro temos mais em comum do que quem concorda connosco (quanto à permanência ou saída do euro) por péssimas razões.