O caso Centeno é paradigmático da nova ordem. Enquanto existir um conselheiro de estado com acesso a mensagens de telemóveis de ministros ou outros potenciais servidores da causa pátria ninguém estará a salvo. Nem o Presidente da República poderá alegar ignorância do que disseram o ministro a ou b - Centeno, neste caso - e qualquer seu convidado ou interlocutor num qualquer momento. Haverá assim sempre novo combustível para manter eternamente acesa a fogueira da coscuvilhice de que se alimenta a politica pátria. Os SMS são eternos, Deus seja louvado.
Eterna será, apesar disso ou por isso mesmo, a nossa ignorância sobre as razões pelas quais a Caixa Geral de Depósitos teve que ser recapitalizada e todos nós vamos arcar com quase 5 mil milhões de impostos, não para financiar o nosso serviço nacional de saúde, não para financiar o sistema público de educação, não para financiar as politicas públicas, mas apenas e só para acalmar a gula, o oportunismo e a incompetência, o compadrio e a corrupção que grassou - e ainda grassa? - no sistema bancário, esse pilar fundamental do regime. Não há SMS conhecidos sobre esta matéria. Que pena.
O Conde de Abranhos, o inesquecível Alípio Abranhos, nascido do génio de Eça, explicar-nos-ia a este propósito que assim é que está tudo bem e que não ganharíamos nada acicatando essa funesta tendência de questionar a verdade das coisas. Talvez por isso Centeno tenha mesmo que ser apeado do seu pedestal. Afinal a coscuvilhice, tal como a delação, era uma arte a cuja práctica Alípio se dedicara e da qual retirara grandes proveitos.
15/02/17
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6 comentários:
«O caso Centeno é paradigmático da nova ordem.» Concordo até neste ponto com José Guinote.
Quanto ao resto do comentário só consigo concluir que a esquerda continua a exibir com orgulho dois dos seus tiques mais ridículos:
a) Descobre em si mesma uma superioridade moral que há décadas se encarrega de negar na sua prática quotidiana.
b) Continua convencida que os fins justificam os meios.
Só assim se compreende que os orgulhosos homens, e mulheres, de esquerda achem natural que um governo de esquerda crie uma lei à medida dos interesses de um gestor e que um ministro se permita mentir descaradamente. Que os fieis cheguem até a defender que as comunicações de um ministro estão protegidas pela legislação da privacidade é o tempero que nos faltava…
Depois admirem-se que cada vez mais cidadãos fiquem com a certeza de que os partidos são no essencial iguais e que as políticas do Estado, e da sua administração, não mudam nos aspectos fundamentais, governo após governo.
Meu caro Libertário mas de que esquerda fala o meu amigo? Não acho que do meu comentário possa legitimamente concluir nem a) nem b).
Parece-me claro como a água que o Governo preparou uma lei que visava isentar Dominguez e companhia de prestar contas. Uma lei ilegal e que por isso foi bem chumbada no Parlamento com a participação do BE.
Outra coisa é a estratégia da direita. E dessa discordo por todas as razões que deixei claras no comentário.
Antecipo as seguintes conclusões: a) o ruído irá atenuar-se a pouco e pouco, sobreviva Centeno ou não; b) nunca se realizará uma verdadeira discussão sobre as razões da crise no sistema financeiro, incluindo a na CGD
No seu comentário não se condenam asleis feitas à medida dos gestores, nem que um ministro de esquerda veja a mentira como a melhor opção política. Pelo contrário o caso Centeno é apresentado como sendo «coscuvilhice e delação» da direita. Ou seja, como sempre, os políticos de esquerda podem ser mentirosos, cínicos e ladrões. Mas são os «nossos»... O que se crítica à direita, fica legitimado à esquerda.
Quanto aos problemas da CGD,inclusive da roubalheira nos governos anteriores, incluindo de um tal Sócrates,são outro assunto que devia também merecer uma análise aprofundada. Coisa que não me parece estar nos objectivos deste governo que tem uma vara atravessada na garganta...
Bom, vamos lá ver meu caro Libertário. Uma coisa é aquilo que eu escrevi e outra, claramente diferente, aquilo que o meu amigo acha que eu devia ter escrito. Daí não vem mal ao mundo, acho eu. Mas neste último comentário o Libertário resolve dar um passo em frente e criticar-me já não a partir do que eu escrevi, mas daquilo que na sua opinião eu deveria ter escrito e da forma como o deveria ter feito. Aí nessa abstracção encontra legitimidade para tirar conclusões em meu lugar sobre aquilo que ... eu não escrevi. Eu dispenso o evidente moralismo. Pode continuar por esse caminho, caso queira, mas aqui no blogue sou eu que escrevo em meu nome pessoal. Quem escreveu que "como sempre os politicos de esquerda podem ser mentirosos, cínicos e ladrões" foi o Libertário, não fui eu, nem serei eu. Quem legitima à esquerda o que se critica à direita, descobrirá o Libertário se quiser, mas como poderá verificar na vasta -excessiva,admito - produção que aqui vou juntando, não sou eu.
Há uma coisa que o Libertário teima em ignorar: há uma relação directa entre a opção da direita de apostar todas as cartas na demissão do ministro e a sua vontade de não discutir as razões pelas quais a CGD teve que ser recapitalizada, objectivo primeiro e mais importante da formação da comissão de inquérito. Esta realidade agrada a muito mais do que à direita, toda junta.
A coscuvilhice é quase sempre uma amiga íntima da falta de transparência e da falta de democracia.
Tem toda a razão, não há conversa nem debate possível.
No lamentável imbróglio do falhado processo da anterior (e efémera) gestão da CGD, nenhum dos intervenientes sai muito bem na fotografia, com exceção do próprio António Domingues, que - tendo colocado claramente as suas condições sine qua non para aceitar o cargo e formar a sua equipa (entre elas a dispensa de declaração pública de património e rendimentos exigida aos gestores públicos) e tendo-as visto aceitas expressa ou tacitamente pelo Governo (de outro modo não teria sido nomeado, como é óbvio) - tomou depois a decisão de deixar esse mesmo cargo (apesar de assaz rendoso), em solidariedade com a maior parte da sua equipa, após uma intervenção pública do Presidente da República ter tornado politicamente inviável a satisfação da referida condição e após uma coligação política do PSD e da extrema-esquerda parlamentar a ter tornado legalmente impossível (no que foi a maior vitória política do PSD em mais de um ano de oposição...).
Apesar de esse desfecho negativo ter sido determinado pela intervenção de terceiros (incluindo os aliados parlamentares do Governo...), os diretos responsáveis governamentais não saem politicamente incólumes, tanto mais que as sequelas da sua imprevidente e pouco transparente condução do processo ainda não se esgotaram, como os episódios dos últimos dias penosamente mostram.
VITAL MOREIRA
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