Diga Guilherme Valente o que disser a propósito de um assunto sobre o qual perdeu uma excepcional oportunidade de observar o silêncio,
1. a Relógio d'Água é uma editora bem mais do que estimável, poucas havendo neste país que se lhe possam comparar. A simples consulta do seu fundo em diferentes géneros — da ficção, da filosofia e do ensaio, da poesia — basta para que qualquer leitor minimamente capaz não sinta sombra de dúvidas a esse respeito. Poderá dizer-se que a Gradiva dispõe, pelo seu lado, de um fundo, contando com autores e obras também indispensáveis, que singularmente a distinguem? Sim, é inegável, sendo apenas de lamentar que incorra, por vezes, em incoerências ou cedências à plateia como as referidas, há bem pouco tempo ainda, por Francisco Vale, em entrevista concedida ao DN. (De passagem, e para dar apenas um exemplo, confesso que, tão assombroso como, para Kant, a existência do céu estrelado e da lei moral, é, para mim, o facto de Guilherme Valente, editor de um pensador tão lúcido e exigente em matéria literária como George Steiner, se extasiar perante o português, decerto traduzido do inglês de aeroporto, de José Rodrigues dos Santos e da sua ficção tão penosa como profusamente handicapée.)
2. Incriminar como "censor do gosto e da inteligência", denunciar como empenhado numa "tentativa intolerável a recordar tempos e déspotas sinistros", um editor como Francisco Vale, pelo facto de os seus critérios , concorde-se ou não com os juízos de valor que os informam, acarretarem exclusões, equivale a incriminá-lo e a denunciá-lo por ter critérios e procurar comportar-se de acordo com eles.
3. Quanto à crise irremediável e às dificuldades letais, que seriam prenúncios da falência iminente da Relógio d'Água, devo dizer que, sendo embora insondável a minha ignorância sobre a sua situação financeira, as profecias que as invocam acompanham há mais de trinta anos — desde os primeiros tempos da sua existência — a editora em causa, acrescendo que insistir na supostamente precária situação financeira de uma editora como argumento demonstrativo da sua (dela) concepção "redutora" e "aberrante" da literatura, é expressão inequívoca de um gosto estético e de um juízo prático gravemente contaminados ou por factores irracionais, ou por razões que não ousam dizer o seu nome.
(Declaração de interesses: Francisco Vale é meu amigo pessoal. Por outro lado, embora distantes e não excessivamente frequentes, as minhas relações com Guilherme Valente foram sempre correctas e agradáveis, ao mesmo tempo que o meu apreço por muitas obras e autores publicados pela Gradiva vem de longe e é conhecido pelos que me conhecem e/ou às minhas opiniões — como é o caso, nomeadamente e que mais não seja por razões profissionais, do próprio Guilherme Valente.
19/08/17
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1 comentários:
Guilherme Valente parece desejar a falência da Relógio d'Água, editora que com a Assírio & Alvim, de Hermínio Monteiro, e a Cotovia de André Jorge, constituíram durante todos os anos 1990 3 2000 um caso sério de constante e intransigente qualidade editorial.
Das últimas vezes que li/ouvi Guilherme Valente foi para o ver defender a acção e obra indefensável de autores da casa: Nuno Crato e José Rodrigues dos Santos. Em defesa da edição de qualidade com nada dei.
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