28/05/18

Serviço Público. Discussão Pública da Revisão do PNPOT.

O Programa Nacional da Política Pública do Ordenamento do Território (PNPOT) decorre neste momento e prolonga-se até ao dia 15 de Junho. Quem estiver interessado em conhecer o que está em discussão pode aceder através do Portal da Direccção Geral do Território.

O PNPOT foi criado em 2007 e neste momento o Governo, através da DGT, apresenta a sua proposta de revisão. No link disponibilizado são facultados os documentos mais importantes, nomeadamente os seguintes: Estratégia e Modelo Territorial; Agenda para o Território e o Diagnóstico Territorial.

Recorde-se que a revisão do PNPOT foi anunciada em 2014 e tinha como objectivo estabelecer um novo programa de acção para o período 2014-2020.

A Cabana do Pai Tomás

Imagino que vá ser citada se daqui a uns tempo se estiver a discutir o voluntariado.

24/05/18

Na morte de Philip Roth

Philip Roth, que nos deixou ontem aos oitenta e cinco anos, era, na minha modesta opinião, o maior escritor vivo. Deixa-nos uma obra notável. Os dois livros que mais me impressionaram foram  Pastoral Americana e A Mancha Humana. Foram os primeiros que li e deixaram-me fascinado.


O Sueco Levov  e Coleman Silk são duas personagens poderosas e através delas Roth evidencia as insanáveis contradições presentes na sociedade americana. 
Roth escreveu sobre o fim de um tempo histórico a partir da vida das pessoas e da forma como elas  mudaram, muitas vezes violentamente, gorando expectativas construídas ao abrigo do sonho americano e dos seus lugares comuns. Escreveu sobre a finitude da vida, sobre a morte, sobre a forma como cada um de nós vai ao longo de vida lidando com essa morte, cada dia mais próxima. Escreveu sobre si próprio até decidir já não ter mais nada para dizer. Silenciou os seus vários alter-egos antes de a morte o silenciar a ele. Fica para todos nós, e para as futuras gerações, o som magnífico da sua voz única, impresso nos livros que nos deixa. (ver mais aqui e aqui)

23/05/18

Sobre a "nova" OPERAÇÃO INTEGRADA DE ENTRECAMPOS: Vai a cidade "libertar-se" do Mercado?

A Câmara de Lisboa colocou para trás das costas a velha  - e impraticável - ideia de vender por atacado os terrenos da antiga Feira Popular. Seriam cerca de 135 milhões de euros (?) a verba pretendida pela autarquia. O Mercado considerou essa verba excessiva nas sucesivas hastas públicas que ficaram vazias. Numa altura em que o investimento no imobiliário associado à recuperação das zonas centrais, e à proliferação do alojamento local, configura uma tremenda bolha especulativa, um investimento desta magnitude, com um período de retorno tão elevado é, para dizer o mínimo, desinteressante para os investidores. Há apetitosas mais-valias à espera noutros pontos da cidade.

Escrevemos na altura das hastas públicas falhadas que a cidade de Lisboa estava à mercê do Mercado e dos seus interesses. Valerá a pena reler o que então escrevi para reposicionar o problema e verificar se a solução agora encontrada representa uma alternativa para a cidade e, sobretudo, um corte - não precisa de ser radical, basta-nos que conduza a resultados radicalmente diferentes - com um nefasto passado em que os interesses dos moradores e dos que gostavam de aqui morar, os que reclamam o seu direito à cidade, apenas eram equacionados quando os interesses do Mercado estavam saciados. Diga-se que esse "tempo imaginário" acontecia noutro "tempo concreto", bem definido por uma pequena palavra portuguesa: nunca.

Vamos tentar analisar aqui, ao longo de sucessivos posts, as várias perspectivas associadas a esta operação. Para o fazer  temos que dispor da informação e aquela que existe neste momento é escassa. Além das "leituras" feita pela imprensa, em que foram divulgadas as apetitosas imagens produzidas pela autarquia, a informação disponível é a que s epode encontrar no site da Câmara.
Neste link pode encontrar-se um conjunto de ficheiros agrupados em duas pastas: As Orientações Estratégicas para a Operação Integrada de Entrecampos e a Delimitação da Unidade de Execução de Entrecampos.

Há uma primeira abordagem que interessa fazer. Esta operação constitui o epitáfio daquela que há uma década ficou conhecida como a operação PRAÇA DE ENTRECAMPOS,  projectada pelo gabinete PROMONTÓRIO. Caso tivesse sido concluída teria permitido a construção de  cerca de mil fogos organizados em torno de uma praça pedonal e de um equipamento cultural, o Lisboa Arte Fórum. A imagem da operação, caso ela tivesse sido concluída, seria mais ou menos a seguinte:


Esta operação destinava-se a jovens sendo  o método de atribuição o sorteio. Podiam candidatar-se também pessoas que vivessem fora de Lisboa e o preço estava pré-definido pela entidade promotora. O Presidente da Câmara que lançou a operação foi Pedro Santana Lopes e, insuspeito que sou de simpatias pelo PSD, posso afirmar, sem qualquer dúvida, que se tratou de uma operação de habitação marcadamente pública, não segregada e não especulativa. Passados mais de dez anos há pessoas que dispõem de uma habitação no centro de Lisboa apenas e só como resultado dessa operação. Desde então pouco ou nada se fez - é mais para o nada, em boa verdade - no domínio da habitação a custos controlados, em terrenos tão bem localizados.  O resultado da operação passados cerca de 12 anos de ter sido lançada é o seguinte: 


A questão do tempo e da fidelidade aos objectivos iniciais pode implodir, a qualquer momento, o carácter integrado de uma qualquer operação urbanística. Esse é um aspecto fundamental, mostra-nos a experiência e a cultura urbanística. Basta muitas vezes mudar a administração municipal para uma boa ideia ser destruída. 

A Câmara Municipal de Lisboa decidiu, a dada altura, alterar o projecto da Praça de Entrecampos sem que os moradores tenham alguma vez sido chamados a emitir a sua opinião sobre as alterações propostas. Desde que o segundo quarteirão foi construído o Projecto da Praça de Entrecampos permaneceu uma miragem. 

Da famosa Praça sobreviveu o nome.  O terreno no qual se situaria o equipamento cultural e grande parte do espaço público que daria coerência urbanística ao conceito de Praça, é aquele que Fernando Medina olhava e apontava quando no passado dia 16 apresentava aos jornalistas a Operação Integrada de Entrecampos. 

Imagem disponível no site da CMLisboa. 

É sobre este contexto que a Operação Integrada de Entrecampos tem que ser analisada e discutida. Felizmente vão ser realizados vários debates sobre esta operação que o autarca de Lisboa não tem dúvidas de classificar como a maior operação urbanística depois da Expo 98. Vinte anos depois será uma excelente forma de celebrar esse acontecimento marcante pelas boas e más razões conhecidas. Não voltando ao debate mas não resistindo à comemoração folclórica e vincadamente acrítica o Parque das Nações é uma zona fortemente segregada do ponto de vista habitacional sendo a operação um operação de pura e dura renovação urbana.

Mas para podermos afirmar juntamente com Medina que esta operação vai contribuir para que Lisboa seja uma cidade para todos, nestes tempos em que a cidade se transforma a cada dia que passa numa cidade para muito poucos, incapaz de responder à pressão do Mercado, será necessário esclarecer mutas questões. Há esta primeira conclusão que importa salientar: a operação integrada de Entrecampos constrói-se sobre o que resta da Operação Praça de Entrecampos. 

Planta de Funções e Usos do Solo

A partir de uma não resposta do Mercado a Câmara Municipal de Lisboa avançou com o desenho urbano dos terrenos da  Feira Popular e da zona envolvente, aproveitando para "resolver" os problemas de "guetização" a que os moradores da Praça de Entrecampos estavam de alguma forma sujeitos. Dessa forma a Câmara, a fazer fé nas declarações tornadas públicas, assume a liderança do processo de urbanização e passa a ser ela quem executa os projectos e as obras - recorrendo a empreitadas, naturalmente - das infraestruturas urbanas e do espaço público. 

Será ssim? Há um período para debate público que é curto - inicia-se a 26 de Maio e acaba a 28 de Junho - mas que poderá esclarecer as questões fundamentais. 

O Vias de Facto dá a sua contribuição para este debate de que, da nossa parte, lançamos aqui a primeira "pedra".  Não respondemos à pergunta que colocámos no título, poderão concluir. Pois não. Aquilo que se conhece da Operação não permite responder positivamente mas, em boa verdade, também não permite responder de uma forma negativa. Quer isto dizer que apesar dos elementos já disponibilizados, e do trabalho já feito por muita gente envolvida nesta operação, há muitas questões por esclarecer. 

Um último ponto: do meu ponto de vista o processo de desenvolvimento urbano deve ser liderado pela Administração. Isso não obriga a que os terrenos sejam públicos nem tão pouco que seja a Administração a construir as habitações e os equipamentos. Quer apenas dizer que deve ser a Administração a planear e a decidir o que quer para a cidade.  Esse é um dever público que deve ser indelegável, contrariamente ao que tem sido a regra e aquilo que a nossa legislação, desgraçadamente,  permite. 

Ser a Administração a liderar o desenvolvimento urbano é uma condição sine qua nom para que uma cidade seja justa. [há quem ache que para isso é necessário substituir o sistema capitalista, mas eu para esse peditório já dei]. Pode não ser suficiente, mas ficamos mais perto do objectivo de uma cidade justa. A liderança do Mercado conduz a cidades inficazes, ineficientes, espacialmente segregadas. Não-cidades, em boa verdade, como Lisboa se tem paulatinamente transformado ao longo de décadas. 
Argumentar com a falta de recursos é conversa fiada de quem sabe muito bem quem perde e quem ganha quando o Mercado lidera o desenvolvimento urbano. 

[continua]

22/05/18

A "Intellectual Dark Web"

Ultimamente tem-se falado de uma "Intellectual Dark Web", que supostamente seriam alguns autores que se desviariam de um suposto consenso intelectual "progressista.".

Mas a partir do momento em que essa suposta "Dark Web" seriam pessoas como Jordan Peterson ou Ayaan Hirsi Ali, que têm mais divulgação que quase todos os seus oponentes, não me parece haja nada de "dark" (no sentido implícito - ou mesmo explícito - de ideias e opiniões fora do mainstream e do que aparece nos media) na tal "Dark Web"; a mim parece-me algumas pessoas que estão perfeitamente dentro do establishment intelectual e mediático a se armarem em rebeldes fora do sistema (não muito longe da "victimhood culture" que dizem criticar).

[Já agora, temos aqui dois artigos, de pessoas que me parecem ideologicamente muito mais perto dos darkwebers do que eu, explicando melhor o que eu disse aqui]

Na morte de Arnaut. Celebrar o homem destruindo a sua obra

Foram várias e unânimes as manifestações de pesar pela morte de António Arnaut, o notável socialista que criou o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Os elogios à importância desse seu contributo uniram a esquerda e a direita e, ao observar essa unanimidade, seríamos levados a concluir que o SNS é um amplo consenso na sociedade portuguesa, algo que facilmente mobiliza todas as vontades políticas disponíveis em sua defesa.
As coisas não se passam assim. O SNS está há muito tempo a ser desmantelado abrindo caminho aos negócios do sector privado e à sua transformação num serviço para os mais pobres. 
Por isso, revoltando-se contra este estado de coisas, António Arnaut elaborou uma proposta de Nova Lei de Bases do SNS, juntamente com o ex-deputado bloquista João Semedo.
Por isso, ainda na passada sexta-feira, já muito próximo do fim da sua vida, endereçou uma mensagem ao III Congresso da Fundação para a Saúde SNS, na qual se pode ler o seguinte:

"(...) Como todos sabemos, os meus amigos como profissionais e eu como utente, o nosso SNS atravessa um tempo de grandes dificuldades que, se não forem atalhadas rapidamente podem levar ao seu colapso. E tudo em consequência de anos sucessivos de subfinanciamento e de uma política privatizadora e predadora resultante da Lei 48/90, ainda em vigor, que substituiu a lei fundadora de 1979. A destruição das carreiras depois de tantos anos de luta, iniciada em 1961, foi o rombo mais profundo causado ao SNS (...) A expansão do sector privado, verificada nos últimos anos, deveu-se a esta desestruturação e ao facto de a Lei 48/90 considerar o SNS como um qualquer subsistema, presente no ‘mercado’ em livre concorrência com o sector mercantil. É a filosofia neoliberal que visou a destruição do Estado social e reduziu o SNS a um serviço residual para os pobres (...)

Como todos sabemos muitos dos que aplaudem a sua obra e a sua memória, fazem-no, apesar de serem os mesmos que com a sua actuação política concreta criaram/criam as condições que conduziram o SNS ao descalabro em que se encontra. Os que em Portugal, para desagrado de António Arnaut e de muitos outros, conduziram uma política marcadamente neoliberal, que não se iniciou com a Troika e com o Governo de Passos Coelho e tão pouco acabou com a chegada da união das esquerdas ao poder. Como se percebe António Arnaut refere-se ao facto de a Lei 48/90, que substituiu a por ele elaborada, ainda estar em vigor e ao subfinanciamento do SNS como uma práctica política sistemática ao longo do tempo.  

A questão do defesa do SNS seria um bom tema para o Congresso do PS na lógica da proposta política de Pedro Nuno Santos de revitalizar a social-democracia, libertando-a da influência liberalizante da Terceira Via.  Mas a coisa limitar-se-á aos aplausos, aos minutos de silêncio, à recordação do homem bom,  despolitizando a sua herança.

Tirando isso fica a memória do homem e da sua obra e, para todos nós, a percepção de que aquilo que os portugueses já tiveram direito através do SNS tem-lhes sido paulatinamente retirado a coberto da lengalenga de que não há recursos. António Arnaut lutou até ao último dia da sua vida pelo direito à saúde dos portugueses. Foi um socialista e um democrata como há poucos

15/05/18

Mas a corrupção, ela própria, tem muitos reis e muitos roques.

Diz João Cravinho, o dirigente socialista que mais pugnou pelo combate à corrupção,  mas que foi esmagado pela maioria absoluta de Sócrates em 2005 - o poder político de Sócates no PS, como no País, no quadro dessa maioria política, era absoluto - que a corrupção anda sem rei nem roque.

Este discurso colide frontalmente com o discurso da direita e dos seus arautos, que andam muito contentes com o combate à corrupção, entenda-se combate "aos corruptos do PS, particularmente ao Socrates e aos seus amigos". Nunca o combate esteve tão aceso, foi tão eficaz, apresentou tão bons resultados. Natural que assim seja já que antes, segundo a narrativa da direita, não existiam corruptos. Apenas bons rapazes.

Cravinho diz outra coisa muito interessante: Quem esteve nos Governos de Sócrates não tirou as consequências. Isto tem destinatário: Os membros do actual Governo, antigos camaradas de governo de Sócrates, que, segundo Cravinho, permitem que a corrupção ande sem rei nem roque e, ainda por cima, permitem que a direita confunda o foguetório dos megaprocessos com um efectivo combate à corrupção.


14/05/18

Choque Roma - Bruxelas?

O que parece ser programa da coligação 5 Estrelas - Liga Norte: aumentar as despesas sociais, baixar os impostos, renogociar os acordos com a UE e preparar uma moeda paralela ao euro.

Isso parece ter potencial para uma repetição do choque com a Grécia de há 3 anos, mas agora com um governo de extrema-direita em vez de um de esquerda.

11/05/18

A socia-democracia no PS e o futuro da Geringonça. A posição de Pedro Nuno Santos

Com a aproximação do Congresso do PS irrompeu um debate interno sobre o futuro da Gerigonça que se adivinha possa vir a marcar a magna reunião dos socialistas. O que este debate tem de interessante é o facto de na verdade se tratar de um debate sobre o futuro do PS e do projecto social-democrata que ele representa, ou terá representado.
Desse ponto de vista merece destaque o artigo de opinião publicado por Pedro Nuno Santos, o jovem ministro dos Assuntos Parlamentares, no Público do passado dia 4 de Maio.

Nesse artigo Pedro Nuno Santos reflecte sobre a evolução histórica da social-democracia europeia e sobre o papel desempenhado pelos partidos socialistas da Terceira-Via na radical liberalização das sociedades europeias. No quadro dessa reflexão é o primeiro dirigente socialista que faz uma leitura crítica do significado político dos acordos que viabilizaram o actual Governo. Muito interessante nessa leitura é o facto de ele a situar no quadro de uma rotura política com a Terceira-Via e da perda de influência política que caracteriza a generalidade dos partidos socialistas europeus, alinhados com a corrente ideológica liderada pelos trabalhistas de Tony Blair.

Trata-se de um artigo muito interessante, politicamente denso, que justifica uma leitura atenta. Pela primeira vez um dirigente socialista português reflecte sobre a evolução da relação entre o Estado e os Mercados e sobre as consequências das opções tomadas pelos sociais-democratas no quadro dessa relação. Pela primeira vez, entenda-se, sem ser para recomendar vivamente a adopção da cartilha neoliberal com base numa “moderação e realismo”, que a terceira-via e os seus apóstolos elevam ao estatuto de grandes qualidades políticas e até ideológicas. Pedro Nuno Santos referindo-se à social-democracia afirma que,

Do ponto de vista do papel do Estado, aceitou, por um lado, a introdução generalizada da lógica mercantil nos serviços públicos e, por outro, que os mercados fossem os únicos motores do crescimento económico. O Estado devia limitar-se a criar as condições para que os mercados funcionassem, com regulação minimalista, colhendo o dividendo orçamental para financiar as funções do Estado.
Este é um debate que tem sido evitado, que por isso está longe de estar esgotado, que beneficia bastante com este contributo. É um debate fundamental não apenas para permitir aos sociais-democratas reconstruírem um projecto político que recupere a dignidade perdida na deriva neoliberal da Terceira Via, mas também para lhes permitir ter um papel activo, e até determinante, na reconstrução europeia e na recuperação de um modelo de desenvolvimento que associe as dimensões da eficácia e da eficiência à dimensão da equidade e da justiça social.

Eficácia e eficiência que serviram de leit-motiv para uma brutal transferência de recursos públicos para mãos privadas, via privatizações, com pagamento de rendas faraónicas a sectores construídos ao longo de gerações, com os recursos dos contribuintes, e privatizados por meias dúzia de patacos. Como aconteceu com a EDP e com os CTT no passado recente. Como acontecera antes com a Petrogal. Mas também através do reforço das máquinas tributárias cada vez mais eficientes a punir e perseguir os pequenos contribuintes, ao mesmo tempo que revelam grandes dificuldades[incompetência] em lidar com os poderosos incumpridores.
Esse debate também é fundamental para a definição do futuro da Geringonça, até porque a pressão política conduzida pelos parceiros de coligação é quase sempre canalizada no sentido de que a acção governativa afecte mais recursos á promoção da equidade e da justiça social. Essa é uma condição sine qua nom para a defesa das políticas públicas, permitindo devolver aos cidadãos a universalidade do acesso, atacando as nefastas consequências da sua mercantilização.
Obriga ao reforço do investimento público e à valorização das carreiras dos profissionais que servem o Serviço Nacional de Saúde, à reintrodução da universalidade do acesso, à valorização da carreira dos professores, passa pela valorização da escola pública, passa também pela concretização de uma efectiva política de habitação. Não faz sentido que, embora retirando benefício político e eleitoral desta governação, o PS se posicione como um garante de que, em nome de uma ponderação e de um realismo – que convocam uma imediata identificação com a manutenção de privilégios espúrios, como acontece com as PPP´s que sugam recursos injustificados aos contribuintes - que nos conduziram à crise de 2008, a recuperação dos direitos e a diminuição da desigualdade se transforme numa tarefa de muito longo prazo.

A opção por este caminho de revitalização da social-democracia não é fácil porque não está garantida, no interior do PS, uma maioria política que comungue dos pontos de vista de Pedro Nuno Santos, pese embora posições favoráveis como a que é defendida por Manuel Alegre.  No País este PS é o PS que conta, o que ainda consegue mobilizar os seus militantes, apesar de estarem longe os tempos das maiorias absolutas. No entanto, como se verificou com as tomadas de posição do ministro Augusto Santos Silva – um ex-esquerdista seduzido pela terceira via e pelo acesso ao poder cujo discurso(?) político se constrói em torno das maiores banalidades, incapaz de qualquer reflexão crítica sobre o passado recente- entre os dirigentes que desde o consulado de Sócrates ocupam lugares na governação é a visão que destruiu a social-democracia europeia que impera. Uma visão que é sintetizada por PNS da seguinte forma:

No plano do modelo de desenvolvimento, a terceira via deu prioridade à contabilidade do crescimento económico, independentemente do seu padrão: todo o crescimento da economia e do emprego era positivo, até porque gerava receita. A terceira via abraçou um modelo de crescimento demasiado assente no imobiliário e no setor financeiro. Sim, sofreu o impacto da Grande Recessão; o problema é que participou na construção do modelo que a causou. Quando a bolha imobiliária estalou e o setor financeiro colapsou, o dividendo orçamental desapareceu e os governos tiveram de resgatar os bancos e cortar nos serviços públicos. E a terceira via, que dependia do sucesso desses setores, caiu com eles.
Acrescentaria apenas que este modelo se baseou na construção de uma desigualdade crescente a que está associada uma muito desigual distribuição da riqueza, com a perda de poder de compra das famílias. Essa perda de poder de compra foi “compensada” pela facilitação do crédito instantâneo e barato e pela estratégia de privatizar o sector bancário. Os socialistas europeus da terceira via, como qualquer partido de orientação neoliberal, promoveram uma brutal despolitização da vida dos cidadãos, colaborando na estratégia de os transformar em meros consumidores. Essa opção de fundo teve consequências dramáticas nas políticas públicas e na acessibilidade dos cidadãos aos serviços essenciais. Com destaque para a acessibilidade urbana fortemente limitada pela segregação espacial imposta pela subjugação das políticas públicas de habitação aos interesses dos Mercados.

Este debate no interior do PS, que pode até não acontecer no próximo congresso já que António Costa pretende deixar para mais tarde a discussão de todas as questões políticas relevantes, nomeadamente a política de alianças, conta com alguns protagonistas ausentes/presentes.

Em primeiro lugar Mário Centeno que, através da sua opção ideológica de fundo - a mesma que o conduziu à liderança do Eurogrupo, um lugar que se obtêm pela confiança política que cada protagonista merece, face às orientações políticas e económicas dominantes e que não resulta do reconhecimento de um qualquer mérito específico de natureza transformadora condiciona as opções políticas da governação, como nenhum outro membro, incluindo o primeiro-ministro. Centeno é hoje o maior defensor, em Portugal e no contexto europeu, de uma política de cariz marcadamente austeritária, dominada pela obsessão do controlo do défice público, pelas cativações que o viabilizam, pelo férreo controlo do investimento público, pelo aproveitamento de todos os excedentes orçamentais para “investir” na diminuição do défice, sempre argumentando com a ideologia da moderação e da cautela.  

O papel de Centeno no debate não tinha que ser, naturalmente, ponderado por Pedro Nuno Santos, mas no seu artigo faz falta que tenha dedicado uma pequena parte a discutir a questão dos recursos. Um dos álibis preferidos dos que no lado social-democrata promoveram a liquidação dos ideais da democracia, da solidariedade e da coesão, é o da falta de recursos. Trata-se de um argumento falso, mas que quase todos temem desmontar, porque há um enorme consenso em seu redor. Claro que as políticas públicas, a promoção do carácter equitativo dessas políticas, o garante da universalidade dos acessos, passa pela mobilização dos recursos necessários. A sua utilização tem implícita uma condição prévia: é necessário gerar esses recursos. Eles existem mas o Estado tem que actuar no sentido de os transformar em recursos públicos em vez de, como actualmente, eles se destinarem no essencial a alimentar a especulação e o enriquecimento sem mérito dos agentes do Mercado.   

Pedro Nuno Santos não aborda a questão da renegociação da dívida, uma questão decisiva no contexto europeu, que, com Centeno no Eurogrupo está, como estava antes com Djesselbom, condenada ao esquecimento.   Este é um debate vital no quadro da definição de uma actuação política transformadora para a próxima década, capaz de mobilizar os recursos necessários para redesenhar uma sociedade mais justa.  

Um segundo protagonista é Marcelo Rebelo de Sousa, vencido mas não convencido sobre os méritos desta solução governativa. Não passa pela cabeça de ninguém que Marcelo ache possível uma solução de longo prazo - o que obrigaria a aprofundar o acordo inicial - que instale a esquerda no poder e coloque a direita, a que ele pertence, sujeita a sucessivas crises de liderança que inevitavelmente a iriam fragilizar. Marcelo é hoje em dia junto com Centeno o maior defensor da política orçamental seguida, em particular a política da prudência e da moderação no investimento público, e com os seus afectos, com a sua omnipresença em cada parcela do território nacional, tenta compensar as inevitáveis consequências da falta de investimento, como acontece no sector da saúde. Sector vital já que a erosão do SNS, pese embora os números regularmente citados pelo primeiro-ministro, não parou de aumentar.  

Há um debate interessante que é possível e necessário. O artigo de Pedro Nuno Santos marca uma posição e desta vez não será por falta de comparência de uma das partes que o debate não se fará.  

08/05/18

Com toda a normalidade

Marcelo Rebelo de Sousa não se recandidata se a tragédia dos incêndios, com o chocante número de vitimas mortais, se repetir até ao final do seu mandato.

Fica assim balizada uma linha vermelha cujo atravessamento determinará a demissão do Governo presidido por António Costa. Com toda a normalidade, como diria o actual primeiro-ministro.

05/05/18

As eleições locais no Reino Unido. Quem ganhou e quem perdeu?

Parece que os Conservadores saíram vitoriosos das eleições locais que tiveram lugar  no Reino Unido no passado dia 3.  Pelo menos a forma como festejaram os resultados apontam para uma vitória.[Para quem quiser analisar os resultados com o máximo detalhe esta ligação é a ideal.]
Na verdade não será bem assim. No caso de Londres os conservadores tiveram o seu pior resultado desde 1971. Os trabalhistas de Corbyn tiveram em Londres os melhores resultados no mesmo período.
Parece estranho que May tenha celebrado vitória em Wandsworth, um dos círculos eleiotrais londrinos que era disputado pelos trabalhistas. O Labour ficou a cerca de 80 votos de conquistar a maioria dos lugares . O mesmo accnteceu em Westminter com os trabalhistas a obterem o melhor resultado de sempre, no entanto, aquém do necessário para vencerem.
Nos objectivos mais importantes perseguidos pelos trabalhistas destacavam-se dois círculos eleitorais em Londres, Wandsworth e Westminter e o círculo de Swindon. Em todos eles o Labour cresceu por troca directa com os Conservadores mas não de forma suficiente para lhes permitir passar a liderar. Em Barnett, um círculo eleitoral  de Londres, o Labour sofreu uma das suas mais dolorosas derrotas, por troca directa com os conservadores.

Parece que há algumas  conclusões que é necessário retirar destes resultados. Em primeiro lugar  a campanha contra o antisemitismo que dominaria o Labour foi muito eficaz. O partido de Jeremy Corbyn não foi capaz de lidar com a questão e a liderança, fortemente conservadora, da comunidade judaíca fez o resto. Os quatros círculos eleitorais com uma maior presença da comunidade são exactamente Barnet, Wandsworth, Westminter e Swindon.

Em segundo lugar a implosão do UKIP determinou uma transferência quase total de votos para os Conservadores que, em muitos casos, lhes permitiu manter a liderança em importantes círculos eleitorais. Sem essa transferência os Conservadores teriam tido um resultado mais modesto. Há aqui uma fidelidade do voto pró-Brexit que deveria permitir a Corbyn, e aos seus acólitos, rediscutir o posicionamento do partido nesta questão. A atitude actual de inflexibilidade perante o resultado do referendo dá trunfos à ala direita dos trabalhistas e aos conservadores.

Em terceiro lugar os trabalhistas foram eficazes a denunciar o escândalo Windrush - e isso foi a acção mais importante, pelo seu significado para a vida das pessoas -  mas não foram capazes de questionar e combater  a alteração na forma de votação. Em consequência disso cerca de 4 mil eleitores foram impedidos de votar, nos círculos eleitorais em que a medida foi testada.

O Labour é cada vez mais um partido próximo de voltar à governação. Falta apenas limar as últimas arestas. Umas delas é a posição do partido face ao Brexit. A outra é a capacidade para afastar aqueles que adoptam posições negacionistas, como  os que, cegos pelo ódio à extrema- direita israelita no poder, se atrevem a negar o holocausto, branqueando o nazismo.


04/05/18

Nova crise argentina?

Com disparada do dólar, BC da Argentina anuncia novo aumento da taxa de juros (Globo Economia):
O Banco Central da Argentina informou nesta quinta-feira (3) que decidiu subir para 33,25% a taxa básica de juros do país, em meio a uma forte desvalorização do peso argentino frente ao dólar. Foi a segunda alta em menos de uma semana, como tentativa de frear a queda da moeda.

Subir a taxa de juros é uma maneira de tentar atrair investidores para o país, pois torna as aplicações mais rentáveis. Com mais agentes interessados em investir na Argentina, a tendência seria a valorização de sua moeda.
Relembro o que escrevi há uns tempos (a propósito da Venezuela mas fazendo a comparação com a Argentina):
[O] que está a acontecer na Venezuela é o que acontece quando combinamos um governo de esquerda com câmbios fixos sobre-valorizados (um governo de direita com câmbios sobrevalorizados dá a Argentina na viragem do século).

Para manter um câmbio fixo com a moeda de outro país, o banco central tem que ter uma reserva de moeda estrangeira que lhe permita trocar a sua moeda por moedas estrangeiras sem desvalorizar (...)

No caso de um governo de direita a segurar um câmbio fixo sobrevalorizado, o resultado costuma ser os bancos centrais a subirem as taxas de juro para atraírem capitais estrangeiros, e assim lançando a economia numa recessão quase permanente.

De novo, não é raro que no fim o governo acabe por desvalorizar a moeda, mas também aí é já tarde e a curto prazo o único efeito da desvalorização e juntar ao desemprego uma subida de preços (creio que a crise argentina foi mais ou menos assim).

Ou seja, o resultado de câmbios sobrevalorizados + políticas de esquerda é uma crise do lado da oferta, com escassez de produtos; já para câmbios sobrevalorizados + políticas de direita o resultado é uma crise do lado da procura, com desemprego e falências em cadeia.