Escrevemos na altura das hastas públicas falhadas que a cidade de Lisboa estava à mercê do Mercado e dos seus interesses. Valerá a pena reler o que então escrevi para reposicionar o problema e verificar se a solução agora encontrada representa uma alternativa para a cidade e, sobretudo, um corte - não precisa de ser radical, basta-nos que conduza a resultados radicalmente diferentes - com um nefasto passado em que os interesses dos moradores e dos que gostavam de aqui morar, os que reclamam o seu direito à cidade, apenas eram equacionados quando os interesses do Mercado estavam saciados. Diga-se que esse "tempo imaginário" acontecia noutro "tempo concreto", bem definido por uma pequena palavra portuguesa: nunca.
Vamos tentar analisar aqui, ao longo de sucessivos posts, as várias perspectivas associadas a esta operação. Para o fazer temos que dispor da informação e aquela que existe neste momento é escassa. Além das "leituras" feita pela imprensa, em que foram divulgadas as apetitosas imagens produzidas pela autarquia, a informação disponível é a que s epode encontrar no site da Câmara.
Neste link pode encontrar-se um conjunto de ficheiros agrupados em duas pastas: As Orientações Estratégicas para a Operação Integrada de Entrecampos e a Delimitação da Unidade de Execução de Entrecampos.
Há uma primeira abordagem que interessa fazer. Esta operação constitui o epitáfio daquela que há uma década ficou conhecida como a operação PRAÇA DE ENTRECAMPOS, projectada pelo gabinete PROMONTÓRIO. Caso tivesse sido concluída teria permitido a construção de cerca de mil fogos organizados em torno de uma praça pedonal e de um equipamento cultural, o Lisboa Arte Fórum. A imagem da operação, caso ela tivesse sido concluída, seria mais ou menos a seguinte:
Esta operação destinava-se a jovens sendo o método de atribuição o sorteio. Podiam candidatar-se também pessoas que vivessem fora de Lisboa e o preço estava pré-definido pela entidade promotora. O Presidente da Câmara que lançou a operação foi Pedro Santana Lopes e, insuspeito que sou de simpatias pelo PSD, posso afirmar, sem qualquer dúvida, que se tratou de uma operação de habitação marcadamente pública, não segregada e não especulativa. Passados mais de dez anos há pessoas que dispõem de uma habitação no centro de Lisboa apenas e só como resultado dessa operação. Desde então pouco ou nada se fez - é mais para o nada, em boa verdade - no domínio da habitação a custos controlados, em terrenos tão bem localizados. O resultado da operação passados cerca de 12 anos de ter sido lançada é o seguinte:
A questão do tempo e da fidelidade aos objectivos iniciais pode implodir, a qualquer momento, o carácter integrado de uma qualquer operação urbanística. Esse é um aspecto fundamental, mostra-nos a experiência e a cultura urbanística. Basta muitas vezes mudar a administração municipal para uma boa ideia ser destruída.
A Câmara Municipal de Lisboa decidiu, a dada altura, alterar o projecto da Praça de Entrecampos sem que os moradores tenham alguma vez sido chamados a emitir a sua opinião sobre as alterações propostas. Desde que o segundo quarteirão foi construído o Projecto da Praça de Entrecampos permaneceu uma miragem.
Da famosa Praça sobreviveu o nome. O terreno no qual se situaria o equipamento cultural e grande parte do espaço público que daria coerência urbanística ao conceito de Praça, é aquele que Fernando Medina olhava e apontava quando no passado dia 16 apresentava aos jornalistas a Operação Integrada de Entrecampos.
Imagem disponível no site da CMLisboa.
É sobre este contexto que a Operação Integrada de Entrecampos tem que ser analisada e discutida. Felizmente vão ser realizados vários debates sobre esta operação que o autarca de Lisboa não tem dúvidas de classificar como a maior operação urbanística depois da Expo 98. Vinte anos depois será uma excelente forma de celebrar esse acontecimento marcante pelas boas e más razões conhecidas. Não voltando ao debate mas não resistindo à comemoração folclórica e vincadamente acrítica o Parque das Nações é uma zona fortemente segregada do ponto de vista habitacional sendo a operação um operação de pura e dura renovação urbana.
Mas para podermos afirmar juntamente com Medina que esta operação vai contribuir para que Lisboa seja uma cidade para todos, nestes tempos em que a cidade se transforma a cada dia que passa numa cidade para muito poucos, incapaz de responder à pressão do Mercado, será necessário esclarecer mutas questões. Há esta primeira conclusão que importa salientar: a operação integrada de Entrecampos constrói-se sobre o que resta da Operação Praça de Entrecampos.
Planta de Funções e Usos do Solo
A partir de uma não resposta do Mercado a Câmara Municipal de Lisboa avançou com o desenho urbano dos terrenos da Feira Popular e da zona envolvente, aproveitando para "resolver" os problemas de "guetização" a que os moradores da Praça de Entrecampos estavam de alguma forma sujeitos. Dessa forma a Câmara, a fazer fé nas declarações tornadas públicas, assume a liderança do processo de urbanização e passa a ser ela quem executa os projectos e as obras - recorrendo a empreitadas, naturalmente - das infraestruturas urbanas e do espaço público.
Será ssim? Há um período para debate público que é curto - inicia-se a 26 de Maio e acaba a 28 de Junho - mas que poderá esclarecer as questões fundamentais.
O Vias de Facto dá a sua contribuição para este debate de que, da nossa parte, lançamos aqui a primeira "pedra". Não respondemos à pergunta que colocámos no título, poderão concluir. Pois não. Aquilo que se conhece da Operação não permite responder positivamente mas, em boa verdade, também não permite responder de uma forma negativa. Quer isto dizer que apesar dos elementos já disponibilizados, e do trabalho já feito por muita gente envolvida nesta operação, há muitas questões por esclarecer.
Um último ponto: do meu ponto de vista o processo de desenvolvimento urbano deve ser liderado pela Administração. Isso não obriga a que os terrenos sejam públicos nem tão pouco que seja a Administração a construir as habitações e os equipamentos. Quer apenas dizer que deve ser a Administração a planear e a decidir o que quer para a cidade. Esse é um dever público que deve ser indelegável, contrariamente ao que tem sido a regra e aquilo que a nossa legislação, desgraçadamente, permite.
Ser a Administração a liderar o desenvolvimento urbano é uma condição sine qua nom para que uma cidade seja justa. [há quem ache que para isso é necessário substituir o sistema capitalista, mas eu para esse peditório já dei]. Pode não ser suficiente, mas ficamos mais perto do objectivo de uma cidade justa. A liderança do Mercado conduz a cidades inficazes, ineficientes, espacialmente segregadas. Não-cidades, em boa verdade, como Lisboa se tem paulatinamente transformado ao longo de décadas.
Argumentar com a falta de recursos é conversa fiada de quem sabe muito bem quem perde e quem ganha quando o Mercado lidera o desenvolvimento urbano.
[continua]
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