15/12/19

ELEIÇÕES NO REINO UNIDO - IV

O resultado das eleições no Reino Unido deu aos conservadores a vitória anunciada. Já aqui tinhamos, sucessivamente, manifestado o nosso cepticismo quanto a uma possível vitória do Labour e da equipa de Corbyn.
A hipótese do voto táctico revelou-se uma miragem. Os conservadores ganharam muitas circunscrições aproveitando a perda de votos directamente do Labour para os Lib Dem (Warrington South, Delyn, entre outras). Kensigton, que mudou de mãos por 150 votos - replicando o que tinha acontecido em sentido inverso em 2017 - foi uma das circunscrições em que os Lib Dem mais do que duplicaram o número de votos, passando de 4 mil para 9 mil.

Há uma verdade objectiva: os LIB DEM aumentaram o seu número de eleitores em 2.121.810. No entanto perderam 10 deputados.  Os conservadores viram o seu número de eleitores aumentar 1.587.365, o que correspondeu a um aumento de 66 lugares. Com uma perda de 1.094.492 votos os trabalhistas viram o seu grupo parlamentar reduzido em 42 lugares.

Do meu ponto de vista a estratégia de Corbyn revelou-se um desastre que se foi, aliás, consolidando ao longo da agonia da senhora May. Esssa agonia foi também a agonia do projecto do Labour e do que ele significava: mais justiça social, redução das desigualdades, reforço dos serviços públicos.

Já aqui escrevi e julgo que os resultados das eleições confirmam essa análise: a opção pelo Brexit - implicita e explicita na evolução de Corbyn pós eleições de 2017, e durante esta campanha com a sua patética defesa de uma suposta neutralidade face a um segundo referendo - foi um desastre. A maioria dos eleitores do Labour apoiaram o Remain and Reform em 2016, que foi aliás a posição oficial do partido. Muita dessa energia dos apoiantes do Remain inundou e impulsionou a eleição de 2017 e a ascensão do partido. Em 2019 não se viu nada disso.

A perda da Red Wall era inevitável. Há um movimento tipico das zonas mais desfavorecidas, torturadas pela austeridade e pelo desinvestimento, a favor das forças nacionalistas. Não se trata de sair da Europa, trata-se sobretudo de dizer não aos emigrantes e à deslocalização das empresas. Optaram, como acontece um pouco por todo o lado, por se entregarem às mão do melhor carrasco.
Para combater esse movimento há que chegar ao poder e mudar a política.

A falta de coragem de Corbyn em defesa da Europa, uma Europa que o Labour poderia ajudar a mudar, custou-lhe muitos votos dos Remainers, que abandonaram o partido e se juntaram aos Liberais Democratas ou se abstiveram. Com uma estratégia centrada na defesa do Remain, o Labour teria consolidado as zonas ganhas em 2017 aos conservadores e poderia ter expandido a sua influência noutras zonas. Teria evitado o desastre total sofrido na Escócia. Certamente não teria melhores resultados na Red Wall. Mas será que teria pior resultado do que aquele que obteve nestas eleições?

Cada um defende aquilo em que acredita. Corbyn - um homem sério, um democrata, vilipendidado pela imprensa tablóide e pelos poderes económicos que ele aliás desafiou de forma aberta - deixou-se encurralar por uma pequeno grupo com uma visão retrógada anti-europeia. Não se pode liderar quando não se é claro sobre aquilo que se defende. Há uma coisa que a esquerda já devia ter aprendido: não vale a pena querer fazer aquilo que a direita nacionalista e libertarista faz muito bem. O Brexit é a proposta de uma sociedade mais desigual, mais corrupta, mais autoritária, mais xenófoba. Alguém de esquerda tem que ter uma posição clara de oposição a este projecto. O vencedor do Brexit, e seu mentor, chama-se Boris Johnson.

6 comentários:

Anónimo disse...

"...O vencedor do Brexit,...",
Como em tudo na vida existem multiplas opiniões sobre um, aparentemente único, facto.
-O Grande vencedor, em termos de "big picture" terá sido Nigel Farrage. Foi ele que arrancou com o processo de devolver o Reino Unido aos seus co-cidadãos. Se o RU continuará como tal ... será outra história.
Quanto ao sistema eleitoral "responsável" pelo este resultado ...

José Guinote disse...

Caro Anónimo verífico que não tinha nada a dizer sobre a questão. Fica registada a sua peculiar interpretação sobre a origem do Brexit, e os seus protagonistas, bem como sobre os seus reais objectivos.

Anónimo disse...

De como se escreve hoje em dia comentários políticos:

«direita nacionalista e libertária»
José Guinote

Desconhecia que o neologismo criado pelos anarquistas franceses no século XIX servia para este tipo de classificações...

Libertário anti-nacionalista

José Guinote disse...

"direita nacionalista e libertarista" [ da corrente de Robert Nozick, o fundador dessa corrente]. Agradeço ter chamado a atenção para o lapso.

manuel.m disse...

A derrocada do Labour na Escócia não é de agora: Aconteceu nas eleições de 2015, era nosso líder Ed Miliband.

José Guinote disse...

Caro manuel.m é verdade o que refere relativamente às eleições na Escócia. No entanto, em 2017 - nas tais eleições lideradas por Corbyn e nas quais o Labour teve um resultado fantástico, que agora toda a gente ignora - o Labour passou de um deputado - obtido em 2015 com Miliband, um homem do centro esquerda, claramente crítico da terceira via de Blair - para sete deputados. Os seis que o Labour ganhou em 2017, com Corbyn, foram os seis que perdeu agora. Os escoceses são ferozmente contra o Brexit e pela permanência na União Europeia. A "evolução" na questão europeia de Corbyn custou-lhe tudo aquilo que conquistara na Escócia.