06/10/12

Democracia, Representação, Partidos e Participação dos Cidadãos. Notas à margem do Congresso Democrático das Alternativas


O Congresso Democráticos das Alternativas, que reuniu em Lisboa, no dia 5 de Outubro deste ano, será, sem dúvida, digno de louvor se tiver servido — coisa que só os próximos tempos permitirão verificar — para assentarmos ideias sobre o que é a democracia, e/ou o processo de democratização que a sua instituição pressupõe.

1. Comecemos, pois, pelo princípio, tentando explicitar, à laia de pontos prévios, as condições gerais da democracia. Esta, parafraseando e precisando uma definição célebre, é o governo dos cidadãos comuns pelos cidadãos comuns e para os cidadãos comuns. É o regime em que os cidadãos governados são, ao mesmo tempo, os seus próprios governantes activos e regulares, sendo o poder político exercido pelas suas assembleias e pelos magistrados — sorteados ou, em sendo esse o caso, eleitos —que aqueles instituem na lei fundamental que se tenham fixado.  Os cidadãos poderão eleger delegados para determinadas funções e órgãos governantes, mas estes deverão permanecer responsáveis perante os seus eleitores e vinculados pelo mandato que deles receberam. A democracia é cidadania governante.

2. Tanto deveria bastar para nos darmos conta de que só por abuso de linguagem podemos falar de "democracia representativa". Com efeito, a democracia requer que a célebre divisa da Revolução Americana - não à tributação ou imposição sem representação - seja substituída por outra: não ao governo sem participação governante do conjunto dos "iguais" ou governados. É verdade que as instituições representativas e a instauração do sufrágio universal foram meios que permitiram limitar a arbitrariedade do Estado e do poder dos grupos dominantes, e que ainda hoje podem fornecer recursos defensivos frente aos regimes ou projectos de regime que se baseiam na absolutização do poder do Estado. Mas não é menos verdade que são também mecanismos de segurança que garantem a exclusão dos cidadãos comuns do exercício regular e permanente do poder político, da deliberação e decisão das leis e medidas que os governam nos diversos domínios da vida colectiva.

3. Assim, a representação, consistente na redução da participação dos cidadãos comuns no exercício do poder à eleição periódica, de tantos em tantos anos, de uns quantos deputados e magistrados, é, essencialmente, um princípio oligárquico e classista, contra o qual a democracia só pode afirmar o princípio da igual participação no exercício do poder pelos cidadãos, o primado da sua actividade governante. Porque, se é verdade que a participação pode ser dependente, arregimentada, cúmplice da hierarquia e/ou dos grupos dominantes, não é menos verdade que sem participação não há democracia.
O carácter antidemocrático do "governo representativo" agrava-se quando, como é o caso em Portugal e noutros lugares, a regra é não só que os cidadãos sejam forçados a não governar, escolhendo quem o faça acima deles, mas, mais ainda, forçados a limitar a sua escolha a listas de candidatos apresentadas por partidos, passando os representantes a estar vinculados mais ao mandato dos partidos do que àquele de quem os elegeu. Trata-se de uma fórmula que, ao mesmo tempo que reduz ainda mais o alcance da participação simplesmente eleitoral, corrompe também o que, num regime democrático, poderia ser o papel dos partidos — ou seja, de associações de pertença voluntária que animassem o debate e a actividade de proposta entre os cidadãos governantes, sem, todavia, governarem em vez deles ou serem canal obrigatório da acção política.

4. Finalmente, os actuais "governos representativos" e os seus diversos órgãos de exercício oficiais estão longe, cada vez mais longe, de ser as únicas instituições efectivamente governantes. Boa parte do poder político, se entendermos por este o poder de editar normas e tomar decisões que vinculam o conjunto dos cidadãos, é exercido à margem dos representantes eleitos e das magistraturas políticas explícitas, na esfera decisiva dita da "economia". Assim, a repolitização explícita desta - tanto ao nível macro do planeamento e orientações estratégicas, como ao nível da empresa e do trabalho quotidiano - é uma condição necessária e primeira da democratização nos termos em que acima ficou definida. Não há democratização efectiva do exercício do poder político governante que não passe pela democratização da economia. E, para concluir este primeiro assentar de ideias, poderia acrescentar-se, a propósito da repolitização democrática da economia acabada de referir, que a democratização do mercado, segundo o princípio de um voto por cidadão, dificilmente deixará de ser um seu momento e/ou condição essencial.


Adenda em tempo útil (06.10.2012, às 16 h e 25). Evidentemente, os poucos parágrafos que podem ler-se acima, publicados há algumas horas, não são uma receita para a acção, ou o esquema de uma teoria a aplicar. Indicam antes a necessidade dessa acção intrinsecamente reflexiva, desse juízo político participante na acção, sem a qual esta se reduz a uma força ou energia reflexa e quase mecânica, nos antípodas da democratização instituinte, e à mercê da canalização que outros dela façam, explorando-a em proveito de velhos ou novos propósitos de dominação. 


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