19/10/12

MANUEL ANTÓNIO PINA (1943-2012)


PARA BAIXO E PARA CIMA

A Ana tinha um ió-ió muito bonito      
que fazia tudo o que ela queria
quando ela dizia "para cima" o ió-ió ia para baixo
quando ela dizia "para baixo" o ió-ió ia para cima
   
Como gostava muito daquele ió-ió
a Ana fazia de conta que não percebia
para o ió-ió ir para cima dizia "para baixo"
para o ió-ió ir para baixo dizia "para cima"
 
e como o ió-ió gostava muito da Ana
era o ió-ió mais obediente que havia
quando ia para cima fazia de conta que ia para baixo
quando ia para baixo fazia de conta que ia para cima

(Gigões e Anantes, 1974)

1 comentários:

João Valente Aguiar disse...

"Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas."
Manuel António Pina, in "Junto à água", um dos seus poemas mais bonitos e tocantes. Teremos muitas saudades dele.

Um abraço