15/10/13

O Anti-capitalismo é a negação do Capitalismo

Portanto, no seio dum sistema que seja a negação do actual sistema capitalista, ou seja num sistema anti-capitalista, necessariamente terão de estar ausentes os elementos mais característicos do Capitalismo. Entre os quais os incentivos à produção, que levam à exploração auto-infligida, quer por necessidade de sobrevivência, quer como resultado do processo de alienação pelo consumo. Este incentivos assentam na geração de medo: de não se conseguir sobreviver no seio duma sistema que enaltece o egoísmo; de não se conseguir demonstrar perante outros que se possui valor. Segundo uma definição estrita de exploração auto-infligida, esta ocorre sempre que alguém executa trabalho que preferiria não executar. Este tipo de exploração não é exclusiva do sistema capitalista. Mas este distingue-se dos demais pela capacidade evidenciada em gerar, dum modo insidioso e conducente à auto-justificação, exploração auto-infligida para além daquela que, eventualmente, se poderia justificar como necessária à sobrevivência, no sentido literal.

Um sistema anti-capitalista é incompatível com qualquer tipo de exploração, inclusive a que é auto-infligida. Um sistema anti-capitalista incluirá mecanismos que minimizem o potencial para a exploração, qualquer que seja a sua forma. Isto inclui mecanismos que permitam a qualquer membro da sociedade a sua sobrevivência sem que tenha de realizar trabalho que prefira não executar. Por exemplo, através dum rendimento incondicional. E inclui o desmantelamento do aparelho de propaganda ao serviço do sistema capitalista, cujos objectivos centrais são manter a submissão e a produção. Se a primeira é essencial para que a desigualdade não seja contestada, a segunda é necessária para potenciar essa desigualdade. Portanto, num sistema anti-capitalista desaparecerão os principais mecanismos que, num sistema capitalista, são responsáveis pela manutenção do nível de produção. Acreditar que, mesmo assim, seria possível manter, ou até aumentar, a produção ao mudarmos para um sistema anti-capitalista é absurdo. Obviamente, a grande maioria das pessoas dar-se-á conta que deixará de ter necessidade de trabalhar com a mesma intensidade com que o fazia no seio do (anterior) sistema, capitalista. Simplesmente, porque, como muito bem diz a Raquel Varela, os "abraços apertados não produzem nada", e eles serão de certeza muito mais comuns em qualquer sistema realmente anti-capitalista.

Daqui decorre, que afirmar que o anti-capitalismo e o produtivismo são compatíveis, que numa sociedade pós-capitalista manter-se-á o crescimento económico, ou sequer que a actual dimensão da economia se manterá, não é credível. O objectivo de crescimento económico é compatível com muitas ideologias, inclusive com o ecologismo, mas não com o anti-capitalismo. Quem se auto-denomina anti-capitalista e ao mesmo tempo defende a necessidade de crescimento económico está terrivelmente enganado sobre, pelo menos, uma das suas convicções.

Poder-se-ia argumentar que, mesmo diminuindo efectivamente o número total de horas de trabalho humano despendidas, o progresso científico e tecnológico tem o potencial para mais do que compensar o eventual decréscimo na produção que daí decorreria. No entanto, isto esquece que o próprio progresso científico e tecnológico não é, hoje em dia, separável dos mecanismos de produção capitalista acima mencionados. Não só os cientistas e técnicos sofrem do mesmo tipo de exploração auto-infligida que outros, mas os próprios avanços científicos estão hoje fortemente dependentes duma infra-estrutura tecnológica que resulta da aplicação intensiva de Capital e que se destina, antes de mais, à reprodução e multiplicação desse Capital. Num sistema pós-capitalista, onde cada membro da sociedade terá igual poder de decisão, será expectável que parte dos recursos que hoje assumem a forma de Capital sejam redistribuídos por forma a satisfazer necessidades humanas básicas. Será portanto inevitável a diminuição do investimento no sistema tecnológico, e portanto do progresso científico. Não me parece credível esperar que, neste cenário, o (menor) progresso científico que haverá seja capaz de compensar a expectável substancial quebra global da produção que decorrerá da diminuição das horas de trabalho totais. O anti-capitalismo não se opõe ao progresso científico, tal como o ecologismo o não faz, mas em ambos não é aceitável o progresso científico e tecnológico independentemente das suas consequências.

O Anti-capitalismo é a negação do Capitalismo. Mas será que todos já se deram conta disto?

4 comentários:

JMS disse...

O capitalismo é a negação do anti-capitalismo, certíssimo. Mas como muito bem disse G. Orwell "Todos nos indignamos com as distinções de classe, mas são muito poucos os que de facto querem acabar com elas [...] muitas das opiniões revolucionárias retiram a sua força da convicção secreta de que nada pode ser mudado". Muitos auto-denominados anti-capitalistas não passam de poseurs, e se sonham com a revolução é só porque acreditam que esta os projectaria para um papel de líderança à la Lenine. Mas na verdade sentem-se muito confortáveis no seu papel de oposicionistas encartados, enquanto vão colhendo santamente os benefícios da exploração alheia (na China, na Tailândia, etc). É a esquerda-Ipod em todo o seu esplendor. Não querem mudar nada, nem sequer na sua própria vida, querem apenas falar, falar, falar.
Não admira que defendam impossibilidades físicas como o crescimento do PIBezinho e se auto-contradigam a todo o passo, como quando defendem o incremento da produção industrial e da produtividade, ou lutam por "melhores salários" em vez de pela abolição do salariato. Engoliram o isco e o anzol da mundividência burguesa, com o seu materialismo tacanho e, coitados, nem se deram conta. Felizmente nem toda a gente na esquerda vive nesta bolhinha de autocomplacência pseudo-revolucionária. Parabéns ao Pedro Viana.

Niet disse...

Claro como água pura: Pedro Viana recorda que está terrivelmente enganado quem aposta na dupla suicida do crescimento económico a par, a meias, com a ficção de uma rábula funesta e inverosimil de se ser anti-capitalista...J.M.S. aproveita a tese e aprofunda a alternativa. O que é que Castoriadis subscreveu num livro luminoso sobre " Da ecologia à autonomia", vamos ver: " É que uma outra sociedade autónoma, não implica apenas a autogestão, o autogoverno, a auto-instituição. Ela implica uma outra cultura, no sentido mais profundo deste termo. Ela implica um outro modo de vida, outras necessidades, outras orientações da vida humana. Pois estareis de acordo comigo em dizer que um socialismo dos engarrafamentos é um absurdo; e que a solução socialista deste problema não é eliminar os engarrafamentos quadriplicando a largura dos Campos Eliseos. (...) Pôr o problema de uma nova sociedade, é pôr o problema duma criação cultural extraordinária.(...) será que desta criação cultural temos, diante de nós, sinais precursores e anunciadores? ". Salut! Niet

JMS disse...

Ejecutivos cuarentones, impecablemente trajeados y encorbatados, absortos en el videojuego que ruge desde su smartphone en el tren de cercanías… Los veo cada mañana cuando nos dirigimos al trabajo, ellos al Paseo de la Castellana, yo al campus de Cantoblanco. Ay… La versión degradada del mito de Prometeo que hoy domina nuestro paisaje social y cultural es una fantasía preadolescente: independencia, poderío, dominación, autofundación, deseo capaz de crear realidad. Necesitamos madurar –desesperadamente–: ser capaces de reconocer límites, aceptar que no nos autoengendramos, reconocer y valorar la transmisión generacional, asumir nuestra interdependencia y ecodependencia. Sí: la opción ecosocialista y feminista, frente al capitalismo espectacular, telemático y financiarizado, es quizá, sobre todo, una cuestión de llegar a ser adultos. Algo de lo que se encuentra desesperantemente lejos la cultura dominante.
Jorge Riechmann

http://tratarde.org/llegar-a-ser-adultos/#sthash.0cJL8zxQ.dpuf

Anónimo disse...

Se fosse alguém que viesse conhecer o pensamento de esquerda pela primeira vez e me deparasse com isto, certo e seguro seria que não quereria ter nada a ver com ela. A verdade é que mesmo não sendo a primeira vez, pala segurança com que isto é exposto, começo a achar que o melhor é mesmo não querer ter nada a ver com ela. É a ideologia duma classe média moralista e irracionalista preocupada com a "alienação" do consumo à qual contrapõe uma autenticidade baseada na frugalidade e na força de vontade para ser pobrezinho mas honrado. Este, o Valadas a defender os anarco-reaccionários do Alambique que promovem a naturopatia e desinformação sobre saúde mostram a deriva reaccionária duma esquerda anti-materialista e primitivista. Antes o capitalismo que estes trogloditas snobs.

António Oliveira