29/10/13

O enclave revolucionário de Loures resiste

Muito blá blá blá tem sido escrito pelos estenógrafos ao serviço do PCP a propósito da distribuição de pelouros entre a CDU e o PSD na Câmara Municipal de Loures. É só ir aos blogues do costume. Dizem os estenógrafos, que dizem o que a direcção diz, que 1) a CDU é contra executivos monocolores nas autarquias; e 2) ofereceram pelouros ao PS mas que este não aceitou. Acrescentam ainda os estenógrafos, que dizem o que a direcção diz, que «foi possível encontrar com o PSD um entendimento que cumpre esse objectivo [de estabilidade de gestão da Câmara] e não põe em causa a vontade de mudança que a CDU protagoniza neste Município» (ver comunicado da CDU de Loures aqui).

Dizem os “camaradas” que o acordo com o PSD (que se saiba é partido do governo) é apenas para manter a estabilidade na gestão de uma Câmara Municipal e que tal acordo em nada impedirá a execução do programa que a CDU quer implementar em Loures.

Ora, das três uma.

Ou as pessoas que replicam isto raciocinam como uma fotocopiadora e acreditam que em política os acordos só trazem vantagens para um único colectivo político, e que o PSD não terá naturais contrapartidas políticas. O desejo de chegar ao poder é, neste aspecto, uma realidade transversal aos diversos partidos parlamentares que, goste-se ou não, são parte integrante do aparelho de Estado. Só na cabeça dos estenógrafos é que o PCP seria antagonista do que eles chamam de Estado burguês.

Ou o discurso que o PCP fez nas últimas eleições autárquicas a propósito da ligação dos processos eleitorais locais à realidade nacional de austeridade esvaneceu-se misteriosamente. Esta é uma incongruência brutal no discurso dos PCPistas. Tanta energia gasta para que, nas autarquias, as pessoas não votassem nos partidos do governo (aqui) e, afinal, o principal partido do governo já pode partilhar o poder localmente com a vanguarda revolucionária… Depois do sucesso que se conhece da parada de camionetas da Ponte, é legítimo perguntar: terão Arménio Carlos e Miguel Macedo participado nas reuniões preparatórias de coligação para a Câmara de Loures?

Ou, no fim de contas, o PCP e a CDU até têm razão quando referem que o acordo de distribuição de pelouros com o PSD não impedirá o seu programa de acções para Loures. Se calhar o que a CDU vai aplicar em Loures não será assim tão diferente do que o PSD preconiza. Sabendo que o PCP é, conjuntamente com a extrema-direita, a única força política que defende abertamente a saída do euro, e sabendo que tal via não seria mais do que o prolongamento indefinido e exponenciado da actual austeridade (aqui e aqui), percebem-se as homologias. Nada como aprimorar a austeridade genocida de um cenário pós-euro com os actuais mestres da austeridade.

Felizes os pobres de espírito, porque deles serão os gabinetes da Câmara.

12 comentários:

Zuruspa disse...

Mais lambidelas de feridas, depois do tiro ter saído pela culatra ao PS?
Estavam à espera da recusa do PSD, para depois voltar à mesa negocial, e exigir mais pelouros. Lixaram-se.
E é bom que assim mantém o PSD de Loures preso pela trela.

O Bernardino fez muito bem. Lá na Junta de Freguesia da terrinha é igual, o PCP mais depressa se junta com o eleito do PSD, porque os eleitos do PS näo querem negociar nada, além de serem incompetentes e manhosos.

Entäo e de Sintra, onde o PCP aceitou pelouros numa Câmara PS, já nada dizem? Ai, pois, näo convém... assim se vê a força do Pê Cê!

Rocha disse...

Que bom que tens tempo entre congressos sobre Marx para discutir estes assuntos menores da política local.

Como estão o Fernando Rosas, a Raquel Varela e o Pacheco Pereira aí em cima no Olimpo dos intelectuais ressabiados? Aqui em baixo encontro no decorrer da política vulgar de manifestações de rua muitas vezes encontro pequeno-burguesia chique (do Bloco e afins) que quer escrever teses e mestrados sobre a "vida interna do PCP", sempre com aquele sorriso manhoso de quem sabe que o anti-comunismo rende profissionalmente e ainda mais academicamente.

Vê-los a colar cartazes, a distribuir propaganda ou qualquer outro trabalho prático de mobilização das massas é que nunca os vejo.

Mas está bem. O Bernardino é que é um malvado a trair a confiança dos "especialistas em PCP". Já agora sobre Olhão em que CDU e BE votaram ambos por ser preferível ter o PSD (do que o PS) na mesa da Assembleia Municipal não há nada a dizer. O que é bom de atacar o trabalho dos comunistas na câmara mais populosa que não tem maioria PS ou PSD. Ui ui é a ameaça do nacionalismo de esquerda, que venha a burguesia salvar-nos destes comunistas.

João Valente Aguiar disse...

Rocha,

política autárquica? Mas não foi o grande timoneiro Jerónimo que andou na campanha a dizer que se deveria castigar localmente as políticas do governo? Ou quando interessa o que era nacional afinal já é local?

Em relação às tais teses e mestrados sobre o grande Partido da Classe Operária e de Todos os Trabalhadores. Portugueses, pois claro. Nunca escrevi nenhum trabalho académico sobre o PCP. Tenho mais do que fazer.

Sobre alguns nomes que o senhor Rocha cita. Alguns deles estão bem mais próximos das suas posições e das formas de organização da sociedade do que eu. Não fosse alguns deles quererem que a sua respectiva organização substitua o PCP enquanto maior agremiação de massas à esquerda (ou à direita) do PS, e praticamente todas as restantes posições e formas de organização política seriam subscritas pelos militantes do PCP. O PCP é apenas um exemplo de algo estrutural que o ultrapassa em muito. O problema é a forma de organização social, a prática, as concepções e não a sigla e a missa onde vão rezar.

Para terminar. O PC, e toda a sua linha política de que se reclama herdeiro, tem tanto de capitalista como a Sonae. Uns, os leninistas, concentraram esforços no controlo dos processos de trabalho e de todas as decisões políticas a partir do Estado. Outros, os capitalistas clássicos, fazem o mesmo mas a partir das empresas privadas. Face ao volume de trabalho gratuito, voluntário e emulado que as organizações stalinistas captam constante e duravelmente dos seus militantes, não sei se não é preferível ser empregado de uma empresa e receber um salário do que ser mais um acólito voluntário. É que construir as grandes iniciativas que dão receita ao Partidão e, no final, ainda ter de pagar por ser membro da congregação político-religiosa, ainda consegue ser uma situação pior do que as já de si péssimas práticas laborais de muitas empresas privadas.

Ui ui que estes pretensos marxistas acham que as leis económicas que o Marx desenvolveu só se aplicam aos outros. A eles mesmos já não... É como se a utilização de trabalho não pago para produzir excedente para uma camada minoritária deixasse de existir. A alienação é sempre só aplicável aos outros...

Unknown disse...

Há muita gente no PSD e no PS, assim como no CDS que são a favor da saída do euro!

Da extrema direita ainda ouvi ninguém.

Creio que é uma atitude transversal. Só o Bloco de Esquerda tem um activista pró-euro. Sério que enoja. Sabendo que o euro é o principal instrumento de domínio e difusão do ultra-liberalismo financeiro parece estranho que o partido da crítica de esquerda seja acrítico a algo tão evidente. Bem sei que não se deve generalizar, mas a manada Louçã não põe o euro em causa.

andré sarmento disse...

O João Valente Aguiar, num exuberante sinal de honestidade intelectual, não se dá obviamente ao trabalho de se pronunciar sobre o que o PCP devia ter feito não tendo a maioria absoluta em Loures.

Se for o caso, como não há outra, devia vir aqui defender o entendimento da CDU com o PS (partido que evidentemente se quer guardar como alternativa para daqui a 4 anos) e claro dar pelouro ao cabeça de lista do PS que fezx camapnha com declarações anticomunistas como não se ouvir há 3o anos.

Fala, Vlente !

Argala disse...

"do que eles chamam de Estado burguês."

Onde? Em que documento é que leu isso?

Miguel Madeira disse...

Prata do Povo:

"Da extrema direita ainda ouvi ninguém"

http://www.pnr.pt/wp-content/uploads/2012/08/2012-Soberania-e-Identidade.pdf (pagina 2)

Miguel Madeira disse...

andré sarmento - e porque é que haveria de fazer alguma coisa? Porque é que não podia ter simplesmente governado em minoria, sendo as suas propostas votadas caso a caso?

Pelo menos é o que em Portimão muita gente diz que, cá, o PS deveria ter feito (em vez de se ter aliado ao PSD na câmara)?

Miguel Madeira disse...

Argala - aqui o PCP parece considerar o estado social de economia mista como um tipo, apesar de tudo, de "Estado burguês"

José Guinote disse...

O João Valente Aguiar coloca o dedo na ferida a propósito da questão de fundo que se esconde por detrás das alianças espúrias, de que Loures é apenas um exemplo entre vários.
A política, a política que vai ser aplicada, afinal não difere assim grande coisa daquela que seria aplicada caso fossem outros os protagonistas. A despolitização do exercício do poder autárquico é uma das maiores preversões da democracia. O “nosso projecto autárquico” é apenas e só “servir as populações”. Aqui não há espaço para a política, essa coisa impura que, custe o que custar, não pode contaminar a polis. Todos os homens bons são bem vindos para concretizar o “nosso projecto” – desde que sejamos nós a liderar e sem negociações políticas, sem compromissos, sem comprometimento, sem política – que é nem mais nem menos do que o projecto de todas as pessoas de bem.
Talvez por isso nos debates que tiveram lugar nas últimas autárquicas a austeridade tenha sido o único tema debatido. Quem discutiu o direito à cidade? Quem discutiu as políticas públicas urbanas que devem ser aplicadas para construir uma alternativa? Quem debateu as razões profundas que estão na origem da crise que as sociedades capitalistas europeias atravessam e o papel desempenhado pelo poder local na construção dessa crise ? Essa discussão é muito importante porque ela vai permitir duas coisas: por um lado verificar que a clivagem entre os partidos políticos construída em torno do memorando de entendimento é artificial; segundo, ajudar-nos-ia a perceber as razões políticas que estão por detrás de acordos como os de Loures.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,
subscrevo inteiramente o seu comentário, que nos indica, a meu ver, as conclusões que se impõem no quanto à natureza do PCP por parte de quem quer a democracia entendida como participação igualitária de todos no governo de todos, através de uma repolkitização explícita da questão dad condições colectivas de existência. Com efeito, não são tanto estas ou aquelas posições sobre este ou aquele assunto, mas o modo de conceber e organizar a acção política, o tipo de divisão do trabalho político que propõe, o regime e as relações de poder que o seu modo de funcionamento actualiza, o que torna o PCP portador e agente de uma ordem classista e hierárquica anti-igualitária e liberticida que qualquer política de democratização do exercício do poder e da actividade governante só pode combater, sem meias-tintas nem vacilações.

Abraço solidário

miguel(sp)

João Valente Aguiar disse...

Com atraso respondo a alguns comentários.

André Sarmento,

O que o PCP devia ter feito? Isso não me interessa muito. Mas quem andou na campanha a dizer que o local era uma réplica do nacional e depois das eleições o local já é local... Ou é uma coisa ou é outra...

O comentário do Miguel Madeira é, nesse aspecto, muito instrutivo.

Argala,

não sei se já foi ou é do PCP, mas qualquer militante daquele partido sabe perfeitamente o que é o Estado burguês... O próprio Álvaro Cunhal escreveu um texto inicialmente publicado no Militante sobre o assunto. Que isso seja para encantar os mais afoitos é outra história. Mas que essa noção existe, ela existe.

José Guinote,

corroboro o seu comentário, nomeadamente quando diz que «a clivagem entre os partidos políticos construída em torno do memorando de entendimento é artificial». Eu acho o mesmo e, infelizmente, não existe uma real alternativa a políticas de austeridade. Ou melhor, existir existem. Mas o que o PCP defende não se distingue em praticamente nada do que PSD e CDS estão a fazer. E não me refiro a proclamações genéricas sobre aumento de salários, algo que a concretizar-se seria óptimo. A questão é como se concretizaria, à esquerda, uma política alternativa à austeridade. Nesse sentido, subscrevo inteiramente o que o Miguel Serras Pereira afirma no final do seu comentário: «o tipo de divisão do trabalho político que propõe, o regime e as relações de poder que o seu modo de funcionamento actualiza, o que torna o PCP portador e agente de uma ordem classista e hierárquica anti-igualitária e liberticida que qualquer política de democratização do exercício do poder e da actividade governante só pode combater, sem meias-tintas nem vacilações».

Porque hoje muita da esquerda tolera e, pior, admite participar em acordos com o PCP é que me espanta. E isto dentro de uma solução conjuntural de governo (autárquico ou nacional) pretensamente contra a austeridade. Porque se formos a discutir questões mais estruturais e que realmente rompam com a sociedade capitalista, então ainda é mais incompreensível colocar o PCP no plano de quem defenderia uma sociedade democrática e onde o poder de decisão fosse exercido pelo conjunto dos trabalhadores.