26/01/15

Mau começo?

O Syriza anunciou uma coligação com os Gregos Independentes, da direita nacionalista - um partido com muita coisa que me assusta.

É verdade que, sobretudo com a recusa anunciada dos comunistas do KKE em fazer uma coligação, não restavam muitas forças anti-troika com quem fazer acordos, mas, a apenas dois deputados para uma maioria (e com vários partidos tendo anunciado que iriam deixar o Syriza governar), não seria possível ter simplesmente feito um governo minoritário (confesso que nem sei se legalmente isso é possível na Grécia; e talvez, para um governo que vai enfrentar negociações duras, seja melhor - mesmo em termos de transmitir uma imagem de força aos negociadores do outro lado - ter uma maioria de apoio).

15 comentários:

José Guinote disse...

Uma aliança dificil de digerir. Choca-me o carácter eurocéptico e as tendências xenófobas destes Gregos Independentes. Chocam-me sempre alianças com a direita mais a mais sendo a direita com laivos fascistas. Vamos a ver. Mas parece um bom balde de água fria logo na ressaca da festa.

Anónimo disse...

"Confesso que nem sei se legalmente isso (governo minoritário) é possível na Grécia".

If no party has the absolute majority, the President shall give the leader of the party with a relative majority an exploratory mandate in order to ascertain the possibility of forming a Government enjoying the confidence of the Parliament.

If this possibility cannot be ascertained, the President shall give the exploratory mandate to the leader of the second largest party in Parliament, and if this proves to be unsuccessful, to the leader of the third largest party in Parliament. Each exploratory mandate shall be in force for three days."

Não me parece que seja legal sequer.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,
sem dúvida. E tanto mais balde de água fria quanto o certo é que o Syriza não só se distinguiu de outras ditas "esquerdas da esquerda" por repudiar o seu eurocepticismo e os seus laivos nacionalistas, como até terá sido responsável por certas mudanças de rumo na matéria operadas, por exemplo, pelo Podemos. Esperemos que, apesar de tudo, não se torne refém do seu parceiro minoritário e consiga manter o acordo de incidência limitada que com ele firmou isso mesmo. A ver vamos.
Abraço

msp

Rocha disse...

Onde está o João Valente Aguiar com a sua retórica lunática do anti-nacionalismo que gosta dirigir ao PCP, Agora não terá nada a dizer? Quando se tratam de nacionalistas burgueses e de direita mesmo já não deve achar importante... Enfim é como dizia Marx a Miséria da Filosofia...

José Guinote disse...

Esperar-se-ia, aliás, que pudesse influenciar no sentido de controlar a pulsão nacionalista que, inesperadamente, tem vindo a emergir no Bloco, fruto, talvez, da obsessão mimética com o PC. Esperemos que sejam apenas inevitabilidades decorrentes do "processo grego" e que a vitória do Siryza possa ser assumida por todos os povos da Europa.

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, José Guinote. Mas há, de facto, aqui um problema sério. É que a linha de europeização da crise, de transformação das regras do jogo da UE, tão habilmente seguida até agora pelo Syriza, tem como corolário avanços na integração política, fiscal, orçamental, bem como no plano das garantias, liberdades e direitos fundamentais. E se não é difícil obter do ANEL um acordo genérico contra a imposição da austeridade na Gtécia, não se vê bem como será possível deixá-lo de ter como adversário no plano do modo escolhido para contestar o austeritarismo da UE. É aqui, parece-me, que o ponto bate.

msp

Niet disse...

Não seria oportuno pensar o processo grego, onde um partido marxista-trotsquista conseguiu chegar...ao Poder, tudo isso seis anos depois de uma crise a repetição do capitalismo monopolista mundial e no interior de um sistema politico, a União Europeia, marcadamente ultra-liberal ortodoxa? Será que como anunciam os principais conselheiros de Alexis Tsipras, vamos ter doses sucessivas de " análises marxistas " sofisticadas e universalizantes, segundo apontam Yanis Varoufakis, fellow de James Galbraith, e Georges Stahakis, os estrategos de politica e economia do novo poder? A coisa promete...Todos os experts de Mélenchon e Lafontaine, com Louçã e os cérebros teóricos do "Podemos " espanhol a ajudar,vamos ter muito para nos espantar, vale? Niet

João Valente Aguiar disse...

Só uma nota ao senhor Rocha, já que sou interpelado directamente, e esperando que isto não desvie o debate que aqui vai ocorrendo.
Apenas para dizer que: 1) é notável que eu tenha escrito algo supostamente "lunático" e alguém se interesse sobre o assunto. Aliás, é notável que o mesmo indivíduo que me acusa de escrever coisas "lunáticas" seja o mesmo que está cheio de vontade de ler as mesmas coisas que critica/insulta... Para quem escreve coisas pretensamente lunáticas, até que é interessante verificar o interesse que isso revela nos adeptos do nacionalismo. Para quem escreve coisas tão erradas até que ainda vou tendo uma audiência razoável. 2) Devo ter escrito dezenas de páginas sobre o assunto nos últimos três anos, tanto aqui como noutros locais. Está tudo lá e não tenho uma vírgula a acrescentar. Para mágoa de alguns escrevo quando, como e sobre o que me apetece. Era o que faltava eu ter de escrever (ou não escrever) o que quer que seja só porque alguém acha que eu tenho de o fazer.

José Guinote disse...

Meu caro Miguel Serras Pereira essa é uma questão central. Parece que há quem defenda que o acordo com os Gregos Independentes é meramente táctica e destina-se numa primeira fase a enfrentar o embate com a UE e quase em simultâneo permitir a eleição de um Presidente apoiado pelo Syriza e pelos seus parceiros. Esperemos para ver. Mas, concordo que a reconstrução da Europa da solidariedade não se pode fazer com este tipo de parcerias políticas.

http://www.liberation.fr/monde/2015/01/26/direct-grece-l-ue-va-devoir-composer-avec-syriza_1188826

joão viegas disse...

Ola,

Também fiquei perplexo com a noticia (brrr). No entanto, uma coisa é certa : o Siryza, com todas as reticências que possamos ter (e que sempre teremos, em relação a qualquer projecto politico), representa um teste importante para aqueles que acreditam numa politica de esquerda genuina, europeista e de cariz democratico. Por esta razão, esta tudo à espera, desde a extrema esquerda ao vasto campoo da direita conformista aliada ao centrão, que eles tropecem e acabem por cair.

Isto, como é obvio, não deve adormecer a nossa vigilância, mas julgo que também nos obriga, a nos que nos reclamamos do mesmo campo, a tentar favorecer o dialogo e a logica construtiva.

Neste caso e quanto à tão badalada questão do "nacionalismo", eu, que sou um europeista convicto a um grau que provavelmente muitos leitores deste blogue julgarão exagerado e ingénuo, tenho a dizer o seguinte :

Não vejo porque é que a questão de saber até que ponto a esquerda se pode reclamar do nacionalismo, havia de ser banida. A questão é legitima, o que implica duas coisas : i/ a soberania nacional pode ser uma ideia de esquerda até certo ponto ii/ passado este ponto, que não vejo porque não pode ser definido com alguma precisão, a ideia deixara de ser de esquerda, para passar a ser perigosa...

Julgo que se debatêssemos a questão sob este ângulo, muitas das nossas querelas teologicas acabariam por desaparecer. Mas concedo que acreditar que as querelas teologicas podem desaparecer denota uma certa forma de idealismo ingénuo e mesmo de angelismo.

Abraços a todos

Rocha disse...

Ó João meu caro, lamento muito desviar-te dos teus afazeres académicos. Mas eu estava a falar directamente do assunto do post. É que o europeísmo "de esquerda" que o syriza corporiza e que vocês todos adoram pode fazer as alianças que quiser com os nacionalistas de direita (racistas, anti-imigrantes vale tudo), não vá o decoro estragar os negócios do parlamentarismo. Já os 3 anos, ainda bem que os lembras, a dizer ui ui que vem aí o papão nacionalista da esquerda contra o euro passou para segundo plano. Está na hora de esquecer a conversa da treta e passar directamente aos negócios. Coisa que um académico de sucesso sabe bem fazer, há que fazer pela vidinha e ser empreendedor.

João Valente Aguiar disse...

O problema das deturpações é que obrigam à repetição, estafada confesso, de coisas que já estavam esclarecidas. Malgrado a má fé e a tresleitura de Rocha, e de modo a encerrar esta discussão lateral, importa lembrar o seguinte:

1) nunca disse que "vinha aí o nacionalismo do PC" mas que o seu discurso e a sua prática são difusoras do nacionalismo. Aliás, escrevi sobre essa vertigem nacionalista (que aliás é comum a uma parte significativa da esquerda à esquerda do PS) e sobre as consequências de uma eventual (e cada vez mais distante) saída do euro. Cheguei mesmo a classificar essa via como estritamente potencial e como a menos provável. Portanto, empreendi uma crítica aos pressupostos políticos nefastos dessa mundivisão e esbocei possíveis traços de um cenário que felizmente se veio a verificar como cada vez menos plausível.
Já que me dão muita importância, nada como corresponder ao grau de importância que me dão, e citar-me: «Tentando perspectivar o curto prazo como fiz na primeira parte do artigo, parece-me cada vez mais que a troika vai continuar a concretizar o seu programa de desvalorização salarial. Sem um amplo movimento de lutas autónomas, os capitalistas continuarão a deter a iniciativa política. O que significa que o que aqui aponto é sobretudo o perigo potencial do PCP e não tanto o que irá acontecer a curto prazo. Nem é o cenário mais provável mas é uma possibilidade inscrita no DNA político-ideológico e organizativo do PCP. DNA que vem do passado histórico leninista. DNA que se concretizou factualmente em inúmeras tentativas de desorganização das lutas autónomas dos trabalhadores em 1974 e 75. E um DNA que se concretiza, na actualidade, numa conjunção de uma ideologia nacionalista e de uma prática totalmente canalizada para reforçar o seu exército de militantes e de seguidores e para uma ruptura isolacionista com a zona euro. Em sociedade, tudo o que existe em potência ou de um modo mais subreptício pode florescer e maturar-se» (http://passapalavra.info/2013/02/72738).

Em suma, ao contrário de 90% da esquerda dita qualquer coisa radical ou revolucionária, eu sempre defendi que a UE estava paulatinamente a integrar-se ainda mais e que as pessoas deveriam reflectir sobre isso e não o contrário, pelo que é simplesmente pateta a atitude de me atribuir coisas que nunca considerei... Escrevi, ainda mais recentemente, «Nesta segunda parte proponho-me discutir a integração económica europeia no seu plano transnacional propriamente dito. Sem querer esgotar o tema, parece-me que, se a esquerda não for capaz de reflectir sobre o processo de integração europeia que tem prosseguido, o nacionalismo será cada vez mais o seu substrato político. Se esta tendência não se inverter a maioria da esquerda anti qualquer coisa actualmente existente arrisca-se a se tornar cada vez mais num obstáculo para futuras lutas autónomas dos trabalhadores. A supremacia do nível transnacional sobre o nível nacional ou outro não advém de uma decorrência ideológica ou política, mas é uma consequência estrutural e objectiva da evolução, da complexificação e da modernização do capitalismo. Ignorar a centralidade deste nível só contribuirá para que o actual estado de ausência de lutas autónomas dos trabalhadores se prolongue» (http://passapalavra.info/2014/06/97153). Portanto, o cenário vai ser mais ou menos este: os capitalistas cada vez mais coesos e com uma maior capacidade de operação nos planos local, nacional e transnacional, e de outro lado os trabalhadores fragmentados nacionalmente. Fragmentação que a esquerda nacionalista quer continuar a alimentar.

João Valente Aguiar disse...

2) Sobre os Gregos Independentes vale a pena ler este artigo de José Gusmão: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/01/o-syriza-esta-falar-serio.html
Deixo aqui a descrição que o autor faz desse partido: «A esse respeito, são relevantes duas notas: (1) a posição do Anel sobre imigração é semelhante à das grandes famílias europeias (PPE e Socialistas) e, portanto, compará-lo à Frente Nacional ou à Aurora Dourada é um exagero que só pode ter propósitos propagandísticos. (2) O acordo Syriza-Anel incidirá sobre as questões económicas e da dívida, deixando de parte qualquer compromisso sobre direitos individuais, área em que as posições são antagónicas e o Syriza tem parceiros bem mais frequentáveis».

Nesse sentido, e já que há quem ache que a política é um puxar de galões de autenticidade revolucionária, vale a pena lembrar algumas das alianças que o PCP defendia nos anos 40. Vejamos o que dizia Álvaro Cunhal sobre a aliança com membros da Legião Portuguesa: «"O nosso Partido não deve desinteressar-se dessas dissenções que opõem, dentro da Legião, os elementos vendidos à Alemanha aos elementos que são contrários à traição do comando da Legião. É nosso dever, camaradas, aprofundar essas dissenções, atraindo os patriotas que sejam membros da Legião ao movimento de Unidade Nacional. Dois objectivos devemos procurar alcançar com essa política. Por um lado, engrossar o movimento de Unidade Nacional antifascista com novos participantes, mesmo que a sua participação seja “temporária, oscilante, condicional, pouco sólida e pouco segura”. Por outro lado, desagregar a Legião como tropa de choque do fascismo.
Mas que fique bem claro. De momento, nós não procuramos plataformas, nem acordos, com tais legionários. O que nós procuramos é atraí-los às mais variadas lutas contra a política de traição do governo quinta-colunista de Salazar e da sua tropa de confiança, a Legião, à luta contra o comando hitleriano da própria Legião, à luta pelo desmascaramento dos manejos de traição e espionagem da Legião» (Cunhal 2007: 211-212).
Desta citação de Cunhal retiro duas conclusões fundamentais. Primeiro, a Legião seria uma instituição passível de ser influenciada pelo movimento nacional antifascista de modo a captar fascistas patriotas… No afã de salvar a nação da divisão que o regime fascista protagonizava, o PCP apelava a fascistas pertencentes a uma organização análoga às SA ou às MSVN italianas para que se juntassem à autêntica Unidade Nacional… Quando o conceito de nação constitui o eixo central da política de uma organização de esquerda, facilmente se pode chegar a desejos de coligações com elementos fascistas. Sempre em nome do superior interesse da Nação.» (http://passapalavra.info/2013/06/80311). Pena que nem os cunhalistas leiam as obras do homem. Ao menos saberiam com que linhas se podiam coser...
E quem diz a defesa de pontos de contacto com sectores da Legião Francesa, diz o armamento da Reichswehr pela União Soviética, dos pontos de contacto entre as SA e o PCA (http://passapalavra.info/2009/06/5364), etc.
"Ah e tal és académico e não sei que mais". Pois...

Miguel Madeira disse...

A respeito da possibilidade formal de um governo minoritário:

Neste comunicado da "Esquerda Operária Internacionalista" (uma das facções trotskistas do Syriza), refere-se que «Forming a coalition wasn't a necessary response to the outcome of the elections, as there was the possibility of proceeding with a SYRIZA government on its own by asking for a "vote of tolerance" in parliament [with MPs from other parties either voting or abstaining]»

Rocha disse...

Quem te disse que eu sou cunhalista, caro João, enganou-te. Defender o que de positivo Álvaro Cunhal fez é diferente e até oposto a um seguidismo acéfalo que alguns andam a promover. Ultimamente até vejo alguns "renovadores" (vossos parentes reformistas) a usar o Cunhal como arma de arremesso contra os que ousam defender o marxismo-lenisnimo. Enfim ironias.

Mas não tenho a menor intenção de te fazer escrever mais telegramas. Sobre essas tuas leituras pós-modernistas já falamos muitas vezes e dos "cunhalistas" dos anos 40 não há nada a dizer, é tanto disparate que nem vale a pena perder tempo com isso. A citação do José Gusmão é a cereja em cima do bolo, o omo (e o BE) lava mais branco, mas vamos ver as coisas lindas que este governo do syriza nos vai dar.