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Há limites à liberdade de expressão ? Claro que há. Ou antes, não é bem isso. O que é necessário perceber é que... Bolas ! Deixa ver se isto fica mais claro com um desenho. (<>==<>//è ?//o ?§§( Não consigo...
Bom, na verdade, a questão é mais saber se devemos, ou não, limitar a liberdade de expressão. Questão um pouco mais precisa que, pelo menos na nossa tradição cultural, se desdobra em duas, que na verdade são três, talvez mesmo quatro : i/ Há limites éticos à liberdade de expressão ? ii/ Há limites jurídicos à liberdade de expressão ? iii/ Admitindo que os há (uns e outros) será que eles devem, ou não, confundir-se ? iv/ Completamente ou tendencialmente ?
O problema é que qualquer destas perguntas é profundamente ambígua porque, na verdade, não sabemos bem do que estamos a falar. Liberdade de expressão do quê ? Reparem que raramente as pessoas têm as ideias claras a este respeito. No entanto como é que poderíamos responder às outras perguntas se não sabemos responder a esta última ?
Com efeito, se estivermos a falar apenas de exprimir ideias ou opiniões, então é difícil compreender porque deveria haver qualquer limitação. Que mal tem exprimir uma ideia ou uma opinião ? Aliás, que mal pode fazer uma ideia ? E, sobretudo, que mal pode fazer uma ideia, que a expressão desta mesma ideia não ajude imediatemente a remediar ? Por exemplo, ainda que me magoe a ideia que eu possa estar a escrever um disparate, quem não vê que este mal desaparece por completo com o debate racional que demonstra que não é disparate nenhum ?[1]
O problema, é que é muito duvidoso que falemos (ou que escrevamos) apenas para exprimir ideias e opiniões. Na realidade fazemo-lo também por muitos outros motivos e com as intenções mais diversas. Eu mesmo, que estou aqui a tentar explicar o meu ponto de vista, na realidade estou também a tentar ter piada[2], a querer ridiculizar quem não pensa como eu, a procurar convencer o querido leitor, tentando chamá-lo para o grupo daqueles que partilham a minha opinião, ao mesmo tempo que estou (também) a exprimi-la. Pois é. Todos nós falamos e escrevemos, também, e muitas vezes principalmente, para apelar, para dissuadir, para comover, para ferir, para agredir, para proteger, para incitar, para alcançar, etc. Ora, estas coisas todas, já podem trazer males menores, e males maiores, e quem diz isto, diz ao mesmo tempo que se justificam algumas limitações...
Exemplos ? O mafioso que explica aos seus capangas que fulano de tal estaria muito melhor se alguém o precipitasse no fundo do lago com botas de cimento está, também, para todos os efeitos, a exprimir uma ideia, e mesmo uma ideia que implica considerações científicas que não destoariam numa palestra sobre física teórica. Mas, como é óbvio, não é isto que ele está a fazer principalmente... O burgesso que grita “os paneleiros hádem morrer todos e não entram neste estabelecimento” está, de uma certa maneira, a expor a sua weltanschauung, mas é duvidoso que seja isso que ele está a fazer principalmente.
Aqui chegados, parece que os fundamentos clássicos da ordem liberal voltam a ser operacionais. Se se trata de interferir com outrem, com o risco de causar algum dano material ou moral, então parece que sempre há limites éticos, deixados ao critério de cada um, salvo aqueles que, excepcionalmente, definidos por lei, são considerados como consubstanciais com a ordem social e cuja violação é tida como suficientemente grave para justificar uma restrição geral das liberdades, limites estes que são, não apenas éticos, mas também, jurídicos e que, numa sociedade liberal, devem ser entendidos e interpretados estritamente. Ámen.
Na verdade, isto não chega ainda para vencer a dificuldade, que continua presa à ambiguidade exposta acima. É sempre possível dizer que, nos casos que mencionei, a pessoa deve ser responsabilizada, e mesmo sancionada penalmente, mas nunca em razão das ideias ou opiniões que expressou. Totò Riina é condenado por homicídios, por fraudes e trafulhices diversas, que ele pode ter cometido atravês de palavras sem nunca ter colocado o dedo no gatilho. Os tribunais conhecem a dificuldade e sabem perfeitamente desenvencilhar-se sem que o legislador tenha de lhes explicar que há crimes que são cometidos por palavras. Como toda a gente sabe, Eichmann não se conseguiu safar arguindo que não fez mais do que expor e transmitir ordens superiores...
Mas não é menos verdade que, na medida em que não existem debates 100 % teóricos, nem sequer sobre o sexo dos anjos, parece legítimo, e prudente, e mesmo liberal, definir por lei quais são os limites absolutos fora dos quais estamos nitidamente a abandonar o campo da livre expressão de opiniões e ideias. Em muitos países liberais, a injúria e a difamação são definidos por lei. Isto, não o esqueçamos, é também o que permite ao juiz, quando confrontado com a mágoa da pessoa ofendida, responder-lhe : “meu amigo, neste caso concreto, não há injúria nenhuma, e cabe-me a mim velar igualmente pela liberdade, que por sinal é sua também ”.
Agora vem a parte mais difícil. Reparem que a monumental quantidade de energia que gastamos com leis, com os debates que permitem defini-las, com os tribunais que as procuram aplicar, etc., tudo isso tem a ver com a ideia segundo a qual é mais prudente, e mais funcional, não deixarmos a definição do dano e da sua medida ao critério único de quem o sofre, ou aliás de quem tem capacidade de o ressarcir sozinho. Para sentirem melhor onde está o perigo, vou dar como exemplo uma querela que ocorreu nos tempos da mais longínqua Idade Média e que, hoje em dia, provavelmente já não diz nada a ninguém. Naqueles tempos remotos, houve pessoas que se consideraram pessoalmente ofendidas por quem criticava e escarnecia do deus no qual elas acreditavam. Um absurdo inconcebível numa sociedade como a nossa, assente no princípio do livre pensamento e da livre discussão de ideias, opiniões e crenças. Ora bem, convenhamos que é bastante cómodo haver leis para dirimir esse tipo de conflitos, leis que ajudam o juiz a seguir o exemplo do procurador romeno que, em 2007, explicou numa decisão de indeferimento que deus, quer exista quer não exista (não sabemos), em todo o caso, não tem personalidade jurídica... Em contrapartida, os mortos, apesar de não poderem mover acções judiciais, podem titular acções por ofensa, mas apenas porque existe uma lei neste sentido (artigo 226 do código penal).
Complicado ? Nem por isso. Vou contar-lhes uma história que aprendi nas aulas de deontologia que segui na escola de advogados. Em 1945, o advogado Jacques Isorni, quando defendia o marechal Pétain[3], disse ao tribunal, porque era aquilo que ele pensava, que se calhar os juízes tinham instruções políticas. Foi imediatamente multado por ofensa ao tribunal. Muitos anos mais tarde, quando defendeu os generais putschistas da Argélia[4], Isorni teve um pensamento idêntico e disse : “meretíssimos, não posso dizer que o tribunal tem instruções, porque se o disser vou ser sancionado”. Concluia assim o meu professor de deontologia : tudo pode ser dito, a questão é a forma.
Esqueci-me de por citações filosóficas nisto. Agora é um bocado tarde. Ainda assim, vou deixá-los, para concluir, com o seguinte documentário onde se vê Ludwig Wittgenstein (1889-1951) comentar a última frase do seu célebre Tractatus logico-philosophicus. A frase reza assim : “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (“Whereof one cannot speak, thereof one must be silent”) e, na verdade, foi dita antes dele por muitos outros filósofos, entre os quais Leibniz e Lao Tsé, para mencionar apenas aqueles cujo nome começa pela letra “l”.
[1] Chiu !
[2] Mau, mau… Não me desconcentrem, por favor !
[3] NB : Acontece com alguma frequência que bons advogados defendam crápulas da pior espécie. Faz parte do seu ministério. Eles é que não o dizem frequentemente. Não que lhes falte a vontade, mas porque há uma reacção fisiológica complicada que lhes paralisa a laringe quando o querem fazer. Sucede exactamente a mesma coisa quando eles têm que explicar que pedreram perdreram falueram inganharam um processo.
[4] Ver nota anterior.
18 comentários:
Caro João,
o teu post expõe com clareza meridiana alguns aspectos fundamentais e demonstra q.b. a necessidade de regulação — e garantia — jurídica da liberdade de expressão.
Mas, sabendo bem que não era este o teu tema, gostaria de levantar aqui a questão da prisão de Dieudonné, que me parece abusiva em, pelo menos, dois sentidos importantes.
Em primeiro lugar, a justificação que a apresenta como decorrente da legislação que criminaliza o anti-semitismo e o negacionismo em França. Aqui, parece-me duvidoso que o jeu de mots de Dieudonné seja intrinsecamente anti-semita (ou racista em geral). E também não me parece que configure um incitamento a acções violentas ou criminosas. Que me dizes?
A segunda ordem de considerações já não tem a ver com a aplicação da lei vigente, mas com a legitimidade da legislação francesa sobre o anti-semitismo e o negacionismo. Não consigo vislumbrar o acerto de uma lei que criminaliza a expressão do anti-semitismo em particular (entre todas as formas de racismo) ou o negacionismo do Holocausto em particular (entre todas as formas de falsificação histórica). E, mais ainda, acho que o desacerto é ainda mais irremediável quando consideramos o facto de nem a proibição da expressão de ideias racistas nem a repressão judicial das falsificações da história sejam modos prudentes e lúcidos de defesa das liberdades.
Enfim, muito mais haveria a dizer sobre tudo isto, mas, para começo de conversa, penso que já é suficiente.
Abraço para ti
miguel(sp)
Ola Miguel,
Perfeitamente legitimas as tuas questões. Por enquanto, umas pequenas precisões :
1. Dieudonné não esta preso, apenas esteve detido para interrogatorio e foi indiciado (mis en examen) pelo crime de apologia de empresa terrorista (ainda não percebi qual é a base legal precisa). Não foi condenado ainda. Pessoamente, ainda não consegui perceber bem qual é a justificação para uma condenação em razão do trocadilho de mau gosto que proferiu no passado dia 11. Salvo melhor informado, acho um pouco inquietante que ele possa ser condenado por isso. Inquietante e potencialmente contraproducente. Mas vou investigar e ja ca volto dizer qualquer coisa.
2. Dieudonné foi condenado por diversas vezes no passado. Que eu saiba, foi condenado por difamação e injuria (por ter dito que existia uma "pornografia memorial" que procedia à exploração lucrativa da shoah) e por incitação ao odio racial (nomeadamente por ter afrimado que os grandes escroques neste planeta são os Judeus). Estas condenações justificaram que um espectaculo dele ("Le mur") fosse proibido o ano passado, o que não o impediu de continuar em palco, com um espectaculo diferente.
3. As leis de 1972 e 1990 não são propriamente leis que incriminam "o anti-semitismo". Incriminam a incitação ao odio e a negação de crimes contra a humanidade. Pessoalmente, tendo a pensar que estas leis são excessivas. Posso compreender que obedeçam a razões ligadas à historia francesa. Mas, na pratica, o que constato é que elas acabam por ter o efeito inverso do pretendido : em vez de dissuadir os imbecis, permitem-lhes armar em vitimas e transformam-nos em herois aos olhos dos seus congéneres... Portanto neste aspecto, acho que concordo inteiramente contigo.
4. No entanto, esta questão toca indirectamente num dos pontos abordados no post : se é obvio que as limitações à liberdade de expressão devem ser minimas e interpretadas de forma estrita, uma vez que a livre troca de ideias e de opiniões é, em principio, um bem suficientemente valioso para que lhe sacrifiquemos a azia que podemos sentir ao ouvir palavras com que discordamos, não deixa por isso de ser utopico e irrealista defender-se que não ha atentados problematicos à suceptibilidade de outrem, e esta susceptibilidade é quase sempre relativa a alguma forma de "religiosidade" em sentido lato. Pense-se no crime de ofensa de cadaveres, por exemplo... O proprio conceito de dignidade da pessoa humana implica uma certa sacralidade. Isto não nos devia fazer grande moça, uma vez que parece a priori possivel conciliar este facto com a liberdade, que por sinal é, também ela, de alguma forma sagrada...
Abraço
não nos devia fazer grande "mossa", claro. Desculpa outras provaveis gralhas.
Abraço
Salut João.
Agradeço a correcção a que procedeste de algumas imprecisões verbais minhas, que aceito de bom grado. O único ponto que me deixa dúvidas é o último: não propriamente a tese de que existem "atentados problemáticos à susceptibilidade de outrem", ou lesivos da sua "dignidade humana", mas antes a ideia de que tais coisas remetem necessariamente para a "religiosidade" ou para o "sagrado". Suponho que a difamação ou outros atentados do mesmo teor aproximado à dignidade humana de outrem não nos obrigam, para aceitarmos a sua proscrição, de um fundamento extra-social, "sagrado" ou "religioso". A "dignidade humana", somos nós que a definimos e instituímos como inviolável, que mais não seja porque, num sentido radical, somos nós que as criamos, ou, se quiseres, porque são criações social-históricas — parte da "lei" que nos damos e que vai sendo tempo de assumir como obra pela qual somos responsáveis.
Uma vez mais, obrigado pela tua exposição — com um abraço
miguel(sp)
Caro Miguel,
Tens completamente razão, o ponto 4 é melindroso e, na minha opinião, é o que aponta para algo de mal resolvido que está na raiz da maior parte das nossas dificuldades quando debatemos sobre a liberdade de expressão. Acrescento que a minha opinião neste ponto, embora a julgue bem amadurecida, está muito longe de ser partilhada pela esmagadora maioria das pessoas à minha volta. Talvez necessite de ser esclarecida.
Sou ateu, mas não me choca nada admitir que há em cada um de nós uma certa forma de religiosidade, entendida em sentido muito amplo. Não vejo como negá-lo e temo que os ateus não escapem à regra. Tanto quanto julgo saber (mas esta afirmação provocatória raramente é admitida) um ateu é um crente. É uma pessoa que crê... que deus não existe !
Na minha opinião, tememos a religiosidade porque a associamos às formas de religião que se têm imposto de há dois ou três milénios a esta parte (entre as quais os três grandes monotéismos). No entanto, se procurássemos compreender o que era a religiosidade de um Romano, ou de um Grego (e aqui, o teu querido Castoriadis parece-me ter escrito coisas muito interessantes), não apenas a nossa hostilidade seria muito menor, mas começaríamos a compreender que estas formas de religiosidade, que tememos com boas razões, estão intrinsecamente ligadas ao aparecimento de novas formas de vivência e de representações éticas, as quais aliás estão muito longe de serem estranhas às ideologias igualitárias e socialistas que partilhamos.
Mas, por hoje, acho que não vale a pena abrir este debate. Bastar-me-ei com dois reparos, um pouco provocatórios, é certo, mas provavelmente um bocadito pertinentes também :
1. A atitude que não aceita qualquer limitação à liberdade de expressão a pretexto do respeito do “sagrado” corre o risco de cair em contradição, na medida em que assenta, ela também, numa “sacralização”, a sacralização do livre debate de ideias. Isto torna-se problemático a partir do momento em que, segunda contradição, a torna surda e fechada à discussão com os seus adversários, que muitas vezes contrapõem : “reparem que para vocês também exitem coisas sagradas.”
2. Provocação número 2 : A palavra “sagrado” tem um sentido muito amplo. Designa apenas algo que decidimos por de parte, em razão de valorações morais partilhadas com a comunidade. Todos nós temos algo de sacgrado. Para não ir mais longe, ontem à noite, apressei-me a corrigir uma gralha no meu comentário e a pedir desculpa por qualquer outra que me possa ter escapado, porque sei que, para alguns membros deste blogue, como a Ana Cristina Leonardo, a ortografia é sagrada.
Forte abraço
Viva, João. Há no que dizes muitos aspectos que valeria a pena discutirmos, mas que nos afastariam talvez da questão principal que eu quis levantar sobre o teu ponto 4. A minha rejeição de uma fundação religiosa ou sagrada da dignidade humana é a rejeição de a conceber como uma lei exterior à nossa vontade e responsabilidade. Assim, creio que me mantenho, de facto, de acordo com o grande Castoriadis que, tanto quanto sei, sempre insistiu em que a autonomia democrática — cujo lema é qualquer coisa como : somos aqueles que se dão a sua própria lei e reconhecem que o fazem — não pode deixar de excluir a posição de uma origem extra-social das leis que governam a cidade.
Assim, quanto aos dois exemplos que dás, faço-te notar que a lei que institui como princípio democrático essencial o livre debate de ideias não releva tanto da fé como da percepção de que ele é uma condição necessária da autonomia — condição que só a nossa acção instituinte, dessacralizada, poderá assegurar. E, do mesmo modo, se a Ana se bate pela ortografia que entende, é justamente porque esta e as suas opções relevam também da acção humana e da sua dimensão normativa, sendo que, democraticamente, a norma não é ditada por Deus ou pela natureza, mas resulta de uma deliberação e de uma decisão partilhadas.
Robusto abraço
miguel(sp)
Foram publicados dois textos juridicos na passada semana de dois grandes especialistas sobre as restrições politicas que ameaçam o " estado de direito ", por causa da famigerada prevenção anti-terrorista que seduz mesmo a ala mais à direita do PS francês no poder... Um é da autoria de Emmanuel Pizarrat, especialista em direito da edição, e outro pertence a Mireille Delmas- Marty,a celebérrima prof. jubilada de Direito Privado e Ciências Criminais. Há também uma entrevista no Nouvel Obs. do antigo e inquietante chefe da " secreta " no consulado de Sarkozy,Bernard Squarcini, onde ele reclama poderes especiais e inconstitucionais para a policia de informação e defesa do Estado... Pierrat assegura mesmo que existem mais de 400 " textos " que tentam juridicamente limitar a liberdade de expressão em França...Delmas-Marty evoca os riscos da construção de um " regime policial " através da supressão crescente de direitos fundamentais,referindo a adopção pelo governo de Fillon em 2008 da medida de " retenção de segurança " que prolonga infinitamente a detenção de um condenado." Como em Guantanamo,passa-se então do regime de culpabilidade para o de perigosidade. Ora, o individuo declarado " perigoso " fica despojado de argumentos contra uma tal condenação: como provar que não se é " perigoso"?, frisa Delmas-Marty.Salut! Niet
Ola de novo,
Tens inteiramente razão. Mas repara que eu não julgo que admitir uma esfera "sagrada" seja necessariamente aceitar uma lei exterior à nossa vontade. Muito pelo contrario, e numa larga medida, a existência da lei e do direito pressupõem que temos algum poder sobre o sagrado. O "algum" é importante, e é precisamente importante, aos meus olhos, porque sem ele é duvidoso que as liberdades sejam efectivas.
Mas de facto, ha aqui muita coisa para aprofundar e para afinar.
Outra coisa, sobre as leis Pleven (1972) e Gayssot (1990). Mantenho tudo o que disse e acho que são excessivas. Mas repara que não são sobre o antisemitismo e não podem ser reduzidas a isso. A primeira é sobre a provocação à discriminação, ao odio e à violência contra um grupo de pessoas em razão da sua pertença a uma raça etc. (e não apenas por antisemitismo), a segunda criminaliza a negação de crimes contra a humanidade no sentido da definição de Nuremberga (e não apenas a shoah).
Abraço
OK, João.
O que se passa é que não usámos os termos "sagrado/sacralização" e "religião/religiosidade" no mesmo sentido. Mas é evidente que, quanto ao fundo da questão, estamos de acordo.
Acrescento que aceito na íntegra a tua correcção da minha asneira sobre as leis Pleven e Gayssot. Sim, condenam o racismo e a discriminação (e não só o anti-semitismo) e a negação de crimes contra a humanidade (e não só da realidade do genocídio perpetrado pelos nazis sobre os judeus). Dito isto, continuo a não ver como podem razoavelmente servir de base de acusação contra o jeu de mots de Dieudonné (que Dieu nous en garde!).
Reiterado abraço
miguel(sp)
Oh, João Viegas: Uma só precisão.Os " textos " , a que se refere Pizaraat são " decretos-lei ",percebe? Niet
Há pessoas presas em vários países da Europa por "delito de opinião". Criminalizar a negação de um crime contra a humanidade particular, o holocausto nazi, é algo inaceitável. Aqueles que foram presos por negar o holocausto, ou alguns aspectos do holocausto, são na verdade presos políticos por delito de opinião. Gostemos ou não dessas pessoas.
Até porque a negação de outros crimes contra a humanidade (os do cristianismo, dos esclavagistas, dos turcos contra os arménios, das ditaduras latino-americanas ou dos partidos comunistas que chegaram ao Poder) nunca foi criminalizada. Nem deve ser, como é óbvio, a meu ver. Isso é tema para debate histórico ou político e nada mais, longe da repressão política-judicial.
Oh, João Viegas: Começo a ficar apreensivo. Mesmo muito. Sobre a deferlante repressiva na Liberdade de Expressão, o J. Viegas cita Pleven e Gayssot( ministro dos Transportes,atenção), o primeiro de uma era pré-Miterrand e o outro membro do PCF no Governo de Fabius( ou Jospin?) nos anos 90... Que eu saiba Gayssot só tratava do TGV e das auo-estradas...E, por outro lado,o J. Viegas não comenta os fragmentos de E. Pizarrat e da Mireille Delmas-Marty !Justamente, Pizarrat bem sublinha que as Leis Guigou( Ministra da Justiça de Jospin) e as de Perben( ministro da Justiça de Juppé) muito agravaram o " condicionamento "subtil, intempestivo e gradual da Liberdade de Expressão em França. De certeza que não, o J. Viegas, precisa que eu lhe envie os suportes textuais dos textos dos dois hiper-conceituados analistas juridicos. Niet
Obrigado pelos vossos comentarios.
@niet : não consegui perceber quem é a sua segunda referência, tratar-se-ia de Emmanuel Pierrat ? Como não sei a que texto v. se refere, também não consigo compreender a dificulade relativa aos "decretos-lei" que v. menciona.
@libertario : confirmando mais uma vez as minhas reservas quanto às leis francesas Pleven e Gayssot, cabe no entanto lembrar que, em França, não ha ninguém "preso" por causa delas. Dieudonné nunca foi preso. Foi multado varias vezes e esteve em "garde à vue", ou seja detido para interrogatorio, o que durou um dia, se tanto. Uma precisão importante, no entanto, que vai no sentido do seu comentario : se é verdade que as leis francesas são em principio redigidas em termos gerais (cf. comentario acima), é também verdade que a lei Gayssot (que incrimina a negação de crimes contra a humanidade) esta redigida de maneira restritiva para aplicar-se aos crimes da segunda guerra mundial. Ha aqui um problema, isto é inegavel. Tanto quanto sei, o legislador ja tentou por varias vezes alargar, ou melhor adoptar outros textos com um escopo mais largo mas... foi travado pelo conselho constitucional ! Neste aspecto, a situação é de facto caricata e pouco saudavel. Os "complotistas" do tipo Dieudonné e Soral, e os da Frente Nacional, prosperam em parte graças a este tipo de incoerências.
Abraços
Pleven e o deputado Gayssot(do PCF, e num projecto de lei de 1990)foram os pioneiros da contenção " democrática " da Liberdade de Expressão em França.Entre 1990 e 2009, pelo menos, sucederam as iniciativas legislativas, tanto de direita como socialistas, enquanto ocupavam o poder. Muita água correu sob as pontes de Paris, e os socialistas e a Direita foram produzindo os tais 400 projectos-de-lei e ordonances que manipulam, de forma exquise, o condicionamento da Liberdade vital de Expressão. O especialista é, repito, Emmanuel Pierrat, que deu uma grande entrevista ao semanário Le Point, a 13 do corrente. Niet
Tinha a ideia que a negação do genocidio arménio também tinha sido criminalizada, ou não?
Ola Miguel,
Esta foi uma das tais tentativas que menciono aqui em cima. Houve duas tentativas, pelo menos e, que me lembre, das duas vezes, ia caindo o Carmo e a Trindade ou, melhor dizendo, a Sorbonne e o Collège de France, e acabou por haver um chumbo do Conselho Constitucional. Foi em 2012 (http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/acces-par-date/decisions-depuis-1959/2012/2012-647-dc/decision-n-2012-647-dc-du-28-fevrier-2012.104949.html).
Portanto a situação legal em França, neste momento, é um excelente exemplo das dificuldades que podem decorrer de leis mal feitas, ou feitas para servir numa ocasião particular (falo da lei Gayssot, neste caso).
Mas, dito isto, ha que reconhecer também que é possivel ter reticências em relação às virtudes intrinsecas da pretensa "neutralidade objectiva" do debate cientifico (não digo que é o meu caso, mas concebo que haja pessoas menos patet..., digo, menos optimistas do que eu). Com efeito, a experiência mostra que ha sempre um Faurisson pronto para poluir o debate. Ora, embora não seja radicalmente impossivel combater "cientificamente" as falacias do tipo : "mas por acaso tu foste pessoalmente contar uma por uma as câmaras de gaz e verificar que todas funcionavam", vemos que é dificil, na pratica, impedir os espertalhaços de prosperar na arte de desconversar, agora na sua maxima pujança graças à invenção genial do "complotismo" (="ai fulano de tal disse que era um disparate, pois ai tens mais uma prova que, etc."). Basta seguir a questão do aquecimento global e constatar o grau de incompreensão que existe em torno da ideia de "consenso cientifico"...
Como diz o Pinheiro de Azevedo : "é natural que haja reuniões, amanhã e depois, isto não é facil de resolver..."
Um abraço
PS : corrigi o Al Capone. Obrigado.
João Viegas, não sei quem lhe disse que eu achava a ortografia sagrada, mas deve ter sido alguém que confundiu a ortografia com os meus cães.
Boa noite a todos,
Niet, a entrevista do Pierrat é interessante, embora com uma ou outra imprecisão (por exemplo o artigo 36 da lei de 1881 sobre ofensa aos chefes de Estado estrangeiros foi de facto abrogado em 2013, lembro-me muito bem, porque que participei activamente em campanhas para obter este resultado).
Quanto ao resto, ele repete a classica doutrina liberal, com a qual concordo no essencial, mas que me parece infelizmente ignorar uma parte da questão, o que a faz inevitavelmente cair nas dificuldades apontadas (na minha opinião) : é forçada a admitir limites, mas fa-lo em contrabando. A situação nos eua é sintomatica : não esqueçamos que ela não significa que não haja "censura", nem limites à liberdade de expressão, como ficou bem patente com o exemplo dos orgãos de comunicação que se recusaram a publicar as capas do Charlie Hebdo. Apenas significa que os limites são impostos pela pressão social e pelo dinheiro. Quanto a mim, ainda prefiro a lei...
Abraços
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