14/04/15

O Zonamento do IMI e o Paradigma Redistributivo

 A recente decisão de reavaliar os coeficientes de localização do IMI tem provocado alguma agitação. Não bastava o anúncio de retirada da cláusula de salvaguarda para ajudar a separar a “esquerda da direita”, o Governo ainda tinha que avançar com esta ideia de actualizar – para baixo ou para cima, não sabemos, embora possamos especular – os coeficientes de localização.

Acontece que o Governo, qualquer Governo, está obrigado a fazer esta actualização e o actual encontra-se, aliás, em falta. Esta avaliação que deve ser proposta pela CNAPU – Comissão Nacional de Avaliação dos Prédios Urbanos – resulta de um imperativo legal – alínea b) do  art.º 62º do Código do IMI – e tem que ser obrigatoriamente(!!!) realizada de três em três anos. Os Coeficientes foram actualizados, pela última vez, em 30.09.2009, no Governo de José Sócrates. Essa actualização possibiltou que o intervalo máximo do coeficiente de localização - que se situava entre 0,4 e 2,0, com a possíbilidade de, para localizações excepcionais, o coeficiente passar para 3,0 - tenha passado a abranger o intervalo de 0,4 a 3,5 (alteração que apenas entrou em vigôr no Orçamento de 2012)

Os coeficientes de localização são um dos pontos fracos do imposto municipal sobre o imóveis, mas não são, nem de perto nem de longe, o seu problema mais importante. As opções tomadas na concepção inicial do imposto consagraram um elevado grau de arbitrariedade e de descriminação dos cidadãos. Como será possível que dois cidadãos portugueses que adquiram o mesmo bem imobiliário, por exemplo uma habitação unifamiliar com um lote de terreno situado numa zona periurbana ou um vulgar apartamento, de uma qualquer tipologia, numa zona residencial como as há em todas as cidades, pequenas médias ou grandes, possam pagar um valor diferente do imposto, apenas porque se situam em concelhos diferentes? Pode, se o coeficiente de localização atribuído a cada uma das zonas for diferente. Pode mas não deve, porque os cidadãos são iguais perante a lei e devem pagar o mesmo por imóveis de igual valor.

Esta intervenção do Governo, neste momento, visa apenas e só desviar as atenções do essencial. Ora o essencial é o brutal aumento da receita fiscal sem qualquer relação com os objectivos visados com a substituição da Contribuição Autárquica pelo Imposto Municipal sobre Imóveis. Há mesmo quem julgue que através dos coeficientes de localização se poderia tributar a riqueza.
Com bons resultados já que para o principal partido da oposição a questão resume-se à cláusula de salvaguarda, que, aliás, prometem repor logo que chegados ao Governo.  Há mesmo quem julgue que através dos coeficientes de localização se poderia tributar a riqueza. O IMI teria na sua origem uma decisão política de não tributar os imóveis mais valiosos. Contrariamente ao que se afirma a ideia inicial foi a de diminuir a tributação dos prédios novos ao mesmo tempo que se actualizavam as matrizes dos prédios antigos, que quase nada pagavam. Um T3 em Carnaxide pagaria, por essa altura, duas a três vezes o que pagava um Chalet na Avenida da República. A ideia inicial foi rapidamente corrompida, como já tive oportunidade de explicar no texto que aqui chamei à discussão. Foi corrompida por todos os Governos até aos nossos dias. Mais receita é um vício a que os nossos governantes não conseguem resistir, particularmente quando é o povo generoso a pagar.
Voltando aos coeficientes de localização julgo que será mais acertado actuar de forma a que através do IMI não se continuem a acentuar as condições de pobreza a que os portugueses estão sujeitos. Aqueles que, no contexto das políticas públicas de habitação, apenas através da aquisição no mercado livre e especulativo tiveram acesso a uma habitação, pagam um valor de imposto intoleravelmente alto. Os que foram tocados pelo desemprego familiar, parcial ou total, ainda mais sofrem com a necessidade de ter que pagar o imposto sobre esse património tão especial que é a casa. Património que lhes é tributado apesar de estar hipotecado ao banco,  que será o seu verdadeiro proprietário até à última amortização. Banco que, em caso de incumprimento de algum de nós, recupera o imóvel e aloja-o - passe a ironia -  num dos Fundos Imobiliários que estão isentos de ... IMI.
Não há nenhuma razão para não diminuir as actuais taxas de IMI. Não há nenhuma lógica em manter os actuais limites entre 0,3% e 0,5%. Apenas aumentar a receita. O valor máximo não deveria ser , de nenhuma forma, superior a 0,2 %. Esta é a principal alteração a fazer. Uma ideia de esquerda, ou se quiserem, uma ideia de justiça social básica. Mesmo que reduzíssemos as taxas a metade do valor actual a receita de IMI ainda duplicaria a máxima receita de contribuição autárquica obtida, como demonstrei no texto já anteriormente linkado. A situação actual dá uma margem de receita fiscal que permite no caso de famílias em dificuldades - perda de emprego, por exemplo - estabelecer um mecanismo automático de isenção de cobrança de IMI. Afinal isso é apenas e só uma diminuição de receita da autarquia dessa família aflita com o desemprego.
Não há nenhuma lógica para justificar a manutenção da situação actual em que os prédios rústicos pagam  menos de 7% do total de imposto, embora existam cerca de 11 milhões de prédios nessa situação, grande parte dos quais nas mãos da banca e dos seguros. Estamos perante uma decisão política que favorece alguns em prejuízo de todos os outros.
Os coeficientes de localização oneram o valor patrimonial tributário correspondendo na realidade a uma percentagem que aumenta o preço de construção. Introduzem discriminação e desigualdade. Defendo a sua anulação pura e simples, passando a localização a funcionar como um valor neutro em todo o território. O valor de construção, esse sim, deve ser diferenciado, separando-se as zonas turísticas, das zonas urbanas e estas das zonas industriais. E, dentro das zonas urbanas, a habitação social deve ser discriminada positivamente. O valor de construção não pode ser igual em todo o território, porque construir na quinta da Marinha ou na Damaia não tem o mesmo custo e não há coeficientes de localização que diferenciem suficientemente estas realidades. O que as diferencia é que num caso o valor de construção não ultrapassará os 450€/m2 enquanto no  outro dificilmente alguém construirá alguma coisa por menos de 2000 €/m2, com os padrões de luxo exigidos.
O IMI representou um dos maiores aumentos de impostos deste século. Úm esbulho inaceitável, ainda que tivesse existido na sua origem um qualquer paradigma redistributivo.  A esquerda decente deve defender uma radical alteração desta punição fiscal.
 
 

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